Jubileus paulistas III
por Walnice Nogueira Galvão
Dentre as comemorações dos 500 anos que foram realizadas em Portugal, destaca-se a exposição que teve o loquaz título de Brasil, Brasis: Cousas notáveis e espantosas. A construção do Brasil. 1500-1825, no Palácio da Ajuda, em Lisboa.
Com o objetivo de cuidar de história, e não de arte, tendo como cenário o magnífico palácio pombalino de mármore branco, a mostra foi de alto patamar, concentrando-se em mapas e documentos inaugurais, inclusive um raríssimo desenho tosco representando o ataque e extermínio de uma aldeia indígena. Vê-se lá o primeiro e justamente famoso índio pintado, aquele de uma Adoração em tela a óleo de 1503, que substitui o habitual Rei Mago negro. Aliás, quase não se percebe que havia aborígines no território, pois, afora esses dois casos, estão conspicuamente ausentes da mostra.
Quanto ao mais, um Franz Post, uma bela tapeçaria Gobelin, uns poucos exemplares de esculturas, alguns inclusive atribuídos ao Aleijadinho, prataria e diamantes, numismática e ourivesaria, utensílios ligaoas à mineração de pedras e metais preciosos – arcas para transporte, pesos etc. E muitas maravilhas mais.
Já no Brasil, tivemos a saudar a disposição da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, que arquitetou uma celebração cobrindo todo o ano de 2000. Para tanto, concentrou-se na execução das composições de 23 autores da terra, no projeto que recebeu o nome de Criadores do Brasil.
Sob a batuta do maestro John Neschling, o primeiro concerto, a 16 de março, na então nova Sala São Paulo, na Estação da Sorocabana, apresentou um programa que incluiu o Concerto para Flautim e Orquestra de Cordas, de Osvaldo Lacerda; a Congada, de Francisco Mignone; e a abertura de Salvador Rosa, pouco conhecida ópera de Carlos Gomes. Os ingressos foram oferecidos a preços populares.
Entre os ecos da Mostra dos 500 anos, assinalam-se estes, comentados a seguir.
Pouca gente sabe, mas o dono belga da uma única máscara africana originária do Congo exigiu, e obteve, um milhão de dólares de seguro para emprestar a peça.
Pela originalidade, levou a palma a mostra de Arte Popular, cuja opulência fez lembrar as que, pioneiramente, Lina Bo Bardi montou. Entre estas, “A mão do povo brasileiro”, que inaugurou o Masp em 1969 e seria reciclada em 2016. De impacto incomparável.
Bom proveito para quem contemplou e apreciou as aquarelas de Aimé Adrien Taunay (1827), morto na primeira juventude, registrando cenas da vida cotidiana dos índios bororo. Para revê-las, só indo à Academia de Ciências de São Petersburgo, de onde procedem. Taunay fazia parte da expedição Langsdorf, que, apesar do nome alemão, foi financiada pelo Czar de Todas as Rússias.
Destaca-se dentre todas a contribuição do Museu de Arte Popular de Berlim e suas monumentais máscaras indígenas de palha, que mais parecem tetos de cabana. E o manto tupinambá de plumas escarlates, de cair o queixo, emprestado pelo Museu Nacional da Dinamarca e que tantas consequências acarretaria, inclusive a restituição a seus pagos.
Nem tudo pereceu na fugacidade das exposições. Elas resultaram num conjunto de nada menos que 17 primorosos catálogos, impressos em papel cuchê, perenizando a quantidade enorme de saberes de especialistas que contribuíram para o êxito da mostra. Os 17 catálogos por si sós constituem uma biblioteca completa sobre o Brasil e suas artes.
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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