Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Replicantes, mulheres empoderadas e o Feminino Divino em “Blade Runner 2049”

Por Wilson Ferreira

Replicantes, mulheres empoderadas e o Feminino Divino em “Blade Runner 2049”

Por que as mulheres são as personagens principais de “Blade Runner 2049”? Depois de os replicantes amarem a própria vida mais do que os humanos a si mesmos, descobrem que ser inteligentes, fortes e resistentes só os tornam ainda mais escravos dos humanos. Os replicantes Nexus 8 vão ao encontro daquilo que é essencialmente humano, embora esquecido por todos nós: amor, nascimento e alma. Fiel ao Gnosticismo de Philip K. Dick no livro que inspirou a saga “Blade Runner”, Denis Villeneuve e o roteirista Hampton Fancher constroem uma narrativa baseada na oposição central da Cosmologia Gnóstica: a diferença entre “Criar” e “Emanar”: a Wallace Corporation cria ou fabrica replicantes, enquanto os replicantes descobrem tudo aquilo que pode ser “emanado” – aquilo que não se cria, mas nasce: amor e alma. Esse é o centro do conflito de “Blade Runner 2049”, no qual o mito gnóstico do Feminino Divino (assim como em “Mother!” de Aronofsky) é fundamental. Mulheres empoderadas, tanto para o bem quanto para o mal. 

Os primeiros planos de Blade Runner 2049 de Denis Villeneuve seguem à risca a sequência de abertura do Blade Runner de Ridley Scott: um lettering didaticamente conceituando o que são os replicantes e o papel dos policiais “blade runners”, um globo ocular em big close up e as majestosas imagens aéreas de uma Los Angeles distopica sob a trilha musical que emula o synthpop de Vangelis do clássico de 1982. E, claro, o primeiro embate do blade runner com um replicante.

As semelhanças param por aí, como se Villeneuve quisesse prestar uma respeitosa homenagem inicial a Scott para, em seguida, dar a sua contribuição à saga dos replicantes.

Não há mais as lágrimas do replicante Roy que se perdem na chuva. Aliás, a chuva ácida deixa de ter um papel preponderante na narrativa, como no primeiro filme. Basta dizer que Villeneuve abandona o estilo tech noir de 1982 (que marcou época na moda e estilo) para acrescentar mais cores à paleta cromática.  

Blade Runner 2049 vai mais além três décadas depois no tempo narrativo do filme. Memória e identidade eram apenas subtemas no filme clássico, que se concentrava na luta dos replicantes por mais tempo de vida – a procura de Roy pelo seu criador, Tyrrel, buscando uma forma de viver muito mais do que quatro anos. Os replicantes passam a amar a vida, muito mais do que seus próprios criadores.

 

Nascer é ter uma alma

Dessa vez, o roteirista Hampton Fancher vai concentrar-se no tema da memória e identidade (lembre-se que em 1982 memórias artificiais eram implantadas nos replicantes, além deles colecionarem fotografias que acreditavam ser da própria infância), associando-a àquilo que supostamente nos torna diferentes das máquinas: o amor, reprodução sexuada, nascimento e alma.

Por isso, as personagens femininas tornam-se centrais na narrativa. Assim como em Mãe! de Aronofsky: o tema da “Mãe Terra”, aquela que gera luz, vida e dinamismo num Universo corrompido, o Divino Feminino. 

O papel que a replicante Rachel (Sean Young) representou muito vagamente no final do clássico de 1982 (Deckard/Harrison Ford, e ela como o casal Adão e Eva de uma próxima geração), em Blade Runner 2049 é o centro de toda a trama.

“Nascer significa ter uma alma”, diz a certa altura o blade runner “K” (Ryan Gosling), frase que é a chave de compreensão de todo o filme – além de amarem a vida, os replicantes começam a ter capacidade do amor e a reprodução sexuada.

Agora os replicantes não amam apenas a existência: descobriram que o nascimento e a alma surge de um ato de amor – o “milagre” a que eles se referem na trama. Aquilo que a humanidade esqueceu (o fato de que cada um de nós nasceu do desejo, prazer e amor) é descoberto pelos replicantes – eles descobrem que não precisam mais ser “fabricados”. Eles podem “nascer” por um ato de amor.

 

Fiel ao conto gnóstico original de Philip K. Dick (“Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” de 1968), Blade Runner 2049 faz uma distinção que é fundamental dentro da filosofia gnóstica: a diferença entre “criar” e “emanar” – memórias e almas não são “criadas” mas emanadas de algo eterno e anterior à própria Criação: o amor. Esse é o “milagre” que os replicantes descobrem e que dá origem ao conflito de todo o filme.

O Filme

Oficial KD6-3.7 (Ryan Goslin) da polícia de Los Angeles é um Blade Runner. Um misto de detetive e assassino especializado em caçar androides conhecidos como replicantes – principalmente aqueles de modelos mais antigos, os Nexus 8, da antiga empresa Tyrrel Corporation. A empresa do primeiro filme Blade Runner 30 anos depois faliu e foi adquirida pela Wallace Corp. 

Os Nexus 8 agora precisam ser caçados. Principalmente porque rebelaram-se contra a sua “aposentadoria” forçada.

Depois de um violento encontro com um modelo Nexus 8 chamado Sapper (Dave Bautista) numa fazenda de produção de proteína, “K” descobre uma caixa enterrada sob as raízes de uma árvore morta com um segredo que potencialmente pode abalar a evolução humana.

 

Tal como em Blade Runner de 1982, o planeta entrou em colapso ambiental e climático. Somente uma elite consegue se transferir para colônias em outros planetas. E na Terra ficaram ruínas, muito lixo, replicantes renegados, a massa de humanos que sobrevive em subempregos e um novo Demiurgo: Niander Wallace (Jared Leto), o criador não só da nova geração de replicantes, mas de toda a tecnologia de entretenimento e de produção de uma gororoba alimentar (um João Doria 2.0?) e que mantém a mínima ordem no caos terrestre.

E o Departamento de Polícia de Los Angeles está preocupado em manter essa “ordem”, principalmente Joshi (Robin Wright), a chefa dos policiais Blade Runners. Ela ordena ao policial “K” a missão de destruir e apagar todas as pistas que levam ao terrível segredo daquela caixa encontrada: os Nexus 8 adquiriram a capacidade da reprodução sexuada – eles já não precisam mais ser “fabricados”. 

Supostamente, isso é o que distinguiria um homem de uma máquina. A destruição dessa fronteira é a grande ameaça dos Nexus 8 para a humanidade – ou o “último truque de Tyrrel”, como exclama o demiurgo Wallace.

Mulheres empoderadas

Não é à toa que os personagens femininos são centrais em Blade Runner 2049. Elas estão “empoderadas”, seja para o mal (Joshi e Luv, Sylvia Hoeks – a assistente assassina de Wallace), seja para o bem (Rachael, a Eva dos replicantes).

Cada uma delas tem seus motivos para acabar com essa “aberração” evolutiva: Joshi, por uma mera questão de manutenção da ordem – máquinas devem ser diferentes de humanos.

 

Enquanto para Luv, há uma questão mais metafísica: como um Arconte (na mitologia gnóstica aquele que administra a criação do Demiurgo), ela precisa encontrar o primeiro filho nascido do casal primordial (Deckard/Rachael) para que Wallace tente compreender esse “truque” de Tyrrell: como é possível uma coisa que foi “fabricada” adquirir a capacidade de “emanar”?

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

10 Comentários

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  1. O filme é chato. Um amontoado

    O filme é chato. Um amontoado de um monte de “já vi isso antes”, a começar pela namoradinha holograma. Parece cópia da mulher holograma do filme O sexto dia, com Schwarzenegger. A mulher holograma de O sexto dia faz mais sentido, porque faz parte do pacote uma cadeira especial destinada a provocar estímulos físicos no usuário.  Também há algo do filme Ela, com Joaquin Phoenix e a voz de Scarlett Johansson. O cientista cego e sua assistente andróide parecem uma daquelas duplas de vilão e capanga de vilão de filmes antigos do 007. E o finlazinho é bem fofo, bem piegas. Por aí vai.

      1. Blade Runner 2049 está para

        Blade Runner 2049 está para Blade Runner original assim como 2010, o ano que faremos contato está para 2001, uma odisseia no espaço… Dificilmente terei paciência para ver de novo.

  2. eu assisti o filme e vou

    eu assisti o filme e vou discordar da analise feita em alguns aspectos. no filme de 1982 houve um casal de replicantes ou  uma replicante e um humano que deixou uma descendencia. o novo criador de replicantes descobriu que o que levou o antigo proprietario a falencia foi justmente o fato de impedir ou nao ter descoberto a tempo que replicantes poderiam ter filhos e agirem como humanos. é muito significativo no filme que a primeira replicante criada é logo em seguida esfaqueada na região do abdomem. supostamente a região feminina que gera descendencia, afeta os orgãos internos e deixaria a replicante mutilada??

    eu nao concordo que as mulheres  são retratadas como poderosos no filme. uma é virtual, mas está apaixonada pelo o policial que nao tem certeza de sua origem, nao sabe se é replicante ou humano. a mulher para se tornar uma possiblidade  para o homem  por quem está apaixanoda depende do corpo de uma outra que é humana e sabe que apenas presta um serviço a outra virtual ?? a humana sente solidão pois nem pode ser ela mesma no contato com o outro masculino e nem pode realizar fantasia romanticas pois sofre concorrencia com quem é apenas miragem? dá a impressão que  as mulheres poderosoas no filme são miragens de algo que pode vir a ser real. é significtivo o quanto no filme existem  imagens femininas geradas por meios tecnológicos. parece que o processo de fragmentar é o que mantem a ordem e poder  numa sociedade tensa que pode sofrer uma  nova rebelião dos que não são considerados humanos a qualquer momento. fragmentar criação, memoria e identidade… fragmentar humanos e não humanos num jogo que quem dá as cartas são os que conhecem fatos.

    esse fato me leva a uma novela escrita por Guy de Maupassant no século XIX e que tem por titulo em portugues “A Inconstante” . nesta novela  ele retrata uma senhora da burguesia francesa que tem aversão a relacionamentos, mas chama a atenção de todos por seu charme, carisma e roupas impecaveis. apesar de ser rodeada por pretendentes, logo se cansa deles e se entrega  a intensa  vida social de Paris daqueles dias, nos salões frequentados  por  condessas e baronesas .  estamos diante de impossiblidades.

  3. O filme é ótimo. A exemplo da

    O filme é ótimo. A exemplo da Rita, também não senti como determinante o empoderamento das mulheres no filme. Principalmente porque a vilã do filme, a que se presta ao trabalho sujo, é uma mulher. Mais ou menos como Margareth Tatcher e a imposição do neo liberalismo, que no poder foi mais “macha” do que qualquer machista ao destruir direitos que atingiram diretamente o que nós, mulheres, temos como uma parte essencial de nossas vidas, nossos filhos, seu bem estar e o seu futuro. Thatcher esteve para as corporações financeiras como Luv está para Wallace, uma executora de ordens, desprezando e matando uma parte da persona feminina: o arquétipo da grande mãe, da metade da humanidade que tem o poder de dar a vida, não de espolia-la, de tirá-la. Essa mulher que no poder despreza Atena, Minerva, Afrodite e Ceres para ser apenas o exagero de Diana, transformando-se no arquétipo masculino de Ares. Na luta por um mundo melhor o empoderamento que desejamos não é o do poder pelo poder, é o poder com sensibilidade e respeito a vida. 

    Pra mim a reflexão mais importante  do filme  é o quanto o ser humano, em prol do prazer, esta deixando de lado o essencial na vida e nos relacionamentos que é o amor. O vazio e o solidão que substitui os relacionamentos humanos pelo relacionamento virtual. É o amor à vida, o respeito a vida e ao outro que nos dá uma alma. E os dois filmes Blade Runner são enfáticos ao defender essa posição: os replicantes sem direito a vida salvam o humano Deckard, em nome do amor a vida. Como deixamos de valorizar o fato de estarmos vivos e o quanto a humanidade atual, em nome da tecnologia, está desaprendendo os preceitos essenciais humanitários que antigas civilizações e os períodos históricos clássico e moderno nos legaram e aonde vão nos levar.

    Um outro aspecto importantissimo do filme é a questão ecológica. Toda a estética dos dois Blade Runner é dirigida a criação do que se transformaria nossa planeta destruido pelo desrespeito a natureza e o desconforto de sua visão trazendo de volta novamente a questão do amor a vida: desta vez a vida do planeta. E é simbólica a imagem da arvore onde esta sepultada a replicante capaz de criar a vida.

    PS. Senti falta dos moralistas na porta do cinema. Afinal o filme tem cenas de nudez e classificação etária de 14 anos. E  a mente doentia desses malucos que andam perseguindo exposições artísticas poderia entender que o diferente/replicante poderia ser o LGBT que eles perseguem. 

    Mas é fácil entender a não presença dos moralistas na porta do cinema: 1 – o filme é americano e tudo o que é americano é bom (e nesse caso é bom mesmo) e 2 – eles não tem capacidade intelectual de apreciar um filme como Blade Runner onde a essencia é o amor ao outro.

    1. foi o que eu senti também..

      foi o que eu senti também.. as mulheres do filme  que voce citou prestam trabalho para corporações que tem interesses diferentes de humanos ou replicantes. o que fazem é a  opressão.  não é libertário. empoderamento feminino hoje em dia significa seguir regras corporativas para supostamente fortalecer a consciência coletiva feminina… eu prefiro pensar em outra impossibilidade. enquanto isso os patrões agradecem… uma mão de obra dócil e mais barata.

  4. levo mais a sério quando dispensarmos empoderamentos

    “narrativa”, “empoderar”, “empoderamento”, palavras que não são apenas anglicismos, mas pobreza de vocabulário (e de pensamento), desejo de acompanhar a moda, ser moderno… Revelamos nosso atraso. O “pop-corn” no cinema-pipoca, a cerveja tomada no bico (quando é na espuma, fazendo largo colarinho que tá o segredo pelo menos pra boa cerveja), o jeitão pseudo-descontraído do bermudão e os desfiles pelos corredores dos shoppings-centers  (todos iguais), a “originalidade” das tatuagens e dos piercings.A multidão reproduzida em série.Diskupa,não me contive.Tenho o disco de Blade-Runner, gosto do filme. Mas a crítica de cinema acabou ( W. Herzog numa entrevista )

    1. Não é pobreza de vocabulário,

      Não é pobreza de vocabulário, é o uso preciso de um termo para designar uma situação. Não importa a origem, o importante é a precisão da palavra.

      1. não me importo com a origem, não tratei disso.

        pobreza de linguagem é quando há outras palavras e expressões na língua e ou desconhecemos ou preferimos usar outra. Tirei sarro dessa preferência em que não vejo precisão nenhuma. Mas a moda é pra se seguir. Calça rasgada num tempo  é coisa mal vista, e noujtro tempo é moda, cai bem, é bonitinho, moderno, a indústria agradece. A mídia, o cinema, a tv usam e influem nessas “precisões”. Que pega facilmente numa Recife (entre tantos exemplos), mas não pega numa Porto Alegre, de maior identidade cultural e certamente a parcela do povo mais alfabetizada. Grato pela observação.

  5. É um bom filme

    Eu acho que as mulheres estão empoderadas, mas não como muitas outras gostariam. Joi está apaixonado, sim, mas é um holograma que não deve sentir nada. Rachel desde o começo era um replicante, e o fato de ela ter filhos faz um avanço para eles. Eu achei a história muito interessante. O filme de Blade Runner 2049 foi um dos mehores filmes de ficção científica que foi lançado. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. No elenco vemos Ryan Gosling e Harrison Ford, dois dos atores mais reconhecidos de Hollywood que fazem uma grande atuação neste filme. Realmente a recomendo.

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