Um domingo de Outubro

 

 

Eu ja não me lembro mais do dia em que eu assiti pela primeira e, salvo engano, unica vez o filme “The Doors”. Não me lembro se era dia ou noite. Mas é mais provavel que seja de madugada, pois eram nas madrugadas dos desempregados que eu gastava minha adolescencia. Mesmo não conseguindo me lembrar do dia, com certeza eu consigo me lembrar das experiencias que as viagens verbos-acidos-psicologicas de Mr. Morrison e cia. deixaram em minha alma.

Foi uma completa revolução na minha limitada, porém sonhadora cabeça de jovem espinhento. Eu vi aquele galã cabeludo e me apaixonei. Me apaixonei pela sua visão de vida, me apaixonei pela sua voz grave e potente, me apaixonei pela sua ousadia e rebeldia, me apaixonei pelo jeito de como ele conquistava as garotas (e isso para um jovem gordinho e espinhento significa muito, pois não era nada facil de faze-lo), até mesmo me apaixonei pelos seus óculos ray-ban. E como todo apaixonado, eu comecei a idolatrar o objeto de minha paixão. Escrevi poemas e odes ao “Lizard King”. Comprei camisetas e óculos ray-bans falsificados para tentar, através da similarização, obter um pouco do “mojo” que o deus Morrison exaláva. Escutei as músicas seguidas e seguidas vezes procurando entender o significado atrás do significado. Porque afinal: O que aquele cara estava querendo me dizer?

“Break on through to the other side”, essa frase ecoa dentro do meu cérebro assim como um mantra budista deve ecoar na cabeça de um monge tibetano. Se eu ousasse traduzí-la para o portugues, acho que soaria como uma mistura de uma invasão do Bope no morro do Alemão (ao melhor estilo pé na porta, soco na cara e gritos de “perdeu playboy”!) com Ghost, do outro lado da vida (com a Luz Branca vindo do céu e nos chamando ao paraiso). Assim eu penso que soaria essa frase em portugues. Claro que essa não é uma aproximação nem um pouco exata, então que me desculpem os não-anglofonos mas eu fiz o meu melhor, se precisarem de ajuda peçam ao seu professor de ingles.

Esse refrão mistico, junto com a idéia de que J.M. era um xamã, alimentaram minha imaginação e me deram asas para sair da minha vida mediana e voar aos confins do espirito humano. “Adentrar as portas da percepção” disse ele citando Blake, ou Milton, eu já não sei mais. E foi exatamente isso o que eu fiz. Passei porta adentro, invadi o meu subconsciente e procurei compreender meu ser. Escrutinei minha alma em busca da centelha divina, dos cantos dos antigos indios que dizem que o universo é uma coisa só e que o amor é o sentimento maximo. Li os textos sagrados em busca de conhecimento e iluminação. Tudo isso tendo como trilha sonora as musicas dos Door’s. Não sei se fiquei mais sabio, ou mais proximo do Nirvana (o do Buda, não o do Cobain), o que eu sei é que os anos passaram e eu ainda carrego no espirito as marcas dessa viagem e posso dizer que nada foi em vão.

 

 

Depois de um tempo outras preocupações e outras musicas tomaram o lugar que eu guardava para adoração do Mestre. Somente voltei a pensar nisso neste domingo, dia vinte e quatro de outubro de dois mil e dez quando eu fui visitar o cemitério Père Lachaise em Paris.

Foi um domingo frio e umido bem tipico do outono europeu. Na verdade os planos eram de fazer uma caminhada em uma cidade perto da minha casa, mas devido a distancia e a nossa preguiça de levantar cedo em um dia como aquele, acabaram fazendo com que mudassemos os planos. Eu ja havia enchido o saco da Suz (ela não é muito fã de rock, mas ninguém é perfeito) para irmos e da ultima vez que tentamos, chegamos muito tarde e demos com a porta na cara. Só que dessa vez tinhamos bastante tempo e conheciamos mais as infinitas linhas de transporte da Cidade Luz.

Pegamos o trem em direção à estação Paris-Montparnasse e de la pegamos a linha seis com direção à La Nation. Depois, mais uma mudança para a linha dois direção Porte de la Chapelle. Finalmente, apos uma hora de sobe-e-desce/muda-de-linha descemos na estação Père Lachaise onde fica a entrada principal do cemitério. Em meu coração eu tinha a expectativa de quem vai visitar pela primeira vez o Egito para ver as Piramides ou de que vai à India ver o Taj-Mahal. Ou seja, aguardava um monumento enorme e opulento como aqueles que se erguem para deuses e princesas ricas e maravilhosas. Digno do meu deus particular à quem um dia eu ja enviei minhas preces.

Apos uma pequena perda de tempo tentando nos localizarmos no mapa, seguimos em procissão ao local indicado no mapa. Bolinha preta (que indica a tumba de uma celebridade) numero trinta, Rue de la Division Cinq. Devo dizer que não foi nada f’ácil. Aquele lugar é uma verdadeira cidade, cheio de ruas, avenidas e rotatórias. Depois de um tempo nos perdendo entre os túmulos, eu vi uma pequena movimentação de pessoas por ali e me dirigi para pedir maiores informações. Qual meu espanto quando, por sorte ou pelo destino, me vi de frente ao singelo e discreto tumulo de James Douglas Morrison.

Encoberto por uma outra tumba, que mais parece uma pequena casa e cercado por outras de igual tamanho, o lugar de descanso de Jim Morrison é simples e mal localizado. Defendido por grades que chegam à altura da cintura, está adornado por algumas flores, uns discos e desenhos que os fãs eventualmente deixam por ali. Não ha um monumento, nem estatua. Tão pouco multidões de pessoas que fazem filas para tocar a pedra fria de marmore para pedir proteção e sorte. Estavam lá somente uns turistas gaiatos que conseguem coordenar o pontinho no mapa com as placas de direção, a Suz e eu. Uns três jovens fumavam um cigarro e trocavam umas palavras. Não entendi o que diziam, mas eu vi na expressão de suas faces que por dentro se passava um filminho. Acho que o mesmo filminho que, a muitos anos atrás, me fez fazer uma peregrinação espiritual e que me levou até o Père Lachaise num domingo frio e molhado para ver Jim Morrison.

 

 

Não deixei nenhuma lembrança ou flor. Eu queria, mas como eu acabei de mudar de pais, tudo de especial que eu tenho ficou no Brasil e por isso o tumulo ficou sem nenhum souvenir meu. Pelo contrario, eu é que fiquei com um souvenir de lá. Minha alma guarda a imagem daquele lugar escondido onde eu me encontrei com o Lagarto Rei e mais uma vez pude “atravessar para o outro lado”.

 

 

 

 

 

 

 

Redação

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