Economistas rejeitam intervenção de Bolsonaro no IBGE, por Carlos Tautz

“As recentes notícias sobre a forma como vêm sendo conduzidas as discussões sobre a realização do Censo colocam em risco o cumprimento de suas funções básicas, que contribuem decisivamente para promover os valores democráticos e o processo de desenvolvimento econômico“

Economistas rejeitam intervenção de Bolsonaro no IBGE e exigem realização de censo independente

por Carlos Tautz

em seu blog

A nomeação de um consultor externo ao IBGE, por Jair Bolsonaro, o ocupante da Presidência da República, para apresentar uma alternativa supostamente mais barata à realização do censo 2020, é rejeitada pelo corpo técnico do Instituto e por economistas independentes. A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED), lançada há menos de um mês, divulgou manifesto contrário à medida. “As recentes notícias sobre a forma como vêm sendo conduzidas as discussões sobre a realização do Censo colocam em risco o cumprimento de suas funções básicas, que contribuem decisivamente para promover os valores democráticos e o processo de desenvolvimento econômico“, avalia a ABED.

Segundo a ABED, “a situação tornou-se mais delicada diante da exoneração de dois diretores e a nomeação de um diretor externo à casa, sem experiência em operação censitária, com a missão de reelaboração de várias etapas do processo que já eram consideradas finalizadas. Uma remodelagem do questionário e/ou do planejamento da coleta, nessas circunstâncias, a poucos meses da sua realização, podem comprometer decisivamente a qualidade e o cronograma da pesquisa, colocando em risco seu resultado final e a autonomia do Instituto”.

“A recente declaração de que será realizado um Censo digital em nome da modernidade ignora a experiência já implementada em 2010, que não atingiu os resultados esperados. Esta iniciativa demonstrou que o Censo 2010, realizado por recenseadores, se mostrou um dos mais baratos do mundo, enquanto a parcela realizada pela internet revelou-se mais cara e menos consistente”, continua.

Após o cartaz, a nota da ABED na íntegra:

Nota da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia

EM DEFESA DO CENSO 2020

A Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) manifesta seu apoio à realização íntegra do Censo Demográfico de 2020. As recentes notícias sobre a forma como vêm sendo conduzidas as discussões sobre a realização do Censo colocam em risco o cumprimento de suas funções básicas, que contribuem decisivamente para promover os valores democráticos e o processo de desenvolvimento econômico. A ABED, calcada no propósito de defesa destes valores, vê com preocupação este processo, notadamente no que se refere à interferência junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pode levantar dúvidas na sociedade sobre a necessária autonomia técnica da instituição para implementação deste crucial projeto.

À exemplo do que ocorre em todos os países desenvolvidos, é de entendimento amplo que as sociedades democráticas não prescindem de instituições estatísticas fortes, com autonomia técnica e alto grau de transparência na elaboração e na realização de suas pesquisas, em consonância com as demandas da sociedade. O IBGE conta com quadro técnico próprio altamente qualificado e experiente para a condução do Censo e das demais pesquisas possuindo amplo reconhecimento internacional da qualidade de seu trabalho.

Do ponto de vista estritamente econômico, nota-se uma preocupação quase exclusiva com a questão dos custos do projeto dada a situação fiscal. A análise econômica completa, entretanto, não pode excluir o dimensionamento dos benefícios do projeto. É evidente que o corpo técnico do IBGE já havia analisado diversas alternativas no intuito de reduzir ao máximo os custos do levantamento do censo, entretanto, tendo o cuidado de não comprometer a qualidade das informações. Neste sentido são bastante duvidosas as propostas colocadas no debate público de redução de amostra, da remuneração do recenseador e do tempo de treinamento que representam economias de custo em escalas muito reduzidas ou que põem em xeque a qualidade das estatísticas, especialmente quando comparados aos potenciais benefícios e levados em conta os custos fixos da realização de uma operação de grande porte como esta.

A nomeação de um consultor externo ao Instituto, com a atribuição de apresentar um questionário alternativo, estranho ao desenvolvido pelo corpo técnico da casa, expôs o caráter de intervenção e quebra de autonomia técnica. A recente declaração de que será realizado um Censo digital em nome da modernidade ignora a experiência já implementada em 2010, que não atingiu os resultados esperados. Esta iniciativa demonstrou que o Censo 2010, realizado por recenseadores, se mostrou um dos mais baratos do mundo, enquanto a parcela realizada pela internet revelou-se mais cara e menos consistente.

Mudanças estruturais numa operação censitária demandam anos de investimento, planejamento e testes. No Reino Unido, por exemplo, que busca produzir os dados do Censo 2021 por meio de registros administrativos, foi estabelecida uma etapa de comparação destes dados com aqueles coletados no Censo tradicional para verificar sua confiabilidade. Apenas a partir de resultados positivos é que o levantamento censitário será substituído pelos registros. Vale pontuar que para desenvolver este trabalho, foi criada uma gerência que vem desenvolvendo tais estudos há quatro anos, com importante aporte de recursos, e que aquele país conta com bases de registros bastante sofisticadas e interconectadas, situação diferente da brasileira.

O Censo é, por sua natureza, um projeto de maturação de longo prazo, que tem na operação censitária a sua fase mais intensa, mas precedida por um extenso e cuidadoso planejamento, desde a concepção do questionário em diálogo com a sociedade, realização de testes e pilotos, estruturação de sistemas, até a divulgação efetiva dos seus resultados. A situação tornou-se mais delicada diante da exoneração de dois diretores e a nomeação de um diretor externo à casa, sem experiência em operação censitária, com a missão de reelaboração de várias etapas do processo que já eram consideradas finalizadas. Uma remodelagem do questionário e/ou do planejamento da coleta, nessas circunstâncias, a poucos meses da sua realização, podem comprometer decisivamente a qualidade e o cronograma da pesquisa, colocando em risco seu resultado final e a autonomia do Instituto.

A ABED manifesta assim seu apoio à realização plena do Censo, garantindo a autonomia técnica para sua implementação, de forma a se aumentar a eficiência na aplicação dos recursos públicos, aperfeiçoar as políticas públicas e tornar conhecida a realidade do país e dos seus cidadãos”.

Redação

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