Sobre o livro ‘O que é darwinismo’ (2019), por Felipe A. P. L. Costa
1.
Poucos assuntos científicos rivalizam com a evolução em termos do grau de interesse que despertam entre leitores e o público em geral. É compreensível, portanto, que a literatura sobre o assunto seja das mais expressivas.
Muita gente gosta de palpitar, incluindo repórteres e escritores, em especial quando se está a discutir a evolução humana – e.g., quem somos nós?, de onde viemos?, para onde vamos?
Até aí, nada demais.
Afinal, a diversidade autoral é sempre bem-vinda.
O que em geral preocupa é a superficialidade, o sensacionalismo e a proliferação de erros e mal-entendidos conceituais.
Não é à toa que tantos leitores (sobretudo os mais jovens ou aqueles que não têm acesso à literatura técnica) vejam a biologia evolutiva como uma babel – um lugar onde todos falam, mas ninguém se entende. E isso não é verdade.
2.
A teoria da evolução por seleção natural – talvez a mais influente de todas as teorias científicas – foi inicialmente proposta pelos naturalistas britânicos Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913). Isso foi em 1858.
Separadamente, cada um deles havia formulado uma versão própria da teoria. Foi uma coincidência e tanto, não há dúvida, a ponto de ilustrar o que filósofos e historiadores da ciência chamam de descoberta (ou invenção) simultânea.
Mas não foi uma coincidência absurda…
Em 1855, Wallace já havia publicado um primeiro artigo sobre transmutação. Darwin leu esse artigo. Curiosamente, porém, não parece ter visto ali qualquer indício de que o jovem naturalista estivesse a trilhar o mesmo caminho que ele.
Wallace conhecia e admirava as obras do seu colega. E mais: ele sabia – Darwin havia lhe dito em carta – que o veterano naturalista preparava um livro sobre a transmutação e a origem da diversidade.
3.
Evolução, seleção natural e darwinismo não são sinônimos e, portanto, não devem ser confundidos entre si. Um dos objetivos deste livro é definir e caracterizar cada um destes termos. Paralelamente, o livro traça um esboço da história do darwinismo, ressaltando os aspectos mais notáveis de cada um dos seus principais períodos – o darwinismo primordial, o neodarwinismo e a síntese evolutiva.
4.
A ideia de escrever um livro introdutório sobre o darwinismo me veio à cabeça pela primeira vez em 1987.
Naquele ano, a editora Brasiliense havia publicado um volume sobre o assunto dentro de uma coleção chamada Primeiros Passos. (Muitos títulos ainda constam do catálogo da editora.)
Pequenos (112 x 152 mm; 70-90 páginas) e de leitura fácil e rápida, esses livrinhos se tornaram um sucesso comercial. (Outras editoras seguiram o exemplo, inundando o mercado com coleções similares.)
Dimensões reduzidas implicam em textos curtos, o que em geral resulta em conteúdos condensados ou rarefeitos e em abordagens superficiais. (Mas não faltam enfeites, como uma capa multicolorida e uma linguagem caricata.) O leitor pode se espantar com a facilidade e a rapidez da leitura, mas eu temo que estas sejam as únicas lembranças que muitos de nós guardamos desses livros de bolso.
O volume sobre darwinismo é de autoria de Nélio Marco (leia-se Nélio Bizzo), na época um estudante de pós-graduação da USP, hoje um renomado professor daquela instituição.
Li o livro assim que foi publicado. Detestei. (Suspeito que o autor tenha hoje uma opinião parecida.) Não bastassem os erros e mal-entendidos conceituais, o texto é rico em clichês vagos e inoportunos – coisas do tipo “[O] mecanismo da seleção natural reproduzia os elementos essenciais da sociedade inglesa” (p. 56) ou “O darwinismo não andou de mãos dadas com o capitalismo apenas na época de sua implantação. Esteve junto à burguesia liberal onde quer que ela estivesse. Como cão fiel, não a abandonava nem nos piores momentos de crise” (p. 66) [2].
Ainda em 1987, certo de que o assunto merecia uma análise mais séria, enviei uma primeira carta à editora. Indaguei sobre a possibilidade de uma segunda versão. (Alguns tópicos mais quentes transbordavam, sendo então contemplados com uma 2ª versão.)
Em resposta, recebi primeiro um “Não, muito obrigado”, mas logo em seguida veio um “Sim, gostaríamos de conhecer o seu ponto de vista”.
A segunda carta me pegou desprevenido…
Embora pudesse falar sobre as minhas objeções ao volume publicado, apontando erros e mal-entendidos em quase todas as páginas, eu não tinha nenhuma alternativa concreta a oferecer.
Afazeres mais urgentes se impuseram e eu não fui capaz de colocar as minhas ideias no papel. Não produzi sequer um esboço.
Deixei o projeto de lado, mas não o abandonei.
(Tornei a fazer contato com a editora em 1994 e 1995. Mas o motivo ali já era outro.)
5.
Em 2011, com um manuscrito concluído, contatei uma editora. (Ainda seria um livro introdutório sobre o darwinismo, mas o conteúdo já estava bem além dos limites da coleção Primeiros Passos.)
Eles se interessaram e chegaram a enviar um contrato. Mas surgiram divergências (editoriais e financeiras) e o empreendimento foi abortado. (Na época, a editora Brasiliense já estava sendo negociada. Logo foi vendida, deixando de ser a empresa familiar que era. Não sei quem são os proprietários atuais nem tenho qualquer tipo de contato com eles.)
Em meados de 2017, retomei o projeto. Trabalhei em diferentes versões nos últimos meses. (A maior dificuldade talvez tenha sido achar os ingredientes certos. Escrevi e reescrevi o texto na esperança de torná-lo acessível, sem descambar para o caricato ou o infantilismo.)
Cheguei a imaginar que poderia concluir e lançar a obra em 2018 – ver artigo ‘O ciclo de vida das teorias’. Não consegui. O empreendimento demorou mais do que eu previa. (Poderia continuar a limpar e corrigir o texto indefinidamente, mas optei pela sanidade e decidi parar. Fechei o texto em 28 de abril.)
O livro está no forno. As caixas com os exemplares deverão chegar da gráfica no meio da próxima semana (primeira semana de junho).
Espero ter chegado a um meio-termo digno da atenção do leitor.
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