Bielorrússia no xadrez da geopolítica: aumenta o cerco contra a Rússia, por Ruben Rosenthal

Há 27 anos no poder, ele é chamado pela mídia corporativa do Ocidente de o “último ditador da Europa”. No entanto, ao contrário do brasileiro, Lukashenko vem procurando garantir a soberania do país e proporcionar condições de vida satisfatórias à população.

Xadrez da geopolítica Rússia-Estados Unidos \ Foto: Relatório Rand Corporation

do Blog Chacoalhando

Bielorrússia no xadrez da geopolítica: aumenta o cerco contra a Rússia

por Ruben Rosenthal

A queda da Bielorrússia colocaria um regime simpático à OTAN a cerca de 450 km de Moscou.

O presidente Aleksandr Lukashenko pertence ao pequeno clube de governantes, do qual Jair Bolsonaro faz parte, que atuaram como negacionistas da pandemia de Covid-19. O bielorrusso declarou em abril de 2020 que vodka e sauna previnem a Covid-19. Há 27 anos no poder, ele é chamado pela mídia corporativa do Ocidente de o “último ditador da Europa”. No entanto, ao contrário do brasileiro, Lukashenko vem procurando garantir a soberania do país e proporcionar condições de vida satisfatórias à população.

Sua vitória na eleição presidencial de agosto de 2020 para um sexto mandato levou a denúncias de fraude e ao estabelecimento de sanções econômicas contra o país. As críticas aumentaram em maio de 2021, quando um avião da empresa irlandesa Ryanair foi forçado a descer no aeroporto da capital Minsk para que fosse detido o jornalista Roman Protasevich.

Desde então, o regime de Lukashenko vem enfrentando o acirramento dos protestos de setores da população e o aumento das sanções externas. O que a mídia ocidental vem omitindo, é que Protasevich era mais que um jornalista apenas empenhado na defesa dos direitos humanos. Ele já atuara como combatente no Batalhão Azov, a milícia neonazista ucraniana, contra os separatistas pró-Rússia da região do Donbas. E atualmente Roman é um ativista político engajado na derrubada do regime.

Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, denunciou em 15 de julho a prisão de opositores do governo bielorrusso, bem como invasões de escritórios de ONGs, de associações de jornalistas e de movimentos de oposição.

Para a Rússia, a desestabilização do país vizinho traz problemas de segurança, e poderia exacerbar as já difíceis relações com o Ocidente, avalia Ivan Timofeev, analista do think tank russo, Valdai Club.

No xadrez da geopolítica da Europa Oriental, as peças representadas pela Ucrânia e pela Moldávia já foram perdidas pela Rússia através de ações de guerra híbrida orquestradas principalmente por Washington e Londres. A queda da Bielorrússia colocaria um regime simpático à OTAN a cerca de 450 km de Moscou.

Qual é a história que a mídia não divulga sobre os protestos que nos últimos 12 meses vêm desestabilizando o país, e que levaram às recentes ações repressivas contra opositores, condenadas veementemente por Bachelet? E como a Rússia irá reagir se o Ocidente impuser uma revolução colorida para depor Lukashenko?

A integração da Bielorrússia com a Rússia

A Bielorrúsia era uma das 15 repúblicas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, extinta em 1991. No poder desde 1994, Lukashenko tinha um pacto não explicitado com a população, em que esta usufruía de um estado de bem-estar social, enquanto abria mão de uma democracia no estilo ocidental.

Desde 1999, portanto oito anos após o fim da URSS, o país está envolvido em difíceis negociações com a Rússia visando uma ampla integração dos dois países, formando a União de Estados. Na ocasião da assinatura do tratado de intenções, Lukashenko já estava na presidência, enquanto Putin era o primeiro-ministro russo, em vias de assumir a presidência, em substituição a Boris Iéltsin.

De acordo com o relato da agência Tass, a criação de uma União de Estados entre a Federação Russa e República da Bielorrússia implica no estabelecimento de estruturas supranacionais, incluindo o parlamento bicameral, uma Constituição, corte de justiça, câmara de arbitragem, além de moeda única, sistemas energéticos unificados, sistema único de impostos e compatibilidade das políticas de comércio e aduaneiras.

Lukashenko vem procurando preservar os interesses e a soberania da Bielorrússia nas duras negociações com a Rússia. No início de 2021, permaneciam ainda cerca de 6 ou 7 questões a resolver, segundo a Tass.

Dentre as demandas de Minsk ainda pendentes de aceitação por Moscou estão preços mais baixos para o gás russo, compensações por perdas e a remoção de restrições a produtos da Bielorrússia.

Em outro artigo, Timofeev avalia que as sanções impostas pelo Ocidente podem enfraquecer a posição da Bielorrússia, forçando-a a fazer concessões nas negociações atuais, em troca de um apoio emergencial de Putin. No entanto, até o momento, Lukashenko vem mantendo suas condições para ir adiante com a integração, pelo menos nas declarações públicas.

O início da guerra híbrida contra a Bielorrússia

Um relatório de 2019 da Corporação Rand, um think tank financiado em grande parte pelas forças armadas norte-americanas, analisa as vantagens geopolíticas e ideológicas de se tentar “promover a mudança de regime na Bielorrússia”, dando apoio à oposição. Entretanto, o relatório menciona também que a população estaria menos interessada em liberdade do que em melhores condições vida.

O relatório cita uma pesquisa independente conduzida em 2015, que revelou que 70% dos entrevistados não queriam uma revolução no estilo da que havia ocorrido na Ucrânia em 2014. E que 78% não querem que ocorra derramamento de sangue no país.

Para os analistas da Rand, mesmo que as tentativas de se mudar o regime falhassem, haveria ganhos políticos por forçar Moscou a se sobrecarregar ao “empregar recursos – inclusive militares – para preservar sua posição na Bielorrússia. Os EUA e seus aliados europeus responderiam, então, com o endurecimento das sanções”. No entanto, “haveria o risco de ocorrer a deterioração geral do ambiente de segurança na Europa, o que representaria um revés para a política dos EUA”, avalia o relatório.

Segundo relato no Covert Action Magazine, interferências do Ocidente em questões internas da Bielorrússia vem ocorrendo desde 2016.  Um dos recipientes dos financiamentos para desestabilizar o regime bielorrusso foi o canal de televisão Belsat, baseado na Polônia.

Tanto a Polônia como a Lituânia são favoráveis à presença de tanques dos EUA no leste Europeu, posição que não é compartilhada pela Bielorrússia. Segundo Andrey Sushentsov, analista do Valdai Club, a competição estratégica entre a OTAN e a OTSC, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, levaria ao aumento – indesejável para Minsk – da presença militar russa na região, e à escalada de tensões.

Sushentov avalia que a crise econômica de 2014 e a queda do preço do petróleo afetaram fortemente a economia Bielorrússia, dependente do mercado russo. Neste contexto de taxas de crescimento baixas, ou mesmo negativas, diminuiu o apoio ao governo, com a queda no padrão de vida da população.

A oposição liberal aproveitou para contestar a estratégia de promover a integração com a Rússia, acusando ainda o governo de fazer concessões a Moscou em troca de apoio na crise econômica e política. Este era o clima interno do país em 2020, ano eleitoral

As eleições presidenciais de agosto de 2020

Durante a campanha, a liderança bielorrussa teria cometido um erro político, segundo sustenta Sushentsov em outro artigo, ao adotar a narrativa de que o país se encontrava sitiado pela Rússia.

Em um confuso incidente ocorrido poucas semanas antes das eleições, 33 russos – supostamente mercenários – foram detidos nas proximidades da capital Minsk. Dentre as muitas versões difundidas, incluía-se a de que o grupo pretendia fazer atos de provocação com o intuito de causar tumultos em massa.

Por alguns dias, o presidente fez uso de retórica anti-russa, para depois retomar o tradicional discurso da amizade entre os dois países. No entanto, Lukashenko pode ter contribuído para causar desorientação em seus eleitores, avalia Sushentsov. Os resultados das eleições de agosto, que indicaram a vitória de Lukashenko para um sexto mandato, foram contestados no Ocidente.

A candidata da oposição, Svetlana Tsikhanouskaya, buscou refúgio na Lituânia, na sequência da repressão aos manifestantes que protestaram contra o que alegam terem sido eleições fraudulentas. Tsikhanouskaya concorrera à presidência em substituição a seu marido, Sergei, que fora impedido de se candidatar e se encontra preso.

protests against Lukashenko after the presidential elections of August 2020
Protestos contra Lukashenko em Minsk, setembro de 2020 \ Foto: AFP

Em abril de 2021, os EUA aplicaram sanções a nove empresas estatais, enquanto Tikhanovskaya conclamou o congresso norte-americano a apoiar organizações da sociedade civil e veículos de mídia de oposição.

A pegadinha que expôs as ações subversivas de Washington

Duas pessoas brincalhonas enganaram altos funcionários da National Endowment for Democracy (NED), órgão do governo norte-americano ligado a CIA, que financia atividades visando mudança de regime em países-alvo.

A coordenadora sênior da NED para a Europa, Nina Ognianova, e o presidente da instituição, Carl Gershman, foram enganados e levados a pensar que estavam conversando ao telefone com a líder oposicionista Svetlana Tsikhanouskaya (acesse o vídeo com a gravação).

Nas conversas que ocorreram em 17 de maio deste ano, ambos falaram abertamente do envolvimento da NED no financiamento e treinamento da oposição bielorrussa. Mencionaram também os apoios dados a sindicatos independentes, jornalistas, e as relações estabelecidas com o setor privado. Mais detalhes da pegadinha são apresentados no artigo de Ben Norton, no The Grayzone.

O desvio do voo 4978 da Ryanair

Em 23 de maio, um avião da empresa irlandesa Ryanair, ao sobrevoar o espaço aéreo da Bielorrússia, foi desviado de sua rota e forçado a pousar em Minsk, quando então foram detidos o jornalista Roman Protasevich e sua namorada. A aeronave estava no trajeto de Atenas para Vilnius, na Lituânia, base do governo paralelo de Tikhanovskaya.

aircraft with Protasevich diverted to Minsk
Rota do avião com Protasevich desviado para Minsk \ Arte editada: BBC 

Embora a detenção de Protasevich tenha sido discricionária, por outro lado pode-se argumentar que não foram realmente violadas normas internacionais.

O desvio do curso do voo e a prisão de Protasevich receberam o repúdio unânime da mídia do Ocidente, cuja memória seletiva convenientemente se esqueceu de mencionar um precedente bem mais sério, que realmente violou normas internacionais.

Em 2013, o avião que conduzia o presidente boliviano Evo Moralez de Moscou a La Paz fora proibido de sobrevoar o espaço aéreo de vários países europeus, e teve que permanecer por horas no aeroporto de Viena. A intenção dos países da OTAN era a de capturar Edward Snowden, responsável pelo vazamento de informações secretas da NSA (a Agência Nacional de Segurança norte-americana). No entanto, Snowden não se encontrava a bordo.

Mas quem é realmente Roman Protasevich?

Ele é apresentado na mídia ocidental como um heróico defensor de direitos humanos, atuando contra a brutal ditadura de Lukashenko. Entretanto, no mesmo artigo do The Grayzone, Ben Norton apresenta uma faceta menos conhecida do jornalista.

Protasevich trabalhou na Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade fundada pela CIA, originalmente um veículo de propaganda contra a União Soviética, e agora atuando contra a Rússia.

Do exterior, Protasevich organizou protestos e operações de desestabilização do governo bielorrusso. Ele trabalhou com a Rádio Européia para a Bielorrússia, um veículo de direita financiado pelos governos dos EUA, Polônia, Holanda e Lituânia. Na Polônia, Protasevich operou o canal Nexta, do Telegram.

Envolvimentos anteriores de Protasevich, também expostos no artigo The Grayzone,  mostram que ele não se limitou apenas a atividades de mídia e de propaganda política. Ele participou de operações militares do Batalhão Azov, a notória milícia neonazista ucraniana. Esta participação parece não ter se limitado ao serviço de imprensa da milícia. Um líder do Azov reconheceu publicamente que Roman atuou também como combatente.

Activist Roman Protasevich wearing combat uniform of neo-nazi Azov Batallion
Protasevich em suas atividades extra-jornalismo: no Departamento de Estado, Washington, em abril 2018/usando uniforme com a insígnia neonazista do batalhão Azov/na capa de uma publicação do Azov/com um rifle de assalto \ Fotomontagem: The Grayzone

Diversas fotos mostram Roman em uniforme militar, inclusive portando um rifle. Ele também aparece usando camisas com a suástica neonazista.  Segundo relatado no The Grayzone, o próprio Protasevich admitiu que passou 1 ano lutando contra forças pró-russas na região separatista do Donbas, ao leste da Ucrânia.

As novas sanções contra a Bielorrússia

Em 25 de maio, os líderes dos países da União Européia aprovaram uma resolução demandando a aplicação de novas medidas contra a Bielorrússia. Estas iriam desde sanções contra indivíduos, a medidas capazes de afetar a economia do país.

Outro analista do Valdai Club, Ivan Timofeev, considera que o Ocidente deveria ter o cuidado de não tornar o governo de Minsk muito dependente de Moscou, mas não foi isto que ocorreu, pois duras sanções foram impostas. Talvez tenha prevalecido a visão apresentada no relatório da Rand Corporation, de que haveria ganhos para o Ocidente em forçar Moscou a se desgastar no empenho de apoiar Lukashenko.

Em 21 de junho, os ministros de relações exteriores dos países da União Européia aprovaram em Luxemburgo as novas sanções contra a Bielorrússia. Segundo relato no Deutsche Welle, serão afetados importantes setores da economia, como as exportações de fertilizantes, a indústria do tabaco, produtos petrolíferos e petroquímicos, além do setor financeiro.

Estados Unidos, Canadá e Reino Unido também aplicaram novas sanções. Os EUA congelaram os bens de dezenas de funcionários do governo bielorrusso. Tikhanovskaya aproveitou para pedir pela libertação de presos políticos, inclusive de seu marido Sergei.

As duras sanções irão estimular uma maior integração dos sistemas de pagamento nas transações entre Minsk e Moscou, avalia Timofeev em outro artigo. Mas será provavelmente inevitável a queda no nível de vida dos bielorrussos, com efeito imprevisível na estabilidade do país.

Em face das novas sanções impostas pelo Ocidente, Putin já determinou em 15 de julho que o governo russo ajude a Bielorrússia. Moscou parece disposta a não permitir que o Ocidente tome sua torre de defesa no tabuleiro de xadrez.

Concluindo

A Rússia deverá continuar a garantir a estabilidade da Bielorrússia. E a população do país precisará encontrar formas de resolver seus problemas, sem interferência externa.

O autor é professor aposentado da UENF e responsável pelo blogue Chacoalhando.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador