Evento ressalta a futuros economistas estreita relação entre saúde e desenvolvimento

Carlos Gadelha destacou que os pesquisadores da área da saúde têm “uma missão”: “Somos importantes para a economia”, considerou.

do CEE Fiocruz

Evento ressalta a futuros economistas estreita relação entre saúde e desenvolvimento

por Eliane Bardanachvili

Um convite aos economistas em formação, para que “arejem seu pensamento” e não atuem de forma segmentada nos campos econômico e social, deu o tom da mesa-redonda Saúde e desenvolvimento econômico, realizada em 19/05/2021, na 6ª Semana de Economia das Faculdades de Campinas (Facamp).  A relação endógena – e nunca dicotômica – entre saúde e desenvolvimento econômico foi apresentada aos futuros economistas, pelo coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), Carlos Gadelha, e pela professora titular aposentada do Instituto de Economia da UFRJ e do Instituto de Medicina Social da Uerj Sulamis Dain. O evento, promovido pelo DCE Celso Furtado da Facamp e pelo Centro Acadêmico de Economia Maria da Conceição Tavares, teve mediação do professor de Economia da Facamp Rodrigo Sabbatini, um dos pesquisadores que integram o projeto Desafios para o Sistema Único de Saúde (SUS) no contexto nacional e global de transformações sociais, econômicas e tecnológicas – CEIS 4.0, coordenado por Gadelha.

A professora Sulamis Dain iniciou sua exposição apresentando aos alunos o conceito amplo de saúde, entendida para além de uma visão setorial, como mais do que a ausência de doença, e que está na base das articulações entre política econômica e política social. “É um conceito de saúde mais abrangente, que leva em conta condicionantes sociais e políticos”, definiu, enfatizando que o tema da articulação entre saúde, economia e desenvolvimento remete a Carlos Gadelha “por sua reflexão original, fundadora, seja como teórico dessa discussão, seja como gestor de instituições importantes na condução das políticas derivadas dessa visão”.

Ela fez um retrospecto, lembrando das experiências da Inglaterra, entre 1946 e 1948, e da Suécia, no final dos anos 1930, orientada pela ideia da saúde como investimento social e o gasto em saúde como decisivo, para se alcançar não só uma sociedade mais justa, como um crescimento mais inclusivo e abrangente. “Isso mudou o perfil demográfico na Suécia; a população passou a ter mais filhos, uma vez que uma parte do custo da reprodução era do Estado. Isso é fundador, traz para a discussão a saúde como forma de desenvolvimento e não como gasto perdulário e contrário o equilíbrio fiscal”, observou.

Em relação à Inglaterra, Sulamis referiu-se à “ideia beveridgiana de criar o estado social”, em referência ao Relatório Beveridge,  publicado em 1942, que orientou a fundação do estado de bem-estar social no país e viria a viria a estabelecer as bases do sistema nacional de saúde inglês – National Health System (NHS) – paradigma do SUS brasileiro. “A ideia de saúde com centralidade na sustentação da demanda agregada e do crescimento. Os gastos sociais sustentados como direito de cidadania atenuam os impactos dos ciclos econômicos, mantêm o nível de renda e garantem a qualidade devida, segurança ambiental e alimentar e a saúde como aptidão para a vida”, destacou Sulamis. “Isso é decisivo porque o que se revelou na pandemia de Covid-19 é que países com melhores sistemas de proteção social foram os que melhor enfrentaram a crise”.

Para Sulamis, deixar-se de conceber a política de saúde como “fator de compensação da desigualdade” para entendê-la como “fator intrínseco ao desenvolvimento da sociedade” é um primeiro passo a ser dado. Com base no pensamento de Celso Furtavo, ela enfatizou a defesa do Estado como “agente empreendedor e definidor da orientação do progresso tecnológico” e questionou o crescimento que não conduz à superação do subdesenvolvimento.

A pesquisadora resgatou, ainda, os fundamentos da Reforma Sanitária Brasileira, como uma primeira etapa de uma discussão mais recente que associa saúde e desenvolvimento na agenda pública. “Partindo da ideia de que Estado e capital são inseparáveis, os estudiosos da saúde coletiva começam a se perguntar que Estado deve ser reconstruído e que padrão de desenvolvimento, que relações com o capitalismo devemos ter”.

Assista à integra do debate ‘Saúde e desenvolvimento econômico’

Carlos Gadelha destacou que os pesquisadores da área da saúde têm “uma missão”: “Somos importantes para a economia”, considerou. “O economista tem que entender que não se pode ter a política social em um canto, em um grupo fechado de pesquisa, e, em outro grupo, a economia industrial, da inovação. lsso é um erro! A segmentação do mundo atrapalhou nossa visão de desenvolvimento. E temos que avançar nisso”.

O pesquisador apontou duas abordagens distintas sobre o tema desenvolvimento e saúde. A primeira toma a saúde como algo externo à economia, voltada a combater doenças, como malária, aids, a produzir vacina etc. A segunda vertente, “da qual nos aproximamos mais”, seria a da saúde como qualidade de vida, o sanitarismo entrando, assim, na agenda do desenvolvimento. “Sem combater a desigualdade, a pobreza, a exclusão, o racismo, não teremos um mundo saudável. Aí vem toda a literatura dos determinantes sociais da saúde”, disse, referindo-se ao conceito que entende que os fatores sociais, econômicos, culturais, raciais, psicológicos e comportamentais, entre outros, estão relacionados à saúde, entendida, de acordo com a OMS como “um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”.  

Para Gadelha, essa segunda vertente insere a saúde no campo das políticas sociais, tendo-se “por baixo” uma estrutura econômica a ser alterada. “A saúde é, ao mesmo temo, parte das políticas do estado de bem estar social em uma dada estrutura econômica, e também parte intrínseca da própria estrutura econômica. As características do padrão de desenvolvimento se reproduzem por dentro da saúde; ela é parte endógena, não exógena”, considerou. “E isso a pandemia de Covid-19 deixou claro de modo avassalador”, disse, referindo-se à assimetria global gritante no acesso a vacinas e tratamento.

Nesse sentido, o pesquisador buscou fazer uma provocação aos jovens e futuros economistas: “Que a área social Invada a área da economia industrial e da macroeconomia e vice-versa”, propôs. “Não vamos reproduzir dentro da academia a segmentação do mundo social e do mundo econômico e agora do mundo ambiental. São dimensões interdependentes – o que não impede especializações, na inovação, nas finanças, na macroeconomia”, ressalvou. Para Gadelha, não se pode pensar em política de desenvolvimento sem lidar com uma base produtiva, econômica e de inovação desenvolvida. “A ideia que trago para a juventude é vamos arejar o nosso pensamento, respeitando as vocações, mas discutir o desenvolvimento em uma escala ampliada, em que as fronteiras entre o econômico, o ambiental e o social estão borradas”.

A partir das exposições, o professor Rodrigo Sabatini destacou que “o bom economista é, antes de tudo, um cientista social, com compromisso com a transformação da sociedade”. Ainda que se especialize em determinada área, considerou, deve buscar “compreender o mundo em que vive e influenciar a transformação desse mundo”.

Sulamis Dain afirmou a urgência em se modificar o currículo dos cursos de Economia, nos quais “o espaço dado à discussão da política social é reduzido, se não, inexistente em várias universidades”. Ela citou as posições apresentadas pelo presidente norte-americano Joe Biden, “um novo convertido a essas ideias”, explorando em seu discurso “os enlaces entre bem estar social e dinâmica tecnológica, em todos os setores – na questão climática, na questão industrial, na proteção social, no emprego”.

Ao mencionar a política de saúde dos Estados Unidos, no entanto, a professora buscou contrapô-la à “audácia brasileira” de inserir na Constituição de 1988 um capítulo sobre a Ordem Social, bem como o conceito de Seguridade Social e a ideia de direito primário, aí entendidos o direito à saúde e à proteção social. “Primeiro vem o direito e depois a ideia de como financiá-lo”, explicou, considerando importante trazer essas informações aos estudantes, que já nasceram “com certas coisas naturalizadas”, como a existência do SUS. “Você acaba ignorando o caminho longo percorrido para se chegar a isso”.

Sulamis lembrou, ainda, que, até a Constituição de 1988, somente os trabalhadores formais tinham acesso aos serviços públicos de saúde. “A Constituição acaba com isso, consagrando o direito universal à saúde. a mais audaciosa na já audaciosa visão de Seguridade Social”. Para ela, o Sistema Único de Saúde foi o projeto federativo mais avançado do Brasil, que obteve a maior descentralização e a maior capilaridade, tratando de todos os cidadãos.

Hoje, no entanto, observou a professora, vê-se um progressivo esquartejamento dos três componentes da Seguridade Social – Saúde, Previdência e Assistência –, condenando-se a saúde a buscar recursos para se legitimar. Em meio ao que chamou de “conflitos entre contribuintes e cidadãos, Estado e mercado”, ela destacou os acordos que vieram sendo estabelecidos entre o SUS e o setor privado. “Não teria nada demais, mas não se garantiram os serviços financiados pelo SUS para a cidadania. E houve no Brasil sempre um setor privado competindo com o setor público. Isso é inédito entre os países que optaram por políticas universais de saúde”.

Entendendo a saúde como um tema com o qual a sociedade dialoga de forma próxima, Gadelha trouxe à tona a importância do cruzamento desse tema com o mundo tecnológico e o mundo da inovação. “Em vez de estudar o automóvel, vamos estudar mobilidade. Ou teremos um país com mais automóveis mais poluição e menos mobilidade”, exemplificou, lembrando do sanitarista Sergio Arouca (1941-2003), líder da Reforma Sanitária Brasileira que, como presidente da Fiocruz (1985-1989), criou uma área de Ciência, Tecnologia e Inovação na instituição. “Havia uma visão nesse sentido do pai recente do pensamento sanitário e ícone do Sistema Único de Saúde”.

Gadelha explicou que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) traz, de forma sistêmica, a visão da base material da saúde. “No enfrentamento da Covid, se eu não tiver atenção básica, estou lascado, não chego antes da doença, as pessoas não fazem distanciamento social, não lavam as mãos; se não tiver vacina, estou lascado; se não tiver ventilador, máscara, tomógrafo, hospital e UTI, estou lascado. Existe um sistema produtivo que é a base material do sistema de saúde”, destacou Gadelha. “Um país que se pretenda desenvolvido, dentro da nossa velha e atual agenda de desenvolvimento, tem que desenvolver a base material do bem estar”.

Redação

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