Judeus na Palestina: de Napoleão à Nakba, por Ruben Rosenthal

A geopolítica internacional continua a favorecer Israel. Até quando as potências Ocidentais continuarão a se omitir em relação à ocupação de terras palestinas e à violência desmedida contra a população?

Palestinos expulsos de suas casas \ Foto: domínio público

do Chacoalhando

Judeus na Palestina: de Napoleão à Nakba

por Ruben Rosenthal

Nas manifestações do Dia da Nakba, os palestinos brandem as chaves das casas que foram obrigados a deixar, e para as quais ainda têm a esperança de voltar um dia.  

A limpeza étnica de palestinos promovida pelos judeus começou efetivamente no início do século 20, com a implantação dos primeiros assentamentos judaicos em terras da Palestina; ocorreu de forma massiva em 1948; e prossegue desde então.

A geopolítica internacional continua a favorecer Israel. Até quando as potências Ocidentais continuarão a se omitir em relação à ocupação de terras palestinas e à violência desmedida contra a população? A aprovação da Lei dos Estado-Nação em 2018 reforçou as críticas, tanto internamente, como vindas de judeus da diáspora, de que Israel se tornou um regime de apartheid.

A matéria que se segue apresenta extratos do artigo “Uma breve história do conflito Israel-palestinos”, publicado pelo jornal britânico The Independent. Inclui também alguns trechos de matéria publicada pela BBC News. Os subtítulos e os textos entre parênteses foram acrescentados por este autor.

Um enclave europeu no Oriente Médio 

A ideia do estabelecimento de uma pátria judaica na Palestina remonta a 1799, vinda de Napoleão Bonaparte, após o comandante francês promover cerco a Acre (Akka, em árabe), como parte  de sua campanha contra o Império Otomano.

Napoleão acabou sendo derrotado nessa conquista, mas a tentativa de estabelecer uma fortaleza europeia no Oriente Médio foi revivida 41 anos depois pelos britânicos. O secretário de Relações Exteriores, Lord Palmerston, escreveu a seu embaixador em Istambul, instando-o a pressionar o sultão otomano para abrir a Palestina aos imigrantes judeus, como meio de conter a influência do governador egípcio Mohammed Ali. Naquela época, havia apenas cerca de 3.000 judeus vivendo na Palestina.

Alguns benfeitores ricos, como o aristocrata francês Barão Edmond de Rothschild, começaram a patrocinar a ida de judeus da Europa para a Palestina. Na ocasião, os maiores contingentes vieram da Europa Oriental. Foram estabelecidos assentamentos, o mais notável sendo Rishon Le Zion, fundado em 1882.

Surge o Sionismo

O escritor austríaco Nathan Birnbaum cunhou o termo “sionismo” em 1885. Uma década depois, o jornalista austro-húngaro Theodor Herzl publicou o livro “O Estado Judeu”, pregando o estabelecimento de uma entidade judaica.

Dois rabinos foram então enviados à Palestina pelo amigo de Herzl, Max Nordau, para investigar a viabilidade da ideia, mas relataram: “A noiva é linda, mas é casada com outro homem”.

No entanto, Birnbaum, Herzl e Nordau não ficaram demovidos de seus objetivos, e em 1897 organizaram o Primeiro Congresso Sionista, em Basel, Suíça. Na ocasião puderam discutir planos de fazer lobby junto às potências europeias, para a concretização do sonho de uma nação judaica independente.

Em 1907, a Grã-Bretanha estava considerando a necessidade de estabelecer um “estado-tampão” no Oriente Médio, para reforçar seu domínio.

Começa a limpeza étnica

O líder sionista britânico Chaim Weizmann chegaria a Jerusalém nessa época, para formar uma empresa voltada para a aquisição de terras perto de Jaffa. Em três anos, cerca de 10.000 acres de terra foram adquiridos na região de Marj Bin Amer, no norte da Palestina.

Cerca de 60.000 agricultores locais foram forçados a sair de suas terras para acomodar judeus que chegavam da Europa e do Iêmen. Foi estabelecida a milícia Hashomer para proteger o número crescente de assentamentos de judeus.

Fim do Império Otomano: Declaração Balfour e o futuro da Palestina

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha, desconfiada dos maometanos, intensificou seu interesse em desenvolver uma presença aliada na Palestina, também como forma de fortalecer o domínio sobre o Canal de Suez.

Em janeiro de 1915, o político do Partido Liberal, Herbert Samuel, esboçou em segredo o memorando “O Futuro da Palestina”. Samuel defendeu a anexação da Palestina e a gradativa formação de um Estado Judeu autônomo, sob a proteção do Império Britânico.

No ano seguinte foram demarcadas as regiões que ficariam sob as esferas de influência britânica e francesa, no caso de um colapso do domínio otomano.

Em novembro de 1917, em carta do secretário de relações exteriores britânico, Arthur Balfour, ao líder da comunidade judaica britânica, Barão Walter Rothschild, foi declarado formalmente o  apoio ao estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina.

Com a  Declaração Balfour, o governo britânico assumiu que era proprietário das terras e que tinha o direito de doá-las, algo bastante questionável. Em 11 de dezembro de 1917, o general Edmund Allenby capturou a cidade sagrada de Jerusalém.

Com o fim da Primeira Grande Guerra, o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, encomendou um relatório sobre as regiões não turcas do derrotado Império Otomano. Naquela ocasião, quase 90 por cento dos não-judeus da população da Palestina se manifestaram “enfaticamente” contra o projeto sionista.

Os autores do relatório alertaram sobre a intensidade da rejeição, e argumentaram que a imigração judaica deveria ser limitada, no interesse da paz. No entanto, as conclusões foram suprimidas até 1922.

Na Conferência de Paz de Paris de 1919, o tenente-coronel britânico Thomas Edward Lawrence – mitificado como Lawrence da Arábia – mediou a assinatura de um acordo entre Weizmann, líder da delegação sionista, e seu homólogo árabe, Príncipe Faisal bin Hussein. Ficou acordado, em princípio, a fundação de uma pátria judaica na Palestina e de uma nação árabe independente no Oriente Médio.

O Mandato Britânico na Palestina

Em 1922, a Liga das Nações (precursora da ONU) reconheceu o Mandato Britânico para governar a Palestina, sob a jurisdição de Herbert Samuel, como alto comissário. Foram promulgadas dezenas de iniciativas legais para estabelecer uma presença judaica, incluindo o reconhecimento do hebraico como língua oficial e a permissão de um exército judeu.

Conforme a década avançava, protestos em massa começaram a eclodir em oposição à imigração judaica. O movimento palestino tentava em vão contra-atacar e resistir ao que seus membros consideravam uma usurpação apoiada pelo poder militar e diplomático da Grã-Bretanha imperial.

Quase 250 judeus e árabes foram mortos em agosto de 1929 no Muro das Lamentações, em uma tragédia que ficou conhecida como Revolta de Buraq (ou os Massacres de 1929). Com a intenção de dissuadir as agitações, três muçulmanos foram condenados à morte por Sir John Chancellor, que sucedera a Herbert Samuel no alto comissariado.

Aumento da imigração judaica

Os protestos continuaram à medida que mais imigrantes judeus chegavam. O influxo acelerou de 4.000, em 1931 para 62.000, em 1935. Neste mesmo ano, o líder revolucionário muçulmano Sheikh Izz ad-Din al-Qassam foi morto a tiros por soldados britânicos nas colinas acima de Jenin.

Em 1936, eclodiu uma greve geral que, surpreendentemente, durou seis meses. Em represália, casas de muçulmanos foram demolidas.

A Segunda Guerra Mundial e o Holocausto

Em 1939 eclodiu a segunda guerra mundial, que opôs tropas aliadas e as do eixo – Alemanha, Itália e Japão. O Terceiro Reich foi depois considerado responsável pela execução de seis milhões de judeus em campos de concentração.

Em 1942, ano seguinte à entrada dos EUA no conflito, as relações americano-sionistas seriam cimentadas com uma conferência em Nova York.

hotel King David
Hotel King David após atentado terrorista do Irgun, Jerusalém, 1946 \ Foto: domínio público

Após as vitórias dos Aliados na Europa e no Pacífico em 1945, as potências mundiais voltaram sua atenção para o fim da violência na Palestina. 

O terrorismo judaico

Uma força paramilitar sionista armada, conhecida como Irgun (criada em 1931), estava atacando árabes (e britânicos, inclusive civis) na Palestina. O Irgun foi responsável pelo bombardeio do Hotel King David, em Jerusalém, em  julho de 1946, no qual morreram 91 pessoas de várias nacionalidades. No local funcionavam os escritórios centrais das autoridades britânicas.

(O atentado foi organizado por Menahen Begin, que viria a ser primeiro-ministro do Estado de Israel em 1977, como líder do Partido Likud. Trata-se do mesmo partido de Benjamin Netanyahu, atual primeiro-ministro.)

O Irgun esteve também envolvido, em abril de 1948, com o Massacre de Deir Yassin, com 107 mortes, realizado em colaboração com outra organização terrorista, conhecida como a Gangue Stern. No mesmo ano, Stern assassinaria o Conde Bernadotte, diplomata sueco enviado pelas Nações Unidas para mediar a disputa.

A criação do Estado de Israel e a Nakba

Combate entre  A Legião Árabe e Haganah
Soldados da Legião Árabe atiram contra os combatentes judeus da Haganah, a força de autodefesa da Agência Judaica, março de 1948

Uma proposta para o território em disputa  surgiu em 1947, quando a Assembleia Geral da ONU apresentou a Resolução 181, que propunha criar dois estados na Palestina, um abrigando judeus, e o outro, os palestinos árabes.

A resolução foi adotada após uma votação, supostamente como resultado de pressão diplomática dos Estados Unidos. Entretanto, os palestinos rejeitaram a Proposta de Partilha votada na ONU. A argumentação foi de que, à época, os residentes judeus não possuíam mais do que 5,5 por cento das terras e, portanto, não tinham o direito de ocupar 56 por cento da Palestina. Irrompeu a guerra civil.

Com o fim do mandato britânico, a fundação do Estado de Israel foi declarada unilateralmente por David Ben-Gurion, em 14 de maio de 1948. O reconhecimento dos EUA e da então União Soviética foi imediato, mas instigou a eclosão de uma ampla guerra árabe-Israelense, vencida por Israel.

Quando a guerra terminou com o cessar fogo no ano seguinte, Israel havia expandido sua presença militar em partes do território previsto para constituir o Estado Palestino, pelo plano original da ONU. Jerusalém ficou dividida entre os israelenses e a Jordânia, que (durante os conflitos) ocupara as terras a oeste do Rio Jordão, que formaram a chamada Cisjordânia.

nakba
Nakba: direito de retorno, 2015 \ Arte: Ashraf Ghrayeb, Concurso Badil de Posters

Cerca de 700.000 civis palestinos precisaram fugir da região dos combates (com medo de serem massacrados ou foram expulsos de suas casas pelos judeus), buscando refúgio na Jordânia, Líbano, Síria, Cisjordânia e em Gaza. Muitas das vezes não conseguiram cidadania nestes países, onde permaneceram como refugiados.

O deslocamento do povo palestino (forçado a sair de suas vilas e cidades) ainda é lembrado todos os anos no “Dia da Nakba”, nome em árabe para “catástrofe”. Nas manifestações do Dia da Nakba, os palestinos brandem as chaves das casas que foram obrigados a deixar, e para as quais ainda têm a esperança de voltar um dia.

Notas adicionais: O artigo do The Independent menciona também os massacres ocorridos, após a Nakba: em 1956, nas vilas de Qalqilya, Kafr Qasim, Khan Yunis, e em 1966, em as-Samu. (Em relação a as-Samu, Israel foi censurado “por violar a Carta das Nações Unidas e o Acordo Geral de Armistício”, segundo a Resolução 228 do Conselho de Segurança da ONU.)

O autor é professor aposentado da UENF, e responsável pelo blogue Chacolhando.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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