Mídia Editorial: 25 anos da morte de Ênio Silveira, por Alexandre Coslei

Corajoso, Ênio Silveira é referência de um tempo em que o editor servia à cultura, não ao mercado.

Mídia Editorial: 25 anos da morte de Ênio Silveira

por Alexandre Coslei

Não é exagero quando ouvimos que o brasileiro não tem memória. O mês de janeiro deste 2021 marcou os 25 anos da morte de Ênio Silveira, mas não manifestaram nenhuma homenagem, nenhuma referência, qualquer sussurro sobre este que foi um dos maiores editores de livros no Brasil. Ênio não foi somente um editor, foi resistência destemida nos piores momentos da ditadura que começou em 1964, por isso teve sua editora devastada pelo regime militar. Corajoso, Ênio Silveira é referência de um tempo em que o editor servia à cultura, não ao mercado. Se o fascismo não houvesse interrompido sua carreira com sete prisões e ataques a sua empresa, a história do livro certamente seria outra, a nossa intelectualidade seria outra. Não observar nenhuma celebração ao espírito desse personagem relevante à formação editorial e cultural do país é mais um componente de tristeza e desesperança.

ANALFABETISMO

Convivemos com cerca de 38 milhões de analfabetos funcionais, 11 milhões de analfabetos absolutos, some-se a isso os leitores que se restringem aos prefácios e orelhas de brochuras para constituirmos o cenário da nossa ignorância. Em 2020 foram vendidos 41 milhões de livros, número impulsionado pelas publicações religiosas, de autoajuda pessoal e financeira, acrescido do interesse por temas políticos e sobre racismo. Pelo perfil de vendas, não é difícil concluir que o núcleo maior de leitores pertence a classe média e universitários.  É um horizonte que flutua muito pouco e que se traduz em estagnação. Pode-se prever que, após o governo Bolsonaro — que desprezou a educação, a cultura e ameaça taxar o comércio de livros —, a decadência dos índices do nosso desenvolvimento humano se acentue.  

IDENTIDADE NACIONAL

Na literatura, a identidade nacional com a qual Machado de Assis sonhou se perdeu definitivamente. Até a década de 90 do século passado, ainda parecia prevalecer a ideia de uma literatura que permanecesse, que refletisse nossa face como nação. Não demorou para que fôssemos engolidos pelo formato descartável dos best-sellers internacionais, pela preferência por autores celebridades e pela representação do livro como objeto de condecoração da vaidade, não mais um legítimo formador intelectual. A preocupação fútil do autor brasileiro é ser traduzido para o exterior antes mesmo de se tornar reconhecido no próprio país. Agências literárias consideram que os melhores representantes atuais para a nossa literatura no exterior são obras transformadas em audiovisual, como o questionável “Bom dia, Verônica”. Fora do Brasil, autores brasileiros não existem; no máximo, tornam-se derivações para outras mídias.

MEDIOCRIZAÇÃO

Os responsáveis pelo aprofundamento da nossa mediocridade literária são, sem nenhuma dúvida, os agentes literários, as grandes editoras, a extinção da crítica profissional e a grande imprensa. Isso sem citar a ausência completa de iniciativas para formação de novos leitores. Não compartilham da ousadia de Ênio Silveira. Criou-se o culto à celebridade, o conceito de que só celebridades vendem, que só a celebridade sustenta o mercado editorial. O tradicional Prêmio Jabuti inventou a categoria “entretenimento”, para contemplar o que não é literatura. O que vemos nas Redes Sociais são autores sem projeto literário, mas com projeto de fama; leitores que se prestam mais à bajulação do que à leitura. Na escrita, quem cria as regras são os ruins, os bons são exceções sem força para contrariar a corrente de detritos que arrasta os traços da nossa originalidade. Geralmente, autores que fazem sucesso são os contemplados em grandes prêmios ou os que investiram um capital privilegiado em assessoria de imprensa e gestão de perfil público. Editoras não trabalham para descobrir nada, querem o que vem pronto. A literatura se reduziu ao Copywriting.

Editores? Não temos. Talvez, por esse motivo, não acenderam nenhuma fagulha de interesse pela intenção de relembrar Ênio Silveira nos 25 anos do seu falecimento. As grandes editoras comportam-se como instituições financeiras; as livrarias fenecem diante de corporações como a Amazon; as editoras alternativas existem como atravessadoras de gráficas, majorando o valor do livro, não realizando distribuição e inviabilizando o potencial do autor. Sem qualquer pudor, a literatura deixou de ser arte para se assumir como mercado.

(Fontes de pesquisa: IBGE, INAF, Retratos de leitura do Brasil)

Alexandre Coslei, jornalista

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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