Michel Aires
Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.
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Por que não devemos temer um golpe militar?, por Michel Aires de Souza Dias

Nos dias atuais, a classe militar não possui um motivo legitimo para dar o golpe, uma vez que as instituições democráticas estão funcionando normalmente.

Por que não devemos temer um golpe militar?

por Michel Aires de Souza Dias

Os militares no Brasil possuem em seu “DNA” a paixão pelo golpe de Estado. Não podemos esquecer que a primeira República surgiu de um golpe. Foi Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, que liderou o golpe contra a monarquia, acabando com o Império e proclamando a República. Eles mantiveram forte poder mesmo na República Oligárquica com o presidente civil Prudente de Morais (1894) e só deixaram a política com os desgastes da Guerra dos Canudos (1897). A volta ao poder só se deu em 1910, no governo do Marechal Hermes da Fonseca. A partir de  1920 eles tentaram dar o golpe novamente com os movimentos denominados tenentismo. Eles também foram protagonistas na deposição de Getúlio Vargas, em 1945, mas não conseguiram chegar ao poder. Desde o segundo mandato de Getúlio (1950) eles tentaram por várias vezes dar um golpe, mas só conseguiram em 1964 contra o governo de João Goulart.

O que difere aquele período do nosso é que,  naquela época, os militares apesar de não terem legitimidade, eles tinham o apoio de uma grande parcela da população. Para o sociólogo alemão Max Weber, o que caracteriza o Estado é o monopólio legitimo da força em uma sociedade. É o poder fundamentado na legalidade. Contudo, em 1964 os militares tinham o apoio do empresariado, da grande mídia e das classes médias conservadoras, que estavam frustrados com a estagnação econômica e com o medo do comunismo. Os militares tinham ainda o apoio dos norte-americanos, que participaram integralmente do golpe de Estado. Hoje, os militares não possuem o apoio da população e nem dos norte-americanos. A mais recente pesquisa do Datafolha demonstrou uma forte insatisfação da população com os fardados. A pesquisa revelou que 62% dos brasileiros são contrários à participação de militares em manifestações políticas. Ela também revelou que 58% dos brasileiros são contra a participação deles na administração pública. Esses dados já demonstram que a classe militar não tem o apoio legitimo da população.

Outro fato importante é o de que há pelo menos 10 militares suspeitos de corrupção e crimes cometidos no governo Bolsonaro. O primeiro caso foi a acusação de tráfico internacional de cocaína pela FAB (Força Aérea Brasileira), que causou grande repercussão internacional. Tivemos também a acusação da participação de militares nas milícias do Rio de Janeiro, com o ex-capitão da polícia militar Adriano da Nóbrega, que era chefe de uma das milícias. Há também a acusação da participação do  ex-tenente da polícia militar Fabrício Queiroz  envolvido no escândalo das rachadinhas. Por último,  a CPI da Covid levantou a suspeita de que vários militares do alto escalão estão envolvidos na corrupção da compra de vacinas, mudando a percepção da população de que as forças armadas não são corruptas. Todos esses casos têm manchado a imagem das forças armadas diante da opinião pública, tornando-se um obstáculo para um golpe militar.

Nos dias atuais, a classe militar não possui um motivo legitimo para dar o golpe, uma vez que as instituições democráticas estão funcionando normalmente. No passado havia o fantasma do comunismo, mas hoje não há um discurso plausível para a tomada do poder. De 1964 para os dias de hoje, a sociedade mudou muito, não vivemos mais em uma sociedade conservadora como no passado. Hoje, a população está mais politizada. Os movimentos populares são muito mais atuantes. Há uma forte participação política das minorias. Atualmente, é cada vez mais forte a luta por direitos em defesa das causas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), dos negros, do feminismo e da diversidade religiosa e cultural. Vivemos em uma sociedade cada vez mais plural e menos “homogênea” como no passado.

            Outro fato importante é o de que, com o desenvolvimento das novas tecnologias da informação, não seria mais possível a prática da violência e da barbárie, que são  típicas no Estado de exceção. Hoje, todo cidadão tem um celular, podendo filmar todo ato de violência. Nessas condições nenhum governo conseguiria se manter legítimo. Essas novas tecnologia também possibilitam uma maior mobilização e organização dos movimentos sociais. Basta lembrar da “Primavera Árabe” de 2010, que gerou uma série de protestos no mundo Árabe; ou do movimento “Occupy Wall Street”, em 2011; além de vários outros, como o movimento “Vem Pra Rua”, que ocorreu em 2013 aqui no Brasil. Todos esses movimentos foram organizados pela internet. Os militares teriam muita dificuldade em conter as massas e, se o fizessem, haveria um banho de sangue.  

            O Brasil é hoje uma democracia consolidada. As eleições por meio das urnas eletrônicas tornou-se um modelo para vários países. Ao menos 46 países usam urnas eletrônicas. Já faz 25 anos que temos eleições legitimas e livres da interferência humana. Esse fato consolida a democracia e torna inviável um golpe militar. Nesses últimos anos não houve nenhuma fraude nas eleições. Os votos são guardados, criptografados e assinados digitalmente. As urnas são transparentes, auditáveis e seguras. Em sua história nunca houve divergências entre os votos digitados pelos eleitores nas urnas e a totalização deles no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). As impressões dos votos de todas as urnas sempre conferiram com a totalização dos votos no TSE. Várias organizações nacionais e internacionais já auditaram os votos. Desse modo não há nenhuma justificativa para que não houvesse eleições limpas, livres e seguras no país. Nenhum governo militar se manteria de forma ilegítima no poder. Isso é fato.


Michel Aires de Souza Dias – Doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Michel Aires

Graduação em filosofia pela UNESP. Mestre em filosofia pela UFSCAR. Doutor em educação pela USP. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase na Teoria Crítica, em particular, nos pensamentos de Herbert Marcuse e Theodor Adorno. Possui artigos publicados nas áreas de educação, filosofia e ciências sociais.

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