Privatização da Eletrobras aprofunda desigualdades regionais, por Mailson da Silva Neto

A Eletrobras é a maior empresa de geração e transmissão de energia elétrica da América Latina e Caribe, com cerca de 33% da geração, 51% da transmissão e 70% da transformação da energia elétrica do país.

Divulgação Eletrobras

Privatização da Eletrobras aprofunda desigualdades regionais

por Mailson da Silva Neto

Mês passado, a Câmara dos Deputados aprovou, por 313 a 166, a Medida Provisória (MP) 1031/2021, que propõe a privatização da Eletrobras, disfarçada de capitalização para tornar a narrativa mais palatável para a sociedade brasileira. Mais uma agenda neoliberal, imposta pelo governo Bolsonaro.

A tramitação da matéria na Câmara em regime de urgência escancara a insensibilidade deste governo diante do caos econômico, sanitário e social que estamos vivendo, em decorrência da pandemia do Covid-19 e do total despreparo governamental e da falta de medidas concretas de combate ao vírus que já matou quase 500 mil brasileiros e contagiou mais de 17 milhões.

Nosso povo está sofrendo com falta de emprego, fome, miséria, fechamento de pequenos e médios comércios, empresas falindo. O Congresso, por sua vez, em total descompasso com a trágica realidade, elenca a privatização da Eletrobras como uma matéria emergencial e a coloca em regime de votação.  Enquanto a população brasileira quer comer e sobreviver, sem interesse nenhum em discutir tal tema, como indicou pesquisa realizada pela própria Câmara, onde a MP foi derrotada, os deputados priorizam a pauta em detrimento de outras questões realmente urgentes, como, por exemplo, o auxílio emergencial.

Outro aspecto que aponta a gravidade da questão é que, enquanto países no mundo inteiro investem na produção e transmissão de energia como motor de desenvolvimento econômico e social, nós estamos entregando nossa soberania energética ao capital estrangeiro e, lembrando: em regime de urgência, sem aprofundamento nas discussões, debates mais extensos e profundos, escutas de especialistas e da sociedade civil.

A Eletrobras é a maior empresa de geração e transmissão de energia elétrica da América Latina e Caribe, com cerca de 33% da geração, 51% da transmissão e 70% da transformação da energia elétrica do país. As suas subsidiárias: CHESF, FURNAS, ELETRONORTE, ELETROSUL, CGTEE e o Centro de Pesquisa de Energia Elétrica – CEPEL.

Uma empresa lucrativa, registrando lucro líquido de mais de R$ 30 bilhões de reais nos últimos anos, fluxo de caixa de mais de 15 bilhões e sua atuação tem contribuído para que os preços dos empreendimentos de geração e transmissão sejam mais competitivos.

Os grandes investimentos de geração e transmissão, como Santo Antônio, Girau, Belo Monte e a linha de transmissão de Belo Monte, só foram adiante por causa da presença do Estado, através da Eletrobras.

Na área social, os programas do Reluz e Luz Para Todos foram suportados exatamente pelas empresas subsidiárias da Eletrobrás. Os resultados alcançados só foram possíveis com a presença da empresa.

Então, por que uma empresa lucrativa, com abrangência em todo território nacional, com um legado de inclusão de mais de 15 milhões de domicílios brasileiros pelo Luz para Todos, com mais de 210 milhões de consumidores está sendo privatizada?

Para tentar responder a essa indagação, podemos inferir que o fato de ser uma empresa com boa parte de seus ativos amortizados desperta interesse do capital, porque com a descotização proposta pela MP, os lucros para o ente privado serão fabulosos.

Hoje, a Eletrobrás vende sua energia sob regime de cotas a preço médio de R$62,00. Com a privatização, esse valor seria definido de acordo com o valor de mercado, saltando de R$62,00 para mais de R$284,61, pelo Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) de 07/06/2021. Ao ponderar as afetações do regime hidrológico crítico atual, o preço da energia pode chegar a mais de R$1.000,00.

Por exemplo: uma usina construída na década de 1970, com potência de 2.400 MW, no valor de novo R$25 bilhões. Consideramos que os custos das turbinas, geradores, comportas, pórticos, vertedouros e demais serviços auxiliares giram em torno de R$ 2 bilhões, ou seja, menos de 10% dos investimentos iniciais. A Lei Nº 9.074 de julho de 1995, estabelece 35 anos para amortização dos investimentos, o que significa que no ano de 2005 o valor investido já foi pago. As barragens construídas normalmente possuem uma vida útil de longa duração, no caso de Itaipu, estudos geológicos estimam que sua vida útil é de no mínimo 200 anos. Os custos, portanto, de uma empresa de energia, após a amortização, é reduzido, o que deveria significar também a redução da tarifa paga pelo consumidor. Entregue à iniciativa privada, as empresas, que visam o lucro, irão vender a energia a preço de mercado, ou seja, será como se o consumidor tivesse que pagar novamente pelo mesmo empreendimento, dando às empresas uma altíssima lucratividade.    

Outro aspecto relevante é a natureza singular do Sistema Interligado Nacional construído pelas mãos dos engenheiros, técnicos e trabalhadores ao longo de décadas e que podem, com a aprovação da MP 1031, no apagar das luzes, ser invadido por forasteiros com desmantelamento de toda indústria do setor. Seja quem for o país arrematador, deve prevalecer os seus interesses e suas necessidades de expansão. Saem perdendo, assim, a indústria nacional, a tecnologia e os profissionais brasileiros.

A MP aprofunda ainda o distanciamento entre as regiões do país porque as térmicas com despacho garantido serão, em sua maior parte, construídas na região do Norte e Nordeste do país, em localidades que não possuem gasoduto, o que forçará a sua construção e repasse para a tarifa. A obrigatoriedade do despacho introduz uma anomalia ao planejamento de setor onde os despachos não terão como prioridade as gerações baratas em detrimento das mais caras. Essa intromissão, em dado momento, pode levar ao desperdício de energia hídrica, eólica e solar para que se honrem os contratos com as térmicas. Uma total inversão de preceitos da boa técnica e economicidade. Como essas térmicas serão construídas em sua maioria nas regiões Norte e Nordeste, esses mercados serão mais afetados com energia elétrica mais cara e poluente.

Ainda que a MP tenha passado na Câmara, acredito que nossos senadores tenham mais lucidez, sabedoria e maturidade. É notório que as regiões do Nordeste e do Norte serão as mais prejudicadas com a privatização da Eletrobras. No Senado, estas regiões representam cerca de 48 dos 81 senadores. Espero que tais políticos, eleitos democraticamente por nordestinos e nortistas lembrem de seus estados e do seu povo, e, impeçam que usurpadores se apropriem do que não lhes pertence. A Eletrobrás é do povo e os benefícios da sua existência devem ser absorvidos por todos dos brasileiros.

Mailson da Silva Neto – Engenheiro Eletricista. Diretor de Relações Sindicais do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco. Coordenador da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica do CREA PE

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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