Destaque Secundário

Retrato Nu e Cru do Carreirista, por Jorge Alberto Benitz

Retrato Nu e Cru do Carreirista

por Jorge Alberto Benitz

    O mesmo espírito, no cumprimento de ordens vindas de cima, do sicário, do pistoleiro de aluguel, do mercenário, move o carreirista. Ressalto que qualquer semelhança com seres vivos e ministros de plantão que se acham mais vivos que os demais não é mera coincidência. O termo mais vivo aqui é o mesmo do dito na gozação do Barão de Itararé ‘Os vivos são sempre, e cada vez mais, governados pelos mais vivos’, que brinca com a famosa frase de Augusto Comte.

    Existe uma diferença significativa entre carreiristas e profissionais que são alçados a cargos importantes por sua competência. Não é proibido a um profissional ser ambicioso e desejar ascender a cargos de alta administração.  Quando falo sobre este assunto lembro do episódio ocorrido com , por exemplo, Adib Jatene, profissional de inegável competência que  foi secretário estadual de Saúde no governo Paulo Maluf e duas vezes ministro da Saúde, durante o Governo Collor e, a última delas, no governo de Fernando Henrique Cardoso e que saiu, justamente por defender medidas  para melhorar a qualidade do atendimento da saúde como fica evidente no depoimento do texto que segue:

    “Quando perguntado se sua saída do Governo FHC teve relação com a CPMF, Jatene respondeu:
    “Teve relação direta. Eu disse ao presidente Fernando Henrique que precisava de recursos. Ele pediu para falar com o Pedro Malan [ministro da Fazenda]. O Malan me disse que, em dois ou três anos, daria o dinheiro que eu precisava. Não podia esperar tanto tempo. Propus a volta do imposto sobre o cheque, que se chamava IPMF e havia sido extinto em 94. O presidente disse: ‘Você não vai conseguir aprovar isso.’ Respondi: Posso tentar? Ele autorizou. Pedi o compromisso dele de que o orçamento da Saúde não seria reduzido. A CPMF entraria como o adicional. E ele: ‘Isso eu posso te garantir’. Depois da aprovação, a Fazenda reduziu o meu orçamento. Voltei ao presidente. Disse: no Congresso, me diziam que isso ia acontecer. Eu respondia que não, porque tinha a sua palavra. Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor. Ponha outro no meu lugar. Foi assim que eu saí, em novembro de 1996”.

    Voltando, os limites até onde ele, carreirista, pode ir na defesa do indefensável, do injusto e, enfim, do mal, nunca são claros. Eles são a salvação dos poderosos e dos ricos e a danação de todos os destituídos de poder e dinheiro. Danação porque como se dispõem a tudo em nome do poder e dinheiro e não tem escrúpulos, não se furtam a receber e atender ordens até criminosas dos seus chefes. Como são aplicados e ambiciosos galgam altos cargos. E assim se tornam mais danosos ao tecido social. Danosos porque geralmente não tem empatia com o outro. O outro é apenas um objeto a ser usado ou prejudicado por ele na busca de ascensão profissional ou permanência em um cargo importante. Como são imunes a sentimentos de compaixão ao sofrimento do outro eles são perfeitos na condição de  correia de transmissão de atos de crueldade, injustiça e maldade. Quase desnecessário dizer que estão muito mais à vontade para exercer seus dons nada virtuosos em governos de direita que agem com determinação na defesa dos interesses espúrios das classes dominantes, dos interesses dos muito ricos e no massacre de tudo que possa beneficiar a maioria.

    Em um governo de extrema direita então a coisa assume uma dimensão excepcional. Os carreiristas nele ficam “felizes como pinto no lixo”. Tudo que sonham fazer de ruim para o outro é possível. Nada funciona como obstáculo porque este tipo de governo não tem pudores e limites na busca de mais poder. Os freios da moral e da ética não existem na visão de mundo de governos de extrema direita. Eles podem tudo.

    O capitalismo sem freios e contrapesos em que estamos metidos desde o fim do socialismo real é o habitat perfeito para o carreirista. A destruição de tudo que significasse interesse coletivo e a instauração do egoísmo como valor máximo foi e continua sendo o paraíso para todo o tipo de pessoa destituída de compaixão, de respeito ao outro, enfim, para alguém que não tem o mínimo respeito aos valores civilizatórios e democráticos.

    Como tudo pode ser feito em nome dos interesses do status quo, nada impede o avanço dos interesses mais mesquinhos dos poderosos e muito ricos.  Para este avanço faz- se imperativo a destruição dos antigos direitos conquistados pelas classes trabalhadoras antes do fim do socialismo real nas sociedades ocidentais. Para este encargo, faz –se necessárias mentes totalmente instrumentais, sem capacidade crítica, que não se afetem com as consequências maléficas de seus atos em prejuízo da sociedade. Aí desponta a figura do técnico, do especialista, despido de escrúpulos e freios morais e éticos, para efetivar os planos sórdidos de uma elite gananciosa e aética que visa maximizar seus lucros sem nenhuma preocupação com os efeitos negativos deste na sociedade.

    Para o sociólogo Boaventura de Souza Santos, a democracia representativa está refém das forças de mercado. Digo eu, refém das forças do mercado como nunca antes no mundo pós segunda guerra mundial, onde se estabeleceu um equilíbrio de poder entre as superpotências que gerou para as sociedades ocidentais avanços significativos dos direitos dos trabalhadores e empregados que agora sofrem refluxo pela inexistência de um modelo alternativo ao capitalismo. Bem ou mal, a depender do que se tem em vista em termos de liberdade, igualdade ou justiça, o socialismo real funcionava, como diz Boaventura dos Santos, como contrapeso. Daí a origem de muitos avanços sociais, econômicos e políticos dos trabalhadores , em especial, nos países que adotaram o modelo “Welfare State” e mesmo nos países fora do centro capitalista que adotaram alguns mecanismos como a legislação trabalhista, a previdência social universalizada, a estabilidade do funcionário público, planos de saúde como o SUS, que hoje estão sob ataque sistemático deste novo modelo de sociedade, denominado com acerto de neoliberal que trabalha sem descanso para acabar com tudo que beneficiou a classe trabalhadora e a soberania dos países para instaurar de modo definitivo o domínio total das grandes corporações transnacionais e dos grandes bancos nacionais e internacionais. Alguns destes com mais capital proprio que muitos países.   

    Neste cenário novo, o carreirista foi empoderado. Mais, adquiriu glamour. Toda uma leva de conceitos e preconceitos foi criado, nas escolas de política e administração, visando dar um status privilegiado ao empresário e aos gestores, onde os carreiristas se inserem de corpo e alma, destes novos tempos. Com o caminho livre de contrapesos foi fácil estabelecer uma hegemonia intelectual e profissional dos gestores, especialmente, nas empresas que sempre foram o reduto menos afetado por freios e contrapesos morais e éticos.

    Na área de administração despontaram programas com nomes charmosos como downsizing, qualidade total, aliados a ideias no terreno da marketing e da publicidade dizendo que “o cliente é o rei” e, principalmente, o documento carro – chefe da política que foi “O Consenso de Washington”, uma espécie de bíblia do neoliberalismo que inundou a imprensa em geral com um kit pronto de conceitos e preconceitos dando conta de que o poder da mão invisível do mercado deve ser o norte da sociedade e, portanto, o  Estado tem que ser mínimo, o empresário é sempre sinônimo de empreendedor virtuoso, os políticos e a política não presta, etc, etecetera. Tudo feito para maquiar e esconder interesses de 1%  muito ricos em prejuízo do resto do sociedade e para destruir as conquistas do Welfare State que bem ou mal era uma concepção social, política e econômica feita em benefício de 70% da sociedade ao passo que a proposta neoliberal é feita para algo em torno de 30% desta, incluído aí a figura do carreirista como peça importante, como gestor e garantidor desta engrenagem destruidora do pouco que resta de democracia e valores civilizatórios de uma sociedade.

Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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