“Se a lenda supera o fato, imprima-se a lenda”, por José Carlos Faria

Desta maneira, o nome de Vavá foi suprimido da famosa jogada e, equivocadamente, substituído pelo de Garrincha

“Se a lenda supera o fato, imprima-se a lenda”, por José Carlos Faria

Em 1962, o Brasil conquistou o bicampeonato mundial de futebol, no Chile, com basicamente o mesmo time vencedor na Suécia, quatro anos antes. Era uma geração de craques como Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo, com destaque especial para o magistral ponta-direita Garrincha.

Sua atuação foi fundamental ao suprir, até o final da Copa de 62, a ausência do Rei Pelé, contundido no segundo jogo contra a Checoslováquia. Além dos certeiros cruzamentos da linha de fundo, após dribles desconcertantes nos zagueiros, fez gol de cabeça e de pé esquerdo, que não eram o seu forte.

Eu mesmo presenciei nos estádios o cerco e a caçada implacável que Garrincha sofria dos “Joões”, como ele denominava os seus marcadores, em partidas pelo Botafogo ou pela seleção brasileira. A memória dessas jogadas do atacante, o “Anjo das Pernas Tortas”, denominado também de a “Alegria do Povo” está registrada em filmes, fotos e reportagens.

Entre as mais divulgadas imagens, está uma do primeiro jogo do Brasil na Copa de 62, contra o México, em que um solitário jogador brasileiro, na grande área adversária, aparece cercado por OITO adversários. A consulta ao Google, com “GARRINCHA IMAGENS”, a apresentará inúmeras vezes, nos mais diversos sites. Ela foi publicada no livro biográfico do jogador, “Estrela Solitária”, de Ruy Castro (pag. 259), com a legenda:

“Muralha azteca: oito mexicanos tentam marcar Garrincha”.

O jornalista Fernando Calazans em sua coluna de O GLOBO, em 29/06/2003, de título “História da Arte”, recomenda ser vista a foto do livro, que demonstrava que Garrincha mobilizava muitos jogadores na tentativa de marcá-lo:

“Muita gente, incluindo comentaristas e críticos ignorantes da história do futebol, imagina que Garrincha desfilava pelos campos internacionais absolutamente livre de marcação, naqueles tempos de futebol, como se diz, romântico. Que ilusão! Que desinformação! Não sabem dos marcadores orientados por leis científicas que se enfileiraram – dois, três, quatro – em duas Copas para tentar anular em vão o gênio intuitivo do Garrincha”

Só que o solitário jogador brasileiro da foto não é o Garrincha, mas, sim, o centroavante VAVÁ, o “Peito de Aço”. No meu acervo de publicações antigas, tenho o encarte “COPA DO MUNDO II – EXTRA”, da saudosa revista “O CRUZEIRO”, de 16/06/1962, em que consta a mesma foto, em página dupla, com a legenda, que iniciava com:

“AÍ ESTÁ o retrato perfeito do jôgo Brasil 2 x México 0. Na foto, aparecem nove mexicanos, contando com o goleiro Carbajal, que está atento a uma manobra de VAVÁ. O brasileiro tenta avançar em meio a oito jogadores do México, cujo time jogou agrupado e retraído, em seu próprio campo, para evitar uma goleada….”

Essa mesma foto foi publicada na “EDIÇÃO ESPECIAL – BRASIL BICAMPEÃO INVICTO” da revista “O CRUZEIRO”, de 30/06/1962 (pág. 49), com o mesmo enquadramento da que aparece no livro, ou seja, sem mostrar o goleiro mexicano Carbajal. Desta feita, a legenda não identifica o jogador brasileiro:

 “DIANTE DO GOL HAVIA OITO MEXICANOS”.

Acredito que o engano de Ruy Castro tenha advindo de utilizar como fonte a segunda publicação da foto, em que o nome do jogador não é citado. A posição em que ocorre a jogada, à direita da grande área, normalmente era ocupada por Garrincha, que realmente recebia marcação cerrada de muitos defensores.

Enviei e-mail ao Calazans, para alertá-lo do equívoco, e esclareci que isto não invalidava a sua argumentação na coluna sobre a excepcionalidade do jogador. Queria apenas reconstituir a verdade histórica do documento fotográfico

Ele foi muito simpático em sua resposta, agradeceu a informação, mas afirmou que a presença do Garrincha na foto já estava consolidada. Justificou com a fala final do clássico filme “O homem que matou o facínora”, de John Ford:

“SE A LENDA SUPERA O FATO, IMPRIMA-SE A LENDA”

Desta maneira, o nome de Vavá foi suprimido da famosa jogada e, equivocadamente, substituído pelo de Garrincha, que não precisava disso como comprovação da sua genialidade.

Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2021

José Carlos Faria

Redação

3 Comentários

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    1. Originalmente, o apelido Peito de Aço foi dado a Vavá pelo lendário locutor esportivo Geraldo José de Almeida.
      Confira abaixo trecho do depoimento dado pelo próprio Dario para o CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) da FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS.

      J.A. – De onde vem “Peito de aço”?
      D.S. – “Peito de aço”, era porque eu trombava, o que estava na minha frente eu levava. Eu era muito burrinho. O que estava na minha frente eu passava por cima, aí botaram “Peito de aço”. Mas aí, o Vavá na Copa de 1958 era tachado de “Peito de aço”, aí eu falei: “’Peito de aço’ não é legal, eu estou tomando dos outros, esse é do Vavá”. Aí foi quando eu lancei “Dadá”, depois eu lancei
      “Maravilha”, depois “rei Dadá”, todos pegaram.

  1. Vavá cercado assim justifica- se: fazia gols, lembrando o Dinamite, décadas depois.
    A foto me faz recordar outra, a do Dirceuzinho cercado por 8 ou 9 holandeses do Carrossel 🎠 de 1974.

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