As disputas protecionistas entre Brasil e EUA

Da BBC Brasil

Troca de farpas expõe disputa sobre protecionismo de Brasil e EUA

Luís Guilherme Barrucho

A poucos dias da viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou a criticar nesta sexta-feira, em Londres, o conteúdo da carta enviada pelo representante americano para assuntos comerciais, Ron Kirk, em que o governo brasileiro é acusado protecionismo.

A reação de Mantega é mais um capítulo da troca de acusações mútua entre os dois países, originada após o governo americano ter subido o tom contra a recente decisão brasileira de sobretaxar importações, destacando que a medida poderia “prejudicar” os laços comerciais entre Brasil e Estados Unidos.

Mantega também acusou Washington de protecionismo pelo afrouxamento monetário empreendido pelo Fed (o banco central americano) ao prover o mercado de maior liquidez com uma “enxurrada de dólares”.

“É uma maneira de fazer protecionismo, porque isso desvaloriza a moeda local”, afirmou Mantega, após palestra realizada pela revista britânica The Economist.

Foi a segunda vez que Mantega criticou a postura americana. Ele já havia rebatido a reclamação oficial dos EUA em entrevista ao jornal britânico Financial Times, na última quinta-feira.

O ministro acenou, ainda, com a possibilidade de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiros (IOF) de forma a interromper a “entrada de capital especulativo” no Brasil, que, segundo ele, não traz emprego e renda.

O temor de Mantega é de que, com o excesso de dólar no mercado, os investidores passem a aproveitar o atual momento para tomar empréstimos com mais facilidade nos Estados Unidos a custos baixos para depois ganhar retornos maiores no Brasil, onde a taxa de juros é mais alta.

Mais cedo, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que a reclamação americana era “injustificável e inaceitável, tanto no conteúdo como na forma”.

Crítica

Tanto Mantega quanto Patriota argumentam que a decisão do governo brasileiro de elevar, em média, 12% para 25%, as tarifas sobre cem produtos importados está dentro da regulação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que prevê um teto de até 35%.

O governo brasileiro já prepara uma nova lista de outros 100 produtos que devem ter suas alíquotas de importação aumentadas e que passará a vigorar em outubro.

Para Mauro Rochlin, professor de economia do Ibmec-RJ, o governo brasileiro não faz protecionismo, uma vez que não viola as regras estipuladas pela OMC.

“A OMC possui regras claras ao que cada país-membro pode fazer em termos de comércio exterior. O governo brasileiro não tomou nenhuma medida que fosse ao encontro dessas resoluções”, disse ele à BBC Brasil.

“Diante de um cenário internacional adverso, em que o governo americano tem provido maior liquidez à economia, não considero a medida hostil ao comércio; pelo contrário, seria ingênuo pensar que o Brasil não reagir”, acrescentou.

Vera Thorstensen, professora de economia da FGV-SP e cooordenadora do Centro do Comércio Global e do Investimento, que foi assessora econômica da Missão do Brasil da OMC em Genebra de 1995 a julho de 2010, concorda. Segundo ela, os parâmetros estabelecidos pela OMC devem servir de base para as decisões dos país sobre o comércio exterior.

“Nesse caso, o Brasil não poderia ser acusado de protecionismo”, afirmou ela à BBC Brasil.

Mas para Thorstensen, o debate perdeu “foco”, uma vez que privilegiou a troca de acusações sobre as barreiras tarifárias em detrimento da “guerra cambial”.

“Moedas desvalorizadas subsidiam a exportação e ‘turbinam’ as tarifas. Assim, no fim das contas, a alíquota que os Estados Unidos cobram de produtos importados não é tão baixa como o governo americano defende”, acrescentou.

Outro lado

Mas, para Jeffrey Schott, do think tank Peterson Institute for International Economics (PIEE), a resposta brasileira à reclamação americana foi “infantil”.

“O Brasil não quebrou as regras da OMC, mas suas medidas foram claramente protecionistas, uma vez fecha o mercado às importações de outros países para proteger os produtos da indústria nacional, menos competitivos”, afirmou.

“A crítica de que o afrouxamento monetário também é um tipo de protecionismo tampouco procede, uma vez que há amplo debate a respeito disso na literatura econômica, com grande divergência”, acrescentou.

Segundo o analista da consultoria britânica Capital Economics Michael Henderson, “houve uma retomada de medidas protecionistas na América Latina, lideradas pelo Brasil e pela Argentina, nos últimos anos”.

“No caso brasileiro, me parece se tratar de proteger a indústria nacional e adiar as necessárias reformas econômicas de que o país precisa”, afirmou ele à BBC Brasil.

“O problema é que isso pode levar a retaliação por parte de outros países”, acrescentou.

Ainda assim, segundo dados da entidade Global Trade Alert, o Brasil seria uma “economia mais aberta” do que os Estados Unidos quando se analisa o número de medidas protecionistas.

Com 98 medidas “protecionistas” e 70 “liberalizantes”, contra 129 e 23, respectivamente, dos Estados Unidos, o Brasil também seria menos fechado do que Alemanha, China e Rússia, de acordo com os dados.

Além disso, o Brasil recebeu 14 queixas na OMC contra 118 dos Estados Unidos.

Luis Nassif

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