Ações de fiscalização resgataram 1.443 pessoas da situação de trabalho análogo à escravidão, entre janeiro e 14 de junho. No ano passado, no mesmo período, foram 61 ações, tendo sido resgatados 500 trabalhadores.
Os números fazem parte de um balanço do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Nesse período, as inspeções fiscalizaram 174 estabelecimentos e o pagamento de verbas salariais e rescisórias chegou a mais de R$ 6,9 milhões.
Segundo a diretora-adjunta do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), Vera Jatobá, “desde 1995, a fiscalização do trabalho já resgatou mais de 60 mil trabalhadores em condição análoga à de escravidão”.
Vera revelou a informação à Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR) da Câmara dos Deputados, que realizou, nesta quinta-feira (22), uma audiência pública para tratar sobre o combate ao trabalho escravo no Brasil.
O encontro serviu para debater o Projeto de Lei 1102/2023, cujo objetivo é o de regulamentar o artigo 243 da Constituição Federal, que prevê a expropriação de propriedades com exploração de trabalho em condições análogas à escravidão.
Representantes do governo, da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT) defenderam a regulamentação do artigo da Constituição Federal: onde haja exploração de trabalho escravo, as terras serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular.
Morosidade e aumento dos casos
A deputada Reginete Bispo (PT-RS) é a autora do PL que tramita apensado a um projeto de 2005 (PL 5016/05) e aguarda a criação de comissão especial para analisá-los. A deputada convocou a audiência pública.
“Se perder os bens dói, dói muito mais, deveria incomodar muito mais uma sociedade que escraviza pessoas. Eu fico muito impressionada como pessoas se manifestam em defesa da sociedade e não têm essa preocupação, essa mesma urgência em defender a vida e a liberdade dos trabalhadores e trabalhadoras deste país”, disse
Existem mais de 50 propostas em análise na Casa que tratam do tema e tramitam conjuntamente. Infelizmente, a morosidade com que tramitam parece mostrar que na Câmara Federal o tema é a preocupação menor.
Coordenadora de Combate ao Trabalho Escravo da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Andreia Minduca afirmou que o número de trabalhadores submetidos a essas condições está aumentando.
“Em 2020, nós tivemos 943 resgates; em 2021, quase 2 mil, 1.959; em 2022, 2.587; e agora em 2023, ainda na metade do ano, já temos 1.443 trabalhadores resgatados da condição de trabalho análogo à de escravo”, apontou.
Impunidade
Ela destacou ainda a baixa punição dos casos: “entre 2008 e 2019, tivemos apenas 4% dos acusados condenados pelo crime de trabalho escravo”.
O juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), Rodrigo Trindade disse que o tribunal com mais casos desse tipo no Brasil, o TRF-5, no Nordeste, inocentou 99,52% dos acusados de submeter pessoas a condições análogas à escravidão.
O cultivo de cana-de-açúcar foi o setor onde ocorreu o maior resgate de trabalhadores, seguidos das atividades de apoio à pecuária, cultivo de uva e a construção de estações elétricas.
Conceito de trabalho escravo
O jornalista e doutor em Ciência Política Leonardo Sakamoto destacou a importância de se manter o conceito previsto no Código Penal para caracterizar a condição análoga à de escravo, que muitas vezes é atacada.
Conforme o conceito define, se trata da submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador.
A pena prevista é de reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência. No entanto, para punir escravocratas é preciso haver fiscalização com auditores em número suficiente.
“Temos o problema de aplicação de leis e normas, até por conta da falta de regulamentação da PEC do Trabalho Escravo, temos a falta de auditores fiscais em número suficiente”, enumerou Sakamoto.
Questão estruturante
Coordenadora Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do MPT, Lys Cardoso afirmou que não é possível se falar em erradicação no Brasil sem falar em reforma agrária.
Ela defendeu que as terras onde são encontradas formas de escravidão sejam revertidas para os trabalhadores rurais. O juiz Rodrigo Trindade defende que o problema é estruturante e se manifesta de diversas formas, no campo e na cidade, principalmente por meio do trabalho terceirizado.
O juiz considera a demora na regulamentação da Emenda Constitucional 81, de 2014, que instituiu a expropriação de terras onde haja trabalho escravo, como uma opção relacionada à cadeia produtiva do país, com apoio no ambiente urbano.
“O tratamento sério do trabalho escravo, da erradicação do trabalho escravo no Brasil deve começar com o afastamento da ideia do ‘não era comigo’. O tomador de serviço do trabalho terceirizado precisa ser responsabilizado. Isso é essencial em qualquer projeto de lei de expropriação: reconhecer a responsabilidade da cadeia produtiva”, disse.
Bolsonarista dá contraponto
O deputado Helio Lopes (PL-RJ) criticou o conceito de condição análoga à escravidão contido no projeto, que inclui manter trabalhador em condição degradante de trabalho, submetê-lo a trabalho forçado e a jornada exaustiva.
Segundo ele, em matéria da Agência Câmara, os parlamentares se submetem à jornada exaustiva e os assessores acompanham essa jornada.
“Vejo método para transformar a propriedade privada em bem coletivo de posse do Estado. Aí não é capitalismo”, avaliou.
Ele se disse contrário a estatizar a propriedade privada. “Não podemos colocar como ameaça para quem está empregando. Temos que facilitar a vida do empregador”, opinou.
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