Para que não se esqueça, para que não se repita… Tenorinho

Diante das investigações realizadas, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) do Brasil concluiu que Francisco Tenório Cerqueria Júnior foi mais uma vítima da chamada Operação Condor

da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

No dia de hoje…

Em 18 de março de 1976, durante a madrugada, em Buenos Aires, Argentina, seis dias antes do golpe militar que derrubou a presidente Isabelita Perón, o pianista Tenorinho – como era conhecido Francisco Tenório Cerqueira Júnior – saiu do hotel onde estava hospedado para ir a uma farmácia. Ele nunca mais voltou. Essa situação desesperadora foi vivida intensamente pelos seus parceiros de turnê, Toquinho e Vinícius de Moraes, que nada puderam fazer e foram orientados a não continuarem buscando informações se não quisessem desaparecer também.

Tenorinho nasceu em 4 de julho de 1940, no Rio de Janeiro. Era filho de Francisco Tenório Cerqueira e Alcina Lourenço Cerqueira. Iniciou sua carreira artística aos 15 anos, quando estudava acordeão e violão. Posteriormente dedicou-se ao piano, instrumento com o qual fez fama no universo musical. Compôs músicas, lançou discos, participou de vários festivais e realizou turnês no Brasil e no exterior, ao lado de consagrados nomes da música brasileira. Na década de 1970 tornou-se um dos mais requisitados artistas no Brasil.

Apesar de não ter qualquer militância política, ele foi detido em uma blitz na Avenida Corrientes, a uma quadra do seu hotel, e levado inicialmente para a delegacia da Polícia Federal Argentina, na rua Lavalle, centro da capital argentina, e posteriormente para a Escuela de Mecanica de la Armada (ESMA) e não se soube mais nenhuma notícia sobre seu paradeiro.

Em 1986, um dos agentes da repressão argentina a presos políticos, Claudio Vallejos, admitiu à Revista Senhor (n. 270) ter matado mais de 30 pessoas, inclusive Tenorinho.

Por determinação da Lei n. 9.140/95, Francisco Tenório Cerqueira Júnior foi reconhecido pelo Estado brasileiro como desaparecido político. Em 1997, a Secretaria de Direitos Humanos argentina reconheceu a responsabilidade do Estado argentino pelo desaparecimento de Tenório. A CEMDP deferiu o pedido de indenização requerido por sua família em 12 de setembro de 2002. Em homenagem a Tenorinho, seu nome foi inscrito no monumento do Parque da Memória, em Buenos Aires.

Diante das investigações realizadas, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) do Brasil concluiu que Francisco Tenório Cerqueria Júnior foi mais uma vítima da chamada Operação Condor, uma organização criminosa, fruto da coordenação repressiva empreendida por autoridades brasileiras, chilenas, argentinas e outras sul-americanas.

No contexto da Guerra Fria travada mundialmente entre as chamadas “direita” e “esquerda” (1945-91), na América Latina, a Operação Condor (Plan Cóndor, Operativo Cóndor) foi o nome que se deu a um sistema secreto de informações e ações criado na década de 1970. Por esse sistema, Estados militarizados do continente americano (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) compartilhavam dados de inteligência e realizavam diretamente operações extra-territoriais de sequestro, tortura, execução e desaparecimento forçado de opositores políticos de seus países porventura escondidos em outro.

Sob a inspiração da doutrina de segurança nacional (DSN), de alcance continental naquele período, as ditaduras aliadas na Operação Condor elegeram, de forma seletiva, esses inimigos ideológicos, denominados “subversivos”, como os alvos por excelência de suas práticas de terrorismo de Estado.

Embora não tenham sido apreciadas as responsabilidades do Estado brasileiro, graves violações de direitos humanos cometidas no marco da Operação Condor foram objeto de condenações da Corte Interamericana de Direitos Humanos em sentenças de mérito em dois casos: Goiburú y otros vs. Paraguay, de 2006, e Gelman vs. Uruguay, de 2011. Nas duas ocasiões, a Corte Interamericana estabeleceu que os serviços de informações de vários países do Cone Sul no continente americano formaram, durante a década de 1970, uma organização interestatal complexamente articulada com finalidades criminosas, cujo conteúdo continua sendo revelado ainda nos dias atuais. Essas decisões estabelecem paradigmas do Direito Internacional dos Direitos Humanos que foram observados pela CNV, mas seu cumprimento, no Brasil, ainda está distante.

Tenorinho completaria 79 anos este ano. Em 31 de março próximo, recordaremos casos como o dele e outros fatos inaceitáveis ocorridos durante os períodos ditatoriais nos países do Cone Sul, especialmente graças à articulação criminosa representada pelo Plano Condor.

“Para que não se esqueça. Para que não se repita”.

Fontes: Relatório CNV e Livro DMV/CEMDP. Colaboração de Luciana Peres.

Redação

1 Comentário

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  1. Apenas um lembrete ao articulista desta trágica e muito triste história: o Tenório era conhecido como Tenório Jr. e não como Tenorinho. Talvez que alguns apenas o chamassem assim, mas no meio musical nós o conhecíamos mais como o Tenório Jr. Um pianista excepcional, lia tudo que lhe pusessem à frente, de uma ótima sonoridade, ritmicamente perfeito, razão pela qual ele gravou com os melhores compositores da MPB. O desaparecimento do Tenório Jr. foi um choque para nós, músicos, principalmente porque, no nosso conhecimento, o Tenório não era ligado a nada de subversivo, como se dizia na época. Foi mais uma vítima injusta de uma ditadura militar que raptava, torturava, assassinava e fazia desaparecer os corpos de pessoas da maneira mais impune. Ditadura nunca mais!

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