Para que não se esqueça, para que não se repita… Sargento Manoel Raimundo Soares

Em 15 de março de 1936, nasceu o filho de dona Etelvina Soares. Aos 19 anos ele entrou para o Exército. Foi cabo, sargento e por aí permaneceu. Em 1963 foi removido contra a vontade, depois expulso, perseguido, preso em 1966, barbaramente torturado e assassinado

por Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

No dia de hoje…

Em 15 de março de 1936, nasceu o filho de dona Etelvina Soares. Aos 19 anos ele entrou para o Exército. Foi cabo, sargento e por aí permaneceu. Em 1963 foi removido contra a vontade, depois expulso, perseguido, preso em 1966, barbaramente torturado e assassinado. Seu corpo foi encontrado por um pescador no dia 24 de agosto de 1966, com as mãos e os pés atados às costas, boiando no Rio Jacuí nas proximidades de Porto Alegre. O caso ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”.

O Sargento Manoel Raimundo Soares sofreu todas essas sevícias porque fazia parte de uma minoria de agentes do Estado que defendiam a legalidade e, portanto, eram contrários à movimentação interna que havia pela deposição do presidente eleito. Agentes como o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, aviador da Força Aérea Brasileira, que foi morto a tiros no próprio Quartel general em que trabalhava, em Canoas (RS), no dia 04 de abril de 1964. Dias após o golpe. Sua morte foi abafada no noticiário, que informou ter havido troca de tiros, quando o Coronel resistiu à ordem de prisão que recebeu de seu Comandante.

Mas o “Caso das Mãos Amarradas” gerou grande comoção. O enterro de Raimundo foi acompanhado por uma pequena multidão e foram instaurados uma CPI e um Inquérito Policial.

Apurou-se que o Sargento Manoel Raimundo foi preso em 11 de março de 1966, pela Companhia de Polícia do Exército (PE), onde começaram as sessões de espancamento. Posteriormente, Manoel foi entregue ao DOPS com a recomendação de que só poderia ser solto por ordem da Polícia do Exército. No DOPS, foi submetido a novas torturas até que no dia 19 de março foi transferido para a ilha-presídio existente no Rio Guaíba. Segundo depoimentos, ele era diariamente torturado, foi colocado várias vezes no pau-de-arara, sofreu choques elétricos, espancamentos e queimaduras por pontas de cigarros. Em 13 de agosto foi novamente recambiado para o DOPS e, em 24 de agosto, cinco meses depois de sua prisão, seu corpo foi encontrado no rio.

A necrópsia do cadáver indicou marcas de violência e que Manoel faleceu entre os dias 13 e 20/8/1966, quando, amarrado, foi submetido a “caldo” ou afogamento e seu corpo foi “desovado” posteriormente.

Uma possível explicação para tanta crueldade é o fato de que, por ser um militar, era preciso fazê-lo de exemplo para os demais que não pactuassem com o novo regime.

O tempo passou, os militares articuladores do golpe deixaram o poder. A Comissão de Anistia indenizou e reintegrou centenas* de outros militares afastados e punidos naquele período, mas eles ainda são tratados com escárnio e como um subgrupo, sem os mesmos direitos que outros militares da reserva. Muitos sofreram sérios danos psicológicos e sempre tiveram dificuldades em assimilar a sua não aceitação pela Forças Armadas que tanto admiravam, conforme relataram às Clínicas dos Testemunhos, hoje extintas.

Grande parte desses militares anistiados sequer sabia o que ocorria no país no âmbito político. A maioria deles era composta de jovens de origem humilde, que viam no Exército uma possibilidade de estudar e de ter um trabalho digno. Jovens como o nortista Manoel Raimundo, que era filho apenas de Etelvina, registado sem o reconhecimento paterno e que aos 17 anos veio para as regiões Sudeste e Sul para procurar uma vida melhor.

Em nome do Sargento Manoel Raimundo Soares, o “Caso das Mãos Amarradas”, homenageamos a todos os militares que foram perseguidos e que pereceram por defenderem a ordem jurídica.

“Para que não se esqueça, para que não se repita”

P.S.: texto baseado nos arquivos da CEMDP; publicado para divulgação da I Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência Estatal.

* Atualização da publicação de 15.03 – sobre o Sargento Manoel RaImundo Soares, o “Caso das Mãos Amarradas”.

Publicamos no texto original que era de centenas o número de ex-militares anistiados por terem sido atingidos por atos de exceção.

Entretanto, fomos informados de que esse número gira em torno de 15.000 pessoas.

Esse número é alarmante. Significa que o contingente de militares anistiados é de quase um terço das pessoas anistiadas em todo o País. Isto exige que façamos alguma reflexão a respeito.

Conforme mencionado, em seus depoimentos às Clínicas de Testemunhos, muitos desses ex-militares revelaram que não foram aceitos nas corporações especialmente por não se mostrarem “duros” o suficiente para receber e praticar atos de tortura e outros atentatórios à dignidade humana. Às vezes, a punição decorria do simples fato de serem pegos lendo, por exemplo, livros de Darcy Ribeiro.

A conclusão que podemos extrair desses dados é a de que as Forças Armadas e militares realizaram uma verdadeira limpeza “ideológica” nesse período. Isto também explica o padrão que tais agentes mantiveram mesmo após o final da ditadura de 1964-1985 de negação das violações ocorridas e de defesa de torturadores.

A revisão dos padrões de seleção e de treinamento de integrantes das forças de segurança é requisito essencial da Jusrica de Transição. É mais um que o Brasil tarda em cumprir.

“Para que não se esqueça…”

Redação

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