A direita francesa abriu as portas para os alemães, por André Araújo

Por André Araújo
Charles Maurras (1868-1952)  foi um célebre ativista da direita francesa anterior à Segunda Guerra. É extraordinária a semelhança ideológica daquele momento de inflexão da História da França, quando fanáticos da anti-política abriram o caminho para a derrota francesa, sua ocupação pela Alemanha por  quatro anos e o posterior renascimento francês pelas mãos de De Gaulle.
O líder ideológico dessa direita raivosa era Charles Maurras, um pensador com grande número de seguidores, que achava a Revolução Francesa um erro histórico que desviou de seu caminho a “França dos 40 reis” em sua grandeza milenar. Maurras criou um movimento, a AÇÃO FRANCESA,  anti-democracia e anti-progressista, ideologicamente confusa mas com todos os cacoetes da direita enraivecida, movimento catalisador de um larga faixa da da classe média tradicionalista e de parte da alta burguesia, que protagonizou um processo de acirramento de ânimos que precedeu à invasão alemã de 1940.

Esses seguidores da Action Française era puristas fanáticos da anti-corrupção, de fato a atividade partidária da Terceira República pré-Guerra era essencialmente corrupta, participante de inúmeros escândalos financeiros, como o caso Stavisky. Com base nessa visão tosca e primitiva, hoje também presente no Brasil, que a “a política deve ser purificada” destruindo-a, a purificação não se dá pela reforma e sim pela fogueira dos impuros.
Os seguidores de Maurras preferiam uma França derrotada e ocupada pelo estrangeiro a ter que conviver com políticos que eles consideravam corruptos. Esses moralistas de almanaque não tem capacidade intelectual para entender que a política não é limpa em lugar algum do mundo, nem no tempo histórico,  que o preço da Democracia é tolerar um certo nível de impurezas porque a ALTERNATIVA é uma ditadura, onde a corrupção além de ser muito maior anda de braços dados com a a opressão e facilmente deriva para a tirania.
Outra semelhança do processo francês e do atual processo brasileiro é a grande participação da IMPRENSA no acirramento dos ânimos, no atiçamento das rivalidades, no açulamento das massas para corroer o ambiente político. Ao fim, após junho de 1940, a mesma imprensa ou se vendeu aos alemães ou foi fechada e seus jornalistas presos ou exilados.
A França na década de 30 teve um conturbado governo de esquerda, o Front Populaire chefiado por Leon Blum, político judeu, algo insuportável para um larga faixa de franceses que viam na política e nos políticos a desgraça da França, eram contra tudo e contra todos, na linha “sou contra tudo isso que esta aí”, estado de espírito que muito facilitou a vitória alemã de junho de 1940, quando o invasor passou a ser visto como parceiro contra a esquerda corrupta.
O Front Populaire era uma frente de socialistas e comunistas, formada em dezembro de 1935, ganhou as eleições de maio de 1936, para grande escândalo da direita, na realidade o Front Populaire era um governo reformista na linha do PT no Brasil, sem romper com o establishment das 200 famílias que mandavam na França, mas assustando a média burguesia.
Maurras, que era um intelectual com certa notoriedade, poeta e escritor, membro da Academia Francesa,  apoiou a França de Vichy, o regime colaboracionista da Alemanha que aceitou a ocupação. Esse grande grupo da opinião pública francesa via nos alemães o remédio necessário contra a esquerda e nesse grupo estava a maior parte da direita francesa, com Maurras a frente, apoiando o novo governo pro-alemão chefiado pelo Marechal Pétain, herói na Primeira Guerra e traidor na Segunda Guerra.
O filme de Costa Gravas “SECÇÃO ESPECIAL DE JUSTIÇA” sobre o qual aqui já escrevi dois posts, demonstra a subserviência do poder judiciário francês aos alemães, mantido o cerimonial da tradição, as togas, os selos e os rituais, quem dava as ordens eram os alemães.
No filme, um oficial alemão, ao acompanhar um processo criminal de interesse da Alemanha para condenar dois sabotadores franceses, observou ao juiz francês que aquela sentença era tão absurda que seria ilegal até na Alemanha, observando “Excelência, não se pode condenar alguém com lei retroativa, isso é possível na França?” demonstrando seu desprezo pela bajulação do judiciário francês ao invasor alemão, fruto desse ambiente de direita.
Os alemães souberam tirar partido desse cenário para invadir e ocupar a França com baixo custo militar. Seu Embaixador em Paris desde 1936 era Otto Abetz, um alemão refinado, culto, que se insinuou com grande sucesso nos “salons” da alta sociedade francesa, a quem encantava com seu charme, seu francês perfeito, seu conhecimento da cultura francesa.
Não era todavia só o charme. A Embaixada alemã subornava com mesadas 12 jornais para serem simpáticos à Alemanha e abria seus salões para magnificas recepções a jornalistas, colunistas e colaboradores da imprensa para que apoiassem a causa da Alemanha nazi.
A grande semelhança entre aquela direita obtusa, raivosa, fanática e uma faixa da atual direita brasileira, da mesma forma constituída por pequenos burgueses sem fortuna mas que odeiam a esquerda e tudo o que esta representa. A direita francesa de 1939 preferia os alemães à esquerda, achavam que os alemães iriam “por ordem na bagunça” e eliminar a corrupção. Na realidade a ocupação alemã foi o apogeu da corrupção na história da Europa com seus “escritórios de compra” de produtos no mercado negro para enviar à Alemanha, especialmente bens de luxo, Hitler fazia questão que as esposas de oficiais das forças armadas tivessem perfumes e moda refinada, que só a França dispunha. Os escritórios de compra, chamados “esquema Otto” pagavam as compras em dinheiro vivo, tudo sem documentos, absorveram boa parte do champagne, das sedas, dos perfumes, das iguarias disponíveis no mercado paralelo, os alemães não olhavam preço, queriam o máximo de mercadorias para enviar à Alemanha e agradar a população civil e a classe média das cidades. Há um célebre livro de Jacques Delarue “Trafics et Crimes sous l´Occupation” onde esse mecanismo de compras alemãs no mercado negro é descrito em detalhes.
Maurras foi eleito para a Academia Francesa, assim como Pétain, apoiou o regime de Vichy até o fim, como consequência foi preso e condenado à prisão perpétua por crime de alta traição, morrendo em 1952. Maurras simbolizou o francês mesquinho, de visão pequena, não humanista, anti-democracia, anti-políticos, a sua tipologia intelectual se replica em jornalistas e comentaristas atuais da mídia brasileira, com a mesma visão pobre da História, da vida, da sociedade, como aqueles franceses que viam nos alemães a salvação da França contra sua democracia parlamentar corrupta de muitos partidos, aqui alguns dessa direita ideológica veem no Departamento de Justiça dos EUA a salvação do Brasil.
Por ironia e por absoluta falta de capacidade de compreensão, esses fanáticos do moralismo irreal na política não percebem que o jogo do poder se pratica sempre com regras impuras.
Enquanto a corrupção eleitoral, baseada nos partidos e na política, faz arrepiar esses fanáticos, outra corrupção, infinitamente maior, passa sob seus olhos sem que eles vejam.
A corrupção da propina em torno da política alcançou com muito exagero 10 bilhões de Reais em 12 anos, mas um só semestre de manipulação cambial no Banco Central (1º semestre de 2016) trouxe ao País um PREJUÍZO de R$207 bilhões, isso em apenas meio ano.
Um contumaz acusador da política que fala cem vezes por dia em certo “projeto criminoso de poder”, jamais falou um décimo de segundo sobre as proezas do Banco Central basicamente estruturadas para garantir segurança e lucros aos especuladores de Nova York, não fala porque não sabe, não entende, não conhece, trata-se de algo acima de seu alcance mental, mas propina é uma coisa simples que qualquer um entende o que é e como se faz.
Graças aos fanáticos do moralismo de almanaque, o Brasil está destruindo suas grandes empresas que pagaram propina por necessidade de funcionar, deixando a terra arrasada para empresas chinesas cujo jogo é bem mais pesado do que nossas simplórias empresas, como  os “bons cidadãos” franceses destruíram a democracia parlamentar francesa para entregar o governo aos alemães no crença que os alemães seriam bons administradores.
O momento atual do Brasil é o momento do irrealismo, para um País com 500 anos de corrupção pretender um purismo do convento das carmelitas descalças na área política e se assim não for preferem entregar o País aos americanos do que ter a paciência de reformar o errado no tempo histórico.
Por ironia, como na França de 1940, os apóstolos da pureza não são nada puros, há grande simulação de desprendimento  encobrindo  ambições e vantagens imodestas, o virtuosismo esconde um vasto jogo de poder, a virtude sempre foi eficiente bandeira para conquista da cidadela infiel.
Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

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  • Ótimo texto!

    Excelente texto! André Araújo parabêns! Coloque tudo isso num livro, terei o prazer de comprar!

    • E aproveitando
      Escolha os comentários que considera relevantes. O debate aqui é ótimo. Como sempre gostei de história, é um deleite.

    • Europa, ah Europa........

          O "virús" do extremismo de direita no contexto europeu é como o " Grifo ", não é como alguns dizem uma "serpente" pois estas são mortais, já os "Grifos" são seres mitológicos, não "morrem", sempre estão a espreita para renascerem, e parece que os europeus esuqecem rapido a história recente ( um século na História, é "nada" de tempo ).

            Sempre lembro para amigos europeus, até alguns parentes, que no ultimo combate travado entre as forças nazistas e soviéticas, ao final da Batalha de Berlin - o combate pelo Reichstag und Hitler Bunker - foram travados não por unidades "alemãs", mas por unidades da Waffen - SS compostas de franceses, dinamarqueses/holandeses/suecos e belgas, a 33a Waffen-SS " CharleMagne " - herdeira da "Action Française" a LVF, ou 1. SS "Francoïze Div. " ( Comandados por Henri Fennet ) - a 5a Waffen SS " Viking" com elementos da 11a " Norland " e belgas oriundos da 28a SS de Leon Degrelle.

           Ambas estas "criaturas", Fennet e Degrelle, foram criminosos de guerra, e Degrelle até sua morte em 1984 na Espanha, alem de nunca ter sido julgado, quer pelos belgas ou aliados, e sua extradição a Russia sempre negada, atuou politicamente em movimentos neo-nazistas europeus, ainda hj. na Bélgica - Flamenga, é considerado um "herói", já Fennet condenado por um tribunal francês em 1.949 a sentença de 20 anos com trabalhos forçados ( a pena original era a morte por fuzilamento ), em 1959 teve sua pena comutada e liberado para "viver a vida", que ainda lhe restava, que foi bem longa, afinal morreu em 2002, nunca negando os crimes que cometeu, aliás Jean - Marie Le Pen o considerava como um "patriota francês"

    • Seguindo a risca

      O script de "o forte é mais forte sozinho". Primeiro aniquila a concorrência de Fillon para após enfrentar o real oponente , o ungido Macron.

      Temos uma coabitação a vista.

      Em 2022 teremos o  Mohammed Ben Abbes de Houellebecq,  qualquer que seja o seu nome real!

    • Você não deixou claro quem é

      Você não deixou claro quem é o "conservador",se o senhor Andre Araujo ou o Professor Claudio Lembo?Posso lhe afirmar peremptoriamente,que o ultimo não ia gostar nadica de nada dessa crudélissima comparação.

      • Por coincidencia vi o

        Por coincidencia vi o ex-Governador Lembo, ele e a esposa, na ultima 6ª feira na Casa Santa Luzia, fazendo compras, o professor estava com otima aparencia.

    • Lembra extraordinaeriamente

      Lembra extraordinaeriamente certo professor de historia histerico que quer por todos os politicos na cadeia, abrindo espaço para um aventureiro SALVADOR DA PATRIA. Para ele todos são "bandidos", prendam-se todos ai chega um bandido de muito maior letalidade cuja primeiras vitimas serão os professores de historia pequenos burgueses que pregam a fogueira geral.

      Não ha nada mais patético do que pequenos burgueses pobre de extrema direita, à direita dos bilionarios da FORBES.

      • Acho que há sim, André. São

        Acho que há sim, André. São os jornalistas que começaram na extrema esquerda e se tornam de extrema direita. Hoje em dia, Reinaldo Azevedo é um exemplo acabado disso. A vista grossa que ele faz aos atos de Gilmar Mendes - justificando todo ato tresloucado de Mendes - é uma das coisas mais bizarras que vêm acontecendo. Chega ao ponto de RA  apoiar Mendes como presidente por via indireta. 

      • E a qual direita o senhor

        E a qual direita o senhor pertence?

        Ainda não consegui descobrir.

        Sei que adora uma rainha, a monarquia, que defende a ditadura militar brasileira e, as vezes, critica a direita francesa.

        Por favor, se responder, não me venha com essa de que não existe mais "direita e esquerda" e que não pertence a nenhum lado.

  • Sensacional!

    Como sempre, André Araújo nos brinda com textos claros, precisos e oportunos.

    Grato pelo presente.

  • Muito bom. Novamente,

    Muito bom. Novamente, registros históricos e o presente, entrelaçados. A plutocracia nacional  tem como parâmetro histórico o regime da escravidão.  

    • Vc. não vai acreditar, mas.....

          O Marco Antonio é o tipico intelectual que foi de "esquerda", como outros varios, como um que escreve na FSP que é de origem "trotskista".

           

  • Uma pequena colaboração ao seu instigante artigo

    Já que o sr. citou um filme, cito outro.
    De junho de 1940 a agosto 1941, os membros que tomaram o poder em Vichy implementa uma política de "colaboração" com a Alemanha nazista. Se Philippe Pétain impôs a sua ideologia reacionária e sua "Revolução Nacional", Pierre Laval, Primeiro-ministro se pôs à frente. Em 1941, a colaboração se intensifica entre a França e a Alemanha e o serviço de trabalho obrigatório se configura. Os líderes da colaboração tornam a França um estado anti-semita e miliciano que gradualmente sincronizam com a lógica do ocupante e será cúmplice na morte de 78.000 judeus. Essa foi precisamente a colaboração? Qual foi a sua especificidade francesa? Quais as características comuns a toda a  Europa ocupada? Quem eram os instigadores e os atores? O dano que ela causou ao país? E como os ocupantes alemães jogaram em seu interesse com o desejo francês para "colaborar" com ele? O filme Gabriel Le Bomin restaura este período opaco em que a tragédia, o cinismo, o engano, a sinceridade, o grotesco e o cruel combinam em muitos movimentos complexos e contraditórios. A colaboração é plural (sóciopolítico-econômico e cultural) porque às vezes dividido contra si mesmo, povoada por rivais e seres sintonizados: os "maréchalistes" tão poderosos em 1940 e cuja influência é reduzida como um gotejamento, reforçando os aventureiros fascistas "colaboracionista" com o sonho de uma jovem hitlérisée francesa. Complexo também porque para colaborar é preciso no mínimo dois. O original no filme é criar um ponto de encontro, dando o ponto de vista dos alemães no filme Collaborations (Aqui) ou, se for incorporado, abaixo. Cantaram a Marselhesa até com saudação nazista.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=DWYAiMmtdHQ align:center]

    Sobre o papel fundamental de Otto Abetz, que é tratado no filme, vale dá uma olhada no Le Monde e Aqui


    Otto Abetz e Philippe Pétain apertando as mãos em novembro de 1941. (Le Monde © CDJC)

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