De modelos e crises

Amig@s,

Segue uma tradução ao portugês deste artigo, publicado originalmente em “Rebelión“.

Boa leitura a todos. 

A Irlanda como exemplo

Por Juan Torres López

Durante vários anos, o “modelo” irlandês esteve na moda e foi recomendado com insistência aos demais países: uma política de impostos reduzidos sobre o capital (quase a metade da média europeia), a ampla liberalização da atividade econômica e as privatizações, a contenção salarial e a grande liberdade de ação dos capitais eram considerados a chave de seu sucesso e constituíam a receita que qualquer outro país deveria adotar caso quisesse se tornar tão próspero e dinâmico quanto o então “tigre celta”. Claro que estávamos a falar de um êxito cuja única medida era o crescimento vertiginoso do PIB, e não na diminuição das desigualdades ou no desnível entre os padrões de bem-estar do país com relação à média europeia.

Os governos conservadores facilitavam a atividade dos bancos que se dispunham a criar dívida e a financiar a atividade especulativa desenfreada, sem que a aqueles ou a estes preocupasse a geração de bolhas imobiliárias ou a rarefeita base real do crescimento que se sucedia.

Na verdade, a Irlanda não fazia nada além de aplicar, como um bom aluno, as políticas de ajuste estrutural que o FMI vem propondo, há muitos anos, para favorecer o crescimento dos rendimentos do capital. Por isso, o Fundo aplaudia o que ali se executava, afirmando que a política econômica da Irlanda oferecia lições úteis a outros países (FMI. IMF Concludes 2004 Article IV Consultation with Ireland: http://bit.ly/aiaxUw).

Como muitos de nós, economistas críticos, vimos afirmando, estas políticas neoliberais estão na raiz da última crise e também por isso não foi por acaso que o aluno europeu que as aplicou mais fielmente tenha sido precisamente o primeiro a entrar em recessão em 2008, quando se desencadeou a crise das hipotecas-lixo.

Também não é por acaso que o país que tenha primeiramente lançado mão de planos de austeridade como resposta à crise seja novamente vergastado por ela neste momento.

Na verdade, a Irlanda é, nos dias que correm, uma espécie de laboratório que permite comprovar o efeito das políticas neoliberais de austeridade impostas pelo fundamentalismo dominante há anos na Europa.

Embora poucos agora se recordem, a Irlanda aprovou, antes de todos os demais, um grande pacote de austeridade e contenção de despesas: reduziu em 20% os vencimentos dos funcionários públicos e em 10% os benefícios sociais, além de efetuar cortes em diversos programas de gastos públicos e sociais. Enquanto isso colocou à disposição de bancos quebrados dezenas de bilhões de euros que jogaram às nuvens o déficit e a dívida do Estado.

Ao tomar estas medidas, a Irlanda foi novamente citada como um exemplo a ser seguido por outros países. Os meios de comunicação neoliberais, a Comissão Europeia e – claro – o FMI aplaudiram sua política de austeridade e contenção de gastos frente à crise.

Este último organismo, gabando-se de sua forma desavergonhada de fazer prognósticos econômicos, afirmou, para poder aplaudir as medidas adotadas como se tivessem fundamento, que graças a estas a economia irlandesa cresceria cerca de 1% em 2009.

Sem embargo, seu efeito real foi diverso, como os economistas críticos previam que iria ocorrer, tanto ali como em outros países onde aquelas políticas fossem aplicadas: em 2009, o PIB irlandês, em vez de crescer, baixou 11%.

Com essa queda estrepitosa, uma redução de 30% nos níveis de investimento e de mais de 7% no consumo, a economia não foi capaz de gerar recursos suficientes; tornou-se mais difícil fazer frente à dívida e esta seguiu crescendo, o que fez, ainda por cima, com que os mercados a punissem, elevando seus custos de refinanciamento.

Mais ainda: por deixar de levar a cabo uma verdadeira reforma financeira, a situação patrimonial dos bancos continuou se agravando e agora é necessária uma nova e generosa dose de injeção de liquidez para reerguê-los: uns 50 bilhões de euros, só para eles.

Ao cabo de todos estes acontecimentos, a Comissão Europeia e o FMI não deram o mais remoto sinal de autocrítica: depois de afirmar que aquilo que a Irlanda fazia era exemplar, nada têm a dizer quando o seu “modelo” voa pelos ares, como era inevitável suceder em consequência de tais políticas. Em vez disso, limitam-se a pressionar o país para que se ponha a seus pés e a informar previamente quem pagará a conta: “A UE exigirá à Irlanda a elevação de impostos para que o resgate seja pago”, anunciam hoje os meios de comunicação europeus.

A Irlanda é, efetivamente, um bom exemplo. Daquilo a que conduzem as políticas neoliberais antes da crise, e para onde levam o país agora, quando são novamente impostas sob a forma de austeridade orçamentária, de um lado, e do outro, de plena liberdade e apoio aos bancos para que continuem a agir como bem entendem.

O autor é professor titular de Economia Aplicada da Universidade de Sevilha: www.juantorreslopez.com

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador