Está na hora de abrir as discussões sobre emissão de moeda, por Luis Nassif

Emitindo moeda, os críticos apontam dois riscos: volta da inflação e fuga dos investimentos externos. Falar em volta da inflação, no nível atual de recessão e desemprego, é bobagem. Vamos centrar a análise no presumível risco de fuga de recursos externos.

Aprendi algo em meus anos de jornalismo econômico. Para avaliar se determinada teoria é válida ou não, entenda a lógica que a sustenta; e compare com os efeitos na economia real.

Por exemplo, o sistema de metas inflacionárias prevê um aumento das taxas de juros a cada aumento da expectativa de inflação. Qual a lógica por trás disso? Aumentando os juros, encarece o custo do dinheiro reduzindo a demanda por crédito ao consumidor e no financiamento de capital de giro.

Olhando o mundo real, constatava-se que um ponto ano a mais na taxa Selic, sequer fazia cócegas no custo do crédito ao consumidor – na faixa de 3% ao mês (!) -, e tinha efeito insignificante no custo final dos produtos. Logo, o mundo real não convalidava a teoria. O único efeito era provocar uma demanda maior de dólares especulativos atrás das taxas de juros, reduzindo o preço dos produtos comercializáveis (exportáveis e importados), prejudicando as exportações e o saldo comercial brasileiro. Essa teoria é a maior responsável pela industrialização da economia brasileira nas últimas décadas, ao baratear artificialmente os produtos importados.

Quando nos debruçamos sobre a emissão de moedas, a análise de causalidade é a mesma: não há nada que convalide os receios levantados.

Um dos perigos apontados é o de aumentar a inflação. Com a economia em quase processo de depressão, essa hipótese não existe.

O segundo perigo seria o da fuga de dólares do país. Por quê? Vamos entender as correlações.

Para o investimento externo, sair da recessão é ponto central. Não se discute. Como também não se discute que os gastos públicos são essenciais para essa retomada.

Há duas maneiras de conseguir recursos, no meio dessa crise: emitindo dívida pública ou emitindo moeda.

Emitindo títulos públicos, os efeitos são os seguintes:

  1. Aumento da dívida pública, criando insegurança em relação à sua sustentabilidade.
  2. Em função da relação dívida/PIB, pouco espaço para arrecadar recursos.
  3. Desvia recursos do setor privado para o setor público.
  4. Compromete mais ainda orçamentos futuros para pagar o serviço da dívida gerada agora.
  5. O aumento da vulnerabilidade espantaria o investimento externo, assim como a permanência de uma economia estagnada.

Emitindo moeda, os críticos apontam dois riscos: volta da inflação e fuga dos investimentos externos. Falar em volta da inflação, no nível atual de recessão e desemprego, é bobagem. Vamos centrar a análise no presumível risco de fuga de recursos externos.

Hoje em dia, a falta de liquidez (de dinheiro) derrubou preços das ações e dos títulos públicos e também de ativos reais – empresas e imóveis. O primeiro grupo, pela necessidade das instituições fazerem caixa para honrar os pedidos de resgate. O segundo grupo, pela quebradeira generalizada que está ocorrendo na economia.

Há três tipos de investimento externo: aqueles voltados para a atividade real (aumento da produção), os que se dirigem à especulação, em juros e ações, e os que vêm adquirir empresas quebradas na bacia das almas.

Vamos nos fixar nos investimentos especulativos.

Com a emissão de moeda, haverá possibilidade de injetar mais liquidez no mercado, reduzindo as vendas de ações e títulos públicos – e, com isso, contendo a sua queda. Reduzindo o prejuízo dos investimentos, haverá uma queda na volatilidade – e na fuga de capitais.

Cada vez que vai o preço dos títulos públicos, há um aumento nas taxas de juros de longo prazo.  A lógica é simples. Se. Preço atual é 80 e o de vencimento é de 100, a rentabilidade no período será de 25% (100 / 80). Se ocorre uma enxurrada de vendas e o preço cai para 75, significa que a taxa de juros de longo prazo aumentará para 33% (100 / 75). Se o governo quiser colocar títulos novos, terá que se basear na nova rentabilidade. Assim, ajudando a sustentar o preço dos papéis, a emissão de moeda ajuda a manter os juros de longo prazo sob controle, impactando menos a dívida pública pré-existente.

O receio dos investidores seria, então, a perda de controle nos gastos públicos. Ora, essa perda de controle poderá ocorrer com emissão de moeda ou com emissão de títulos, tanto faz. Depende da maneira como se monta o orçamento. Portanto, está além da discussão emissão de moeda x emissão de títulos.

O único risco de saída de investimento externo é o chamado efeito-manada. Cria-se um alarido irracional de que a emissão de moedas afastará investidores. O investidor sabe que não há nenhuma relação de causalidade, mas não sabe como será o comportamento dos demais investidores. Portanto, trata-se de um movimento estritamente especulativo, no qual a postura acrítica da mídia, reverberando todas as bobagens que o mercado diz, acaba cumprindo papel central nessa manipulação de expectativas.

Está mais que na hora de uma discussão honesta sobre o tema.

 

19 Comentários

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    1. A mídia representada por Luciano Hulk, já está fazendo sua parte dizendo, antecipadamente, que haverá fuga de dinheiro do país, se houver emissão de moeda.

  1. Nassif,melhor incentivar projetos de trocas de mercadorias tipo escambo ou moedas locais,esse governo q taí não é para CONSTRUIR e sim para DESTRUIR, são satanistas q usam o nome de Deus,é só ver q há somente confusão nele,agora qq proposta boa da oposição/progressistas/esquerdistas o governo fará o contrário só de birra,são medíocres e pensam somente nas suas sociedades secretas ops quero dizer nos seus umbigos !!

  2. A mídia representada por Luciano Hulk, já está fazendo sua parte dizendo, antecipadamente, que haverá fuga de dinheiro do país, se houver emissão de moeda.

  3. O Brasil está amarrado sob a união nefasta da mídia podre-quadrilheira-genocida com os abutres carniceiros do rentismo….. não há espaço para qualquer pensamento divergente, com os larápios torrando bilhões de dólares das reservas como se não houvesse amanhã….. pra muitos brasileiros não haverá…..

  4. “Essa teoria é a maior responsável pela industrialização da economia brasileira nas últimas décadas, ao baratear artificialmente os produtos importados.”

    Não seria DESINDUSTRIALIZAÇÃO?

  5. Com o nível de desemprego, que já está alto antes da COVID-19 e que vai aumentar brutalmente após essa crise, mais a capacidade ociosa da indústria, a melhor saída é a emissão de moeda.Com essas condicionantes, desemprego alto e capacidade ociosa, não há risco de inflação, se não houver nenhum choque de oferta negativo relevante. O receio é que essa crise cause desabastecimento (choque de oferta negativo) e isso gere inflação, apesar da recessão e do desemprego. O câmbio também preocupa.

  6. Um dos elementos mais farsescamente utilizados no capitalismo de mercado, sempre que possível, é a “livre” concorrência, aquela em que qualquer “concorrente”*) tenta destruir e se possível monopolizar (exs. IBM, Microsoft, etc.), ou manter a concorrência em níveis tão pequenos que não incomodem.
    E nestes tempos neoliberais de corporações gigantescas maiores que países, de “hostile takeovers”, “poison pills”, ganhos por valorização de capital ou ganhos contábeis financeiros e não por lucros operacionais, “meritocracias” hereditárias e premiação de “sucessos” criminosos, isto tudo virou “commoditty” nos meios financeiros que controlam tudo sem sequer ter afinidade operacional com os negócios.
    No caso da concorrência entre o poder dos Estados poderem pedir dinheiro emprestado (DÍVIDA) a quem já tem 3 vezes mais** do que o PIB mundial ou imprimir títulos PRÓPRIOS (ou o dinheiro não é uma promessa de valor de pagamento garantida pelo Estado?), quem vc acha que vai usar de todos os meios acadêmicos, midiáticos, governamentais, etc.) para destruir a “concorrência”?
    O neutro ESTADO ou o PRIVADO interesse dos acumuladores de dinheiro, que regulam a torneira em acordo consigo?
    Ora, ora, d.Aurora, a menos que provem ou demonstrem, como questionado em outro comentário sobre simulações computarizadas), é mais fácil comprar governos, míRdias e “professores” (evangelistas) acadêmicos e outros formadores e decisores do que abrir mão deste “mercado” de renda tranquila e trilionária, destruindo a “concorrência (emissão do Estado) e garantindo um monopólio “aceito” por todos.
    Some-se a este monopólio a terceira possibilidade, de irrigar distribuidamente a economia, que é a arrecadação, hoje estrangulada num perverso processo de rolagem da divida (sempre crescente) dos superávits primários (a “melhor” das hipóteses), ou déficits. Ninguém sequer tenta ou fala de superávit NOMINAL (que amortiza o capital, diminuindo a divida de fato.
    É um paradisíaco meio de ganhar dinheiro ETERNAMENTE sem fazer nada a não ser ter o … dinheiro acumulado (seja lá por que meios meritocráticos ou criminosos forem).
    Melhor ainda: com uma RESERVA FRACIONÁRIA (dinheiro que NÃO EXISTE, autorizado OFICIALMENTE para ALGUNS, como cartórios!).
    Nem Lúcifer alçado ao Paraíso faria melhor.
    Nestes tempos modernos de sistemas globais quase quânticos, já está chegando ao ridículo falar em “estoques” de dinheiro impresso ou cunhado (“coisa de pobre”), onde a maioria dos pagamentos e transferências já é feita por meio eletrônico, como uma compra feita em Quixeramobim feita por um app (ex. Ali Baba) numa indústria qualquer em “Xing Xang Yong” na China e paga um frete nos EUA.
    Já temos até moedas virtuais, criadas e mantidas por algoritmos e criptografias!
    Portanto, um dos paradigmas que podem ser quebrados no pós Covid19 é esse de dinheiro “estocado em silos regulatórios” com ALGUNS x dinheiro circulando para TODOS (ainda que em quantidades diferentes).
    Nem que se “chame a polícia” para gritar: “Vamos lá! Circulando! Circulando!…
    Vai depender do resultado do enfrentamento entre os que podem gastar dezenas de milhares de dólares por dia sem que seu dinheiro jamais acabe e o custo da pobreza e miséria neste planeta cada vez mais predado e desequilibrado.
    E quem precisa descobrir isso e agir é a classe “intermediária” (ela mesma!).
    Nem famosos presidentes americanos (exs. Jefferson, Lincoln, Eisenhower, dentre outros) declaradamente conseguiram.
    Será este estigma da Humanidade uma “vontade de Deus”?
    Alguns continuarão tentando nos convencer que sim.

    1. (*) Uma exceção bizzarra histórica e mundial é a do presidente da Petrobrás que em seu discurso de posse declarou que precisava “incentivar a concorrência!” Só num governo aberração (®TheNYTimes), némêz?
      (**) Antes da pandemia, vamos ver 12 meses depois do seu final

  7. Tentei postar comentário 3 vezes de 2 dispositivos diferente e não consegui. Caso seja algum problema transitório, favor dar preferência ao último postado, melhor revisado, eliminando os anteriores duplicados e este. Obrigado.

  8. Proponho a criação de uma moeda virtual para ser repassada, em forma de cartão de crédito, para a população da base da pirâmide social.
    Seria feito um orçamento virtual independente do orçamento normal da União. O montante da emissão seria dado pela formula: R$600,00 x 12 x N sendo N a população total que receberia esta moeda para ser usada como um cartão de crédito. Cad.a individuo receberia um cartão com limite total de R$7.200,00 e limite mensal de R$ 300,00 sendo R$ 100,00 em dinheiro em banco e o saldo em compras parceladas em 12 meses, no maximo. O banco receberia da União com juros pactuado.
    As únicas despesas vindo do caixa normal da Uniã o seria os juros do saques em dinheiro e o custo da administração do cartão.
    -Facilmente seria con trolada a pressão inflacionária que surgisse. E a esta renda da base da pirâmide social faria movimentar a economia, pois é renda direta, mensal para a classe mais necessitada.

  9. Nassif, apesar de concordar contigo cheguei a conclusão que na atual conjuntura epidêmica, onde vejo os fantasmas da morte, da doença, do isolamento, da possibilidade do aumento do desemprego e da aproximação real da miséria pairar sobre muitos, também vejo que nós correremos o risco sofrermos um aumento preocupante da insatisfação popular. Afinal, como sempre aconteceu, já sabemos que havendo insucesso em qualquer medida econômica que o governo que possa adotar, o débito do prejuízo é creditado sempre e exclusivamente na conta da população. Por outro lado, os afortunados que estão com seus cofres estupidamente abarrotados de imensas fortunas foram e são historicamente os seletivos privilegiados de sempre, que pelo poder financeiro e da influência que desfrutam, seguem se mantendo como protegidos e também como os excluídos na divisão dos prejuízos causados ao país. Então, não apenas por essas constantes ameaças, mas também pelo tempo que já bastou e já passou da hora, nós temos o dever de exigir que antes de se estudar qualquer decisão técnica, que envolva a implantação de novas ações econômicas e financeiras no país, o governo tem que, em primeiro lugar, providenciar corajosamente a seguintes medidas:
    – aplicar uma definitiva e rígida taxação sobre as grandes fortunas
    – aplicar o fim definitivo sobre as indecentes e imorais isenções fiscais que premiam seletivamente e abundantemente os acionistas pelo resultado dos lucros e dividendos de suas aplicações como acionistas
    – aplicar imediatamente a taxação de impostos que seja progressiva ao volume dos fabulosos lucros dos bancos e das grandes corporações, exatamente como fazem com os menos favorecidos.
    – aplicar finalmente e definitivamente, o fim de todas as mordomias que as instituições públicas oferecem a quem quer que seja de seus quadros funcionais.
    Assim, eu imagino que se não houver um basta definitivo para ponha um fim a todas essas regalias, dificilmente qualquer fórmula ou qualquer avaliação, que indique um sinal de sucesso às medidas governamentais implantadas, terá qualquer chance de sucesso. O governo tem que acordar e perceber que a população já sabe que nenhuma medida terá qualquer resposta de sucesso, enquanto toda essa vergonhosa injustiça continuar acontecendo e desfilando cinicamente diante da nossa indignada presença.

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