Analistas ressuscitam catastrofismo inflacionário e pressionam governo
por Lauro Veiga Filho
Expressões notoriamente utilizadas durante os anos de superinflação, nas décadas de 1980 e 1990, voltaram a frequentar “análises” e “relatórios” distribuídos por agentes financeiros e consultores, inundando ainda o noticiário econômico na grande imprensa corporativa. Parte da terminologia exercitada pelos mesmos setores naquele período foi ressuscitada agora para, de um lado, dar sustentação à política de arrocho praticada pelo Banco Central (BC), ancorada nas taxas de juros mais altas do planeta, e ainda para reforçar, em outro flanco, a ofensiva destinada a ampliar o desmonte do Estado brasileiro, pressionado o governo a desmantelar políticas sociais que favorecem expressamente as faixas de renda mais baixa da população.
Assim, estão de volta as “pressões persistentes” de alta dos preços, a “espiral inflacionária” e o “descontrole inflacionário”. Nos dias que correm, o catastrofismo fabricado para manipular e desinformar ganha mais espaço e “curtidas” do que dados da realidade. Porta-vozes do mercado financeiro inundaram as caixas de correio eletrônico e conseguiram emplacar manchetes nos jornalões sugerindo que o País estaria diante do risco de uma escalada dos preços, motivada por pressões de alta em setores “sensíveis”, como alimentação e energia elétrica. O adiamento do tão reclamado pacote de corte de gastos veio como a “cereja do bolo”, aparentemente justificando os piores temores do mercado.
Há larga dose de exagero e mistificação nas análises mais recorrentes nesta área. O pretexto mais recente veio com a divulgação na sexta-feira, 8, do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês passado, aferido entre 28 de setembro e 29 de outubro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice veio ligeiramente acima da média projetada pelos mercados, apresentando variação de 0,56% no período e passando a acumular variação de 4,76% em 12 meses, acima, portanto, do teto da meta inflacionária, fixada em 4,50%.
O estopim
O dado, sem qualquer apreciação mais profunda, serviu de estopim para a escalada do catastrofismo, sugerindo que a tendência para os preços daqui em diante seria necessariamente de alta, com analistas mencionando pressões altistas nos setores de energia, alimentos e até mesmo combustíveis, que têm apresentado queda mais recentemente. No mês passado, registraram baixa de 0,17% e já haviam anotado recuo de 0,02% em setembro. Há riscos de aumentos daqui para frente? Evidentemente, não se pode descartar essa possibilidade, já que um agravamento eventual dos conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia tenderiam a reacender as pressões sobre os preços do petróleo. Até aqui, no entanto, os preços do barril do petróleo tipo Brent acumulavam, em 30 dias, uma queda de 7,9%.
Os dados concretos do IBGE mostram que a inflação continua sob pressão de fatores gerados pela estiagem prolongada que afetou não apenas a oferta de alimentos, notoriamente carnes e leite, mas igualmente causou a queda nos níveis de reservatórios das usinas de geração hidroelétrica, obrigando a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a adotar a bandeira vermelha nível dois, que impôs às tarifas um adicional de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (KWh) consumidos.
Na média, na medição do IPCA, o custo da energia elétrica para as residências havia subido 5,36% em setembro, respondendo por quase 48,0% da inflação daquele mês, depois de ter apresentado queda de 2,77% em agosto. Desde lá, a variação já havia perdido fôlego, com alta de 5,29% nas quatro semanas encerradas em 11 de outubro e encerrando o mês passado em 4,74%, o que correspondeu a uma contribuição de 34,91% na formação do IPCA de 0,56% no acumulado nas quatro semanas daquele mesmo mês.
Essa tendência deve ser acentuada a partir de novembro, com a entrada em vigor da bandeira tarifária amarela. A cobrança adicional sobre a tarifa será reduzida para R$ 1,885 a cada 100 KWh (quer dizer, nada menos do que 76,07% menor do que o valor imposto a mais enquanto a bandeira vermelha nível dois esteve em vigor). Para deixar claro, a tarifa final incluída na fatura da energia residencial não vai cair naquela mesma proporção, mas será barateada ao longo do mês, fazendo reduzir a inflação e mesmo compensando eventuais focos de alta ao longo do período.
Volta das chuvas
Na mesma medida da melhora dos níveis dos reservatórios, previsível diante da normalização das chuvas, a tendência mais adiante será de retirada da bandeira tarifária, o que exercerá pressão adicional de baixa sobre o IPCA. O mesmo fator tende a atuar em favor de preços relativamente mais bem-comportados para os alimentos, com a normalização da oferta de bois e da produção de leite, ambas favorecidas pela recuperação das pastagens.
Pouco mais de 90% da “inflação” dos alimentos consumidos nos domicílios pelas famílias, que subiram 1,22% em outubro e responderam praticamente por um terço do IPCA “cheio”, foram resultado de altas nos preços das carnes, do leite longa vida e do café moído (neste caso, como reflexo também do cenário internacional de baixa oferta do grão). A elevação dos custos da alimentação em domicílio e fora de casa e a alta da energia elétrica residencial, nos dois casos explicada em grande medida pela seca, foram responsáveis por 75,13% do IPCA. Esses dados ajudam a demonstrar o nível de manipulação e de incorreção das análises que antecipam riscos de escalada inflacionária no País.
Vencida a estiagem, a regularização dos reservatórios, a recuperação das pastagens e a retomada da oferta de folhas, verduras e frutas tenderão a esvaziar os focos de aumento de preços, produzindo taxas de inflação decrescentes nas semanas finais do ano. Apenas para reforçar o caráter especulativo das análises predominantes no noticiário dos jornalões, a inflação acumulada em 12 meses até setembro do ano passado havia alcançado 4,82%, levemente acima dos 4,76% observados nos 12 meses seguintes. De toda forma, os dados não referendam o cenário de descontrole e escalada inflacionária alardeado pelo catastrofismo corrente.
Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.
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