Os alemães estão enganados. O princípio de que entidades soberanas nunca ficam inadimplentes é inaceitável.

Martin Wolf – Valor Econômico

08/09/2010

Que país é o maior beneficiário da criação da zona do euro? Minha resposta seria: Alemanha. Essa visão é pouca aceita até na própria Alemanha. Mas esse ceticismo precisa acabar. Não só a Alemanha é beneficiária, como deve reconhecer isso porque só assim os alemães apoiarão as reformas que a região necessita.

O ponto de partida deve ser o de que a crise não está morta, apenas adormecida. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, afirmou, em seu discurso sobre o “Estado da União” que “as perspectivas econômicas para a União Europeia são, hoje, melhores do que há um ano atrás, para o que contribuiu nossa ação determinada”. Isso é verdade. Mas a confiança não foi definitivamente restaurada. Novos choques são prováveis.

Por que, então, ao confrontar tais choques, devem os alemães aceitar que têm grande interesse no êxito da zona euro? A resposta imediata é que a economia é dependente da demanda por exportações alemãs. Entre 2000 e 2008, a demanda externa gerou até dois terços do crescimento da demanda mundial pela produção alemã. A Alemanha precisa de mercados cativos e de uma taxa de câmbio competitiva. A zona do euro proporcionou os dois requisitos, em grau excessivo: a crise na periferia puxou para baixo o valor do euro e muitos dos parceiros da Alemanha na zona do euro (que absorvem 40% de suas exportações – nove vezes mais do que a China) não são competitivos, após uma década de crescentes custos relativos.

Alguns economistas alemães têm uma opinião diferente. Meu amigo Hans-Werner Sinn, presidente do Instituto Ifo de Pesquisa Econômica, em Munique, oferece uma alternativa num artigo sobre a crise*. Seu ponto de partida está na área financeira. A integração do mercado de capitais na zona euro e a visão equivocada de que o risco havia desaparecido em sua periferia produziu uma convergência das taxas de juro. Isso provocou um boom de investimentos, especialmente na Espanha. E também permitiu que os governos negligentes, especialmente o grego, gastassem loucamente. Ao mesmo tempo, argumenta ele, a saída de capitais – a contrapartida do superávit em conta corrente – deixou a Alemanha sedenta por investimentos – o investimento líquido alemão, observa Sinn, foi o mais baixo no mundo desenvolvido entre 1995 e 2008. Isso, por sua vez, fez com que o crescimento alemão ficasse muito lento – a Alemanha registrou a menor taxa de crescimento na UE, com exceção da Itália, entre 1995 e 2009. Discordo de grande parte disso.

A conclusão é que a Alemanha foi (e é) uma grande beneficiária da existência da zona do euro e tem enorme interesse político e econômico em fazer a região dar certo, por mais impopular que essa visão possa ser. Afinal, o euro tem sido uma moeda estável.

Em primeiro lugar, o euro não foi a explicação crucial para o fraco investimento alemão. Meus cálculos sugerem que as taxas de juros reais alemãs também caíram após 1999. É verdade que os juros na periferia da Europa caíram mais. Mas, num mercado mundial de capitais saturado, é difícil acreditar que o investimento na Alemanha tenha sido assim asfixiado. É mais plausível que a fraca demanda doméstica, estruturas rígidas e a globalização mantiveram os investimentos baixos.

Por outro lado, para a periferia os ganhos foram transitórios, se não ilusórios. O afluxo de capital foi direcionado predominantemente para a construção civil e outras atividades não comercializáveis. Esse capital também fomentou explosões insustentáveis de consumo. Os déficits em conta corrente tornaram-se enormes. De novo, é verdade que os investidores alemães e os contribuintes perderão uma parte do dinheiro que investiram em economias muito menos seguras do que em sua percepção. Mas o custo desse padrão de expansão acelerada seguida de contração brusca no desenvolvimento será a um só tempo maior e mais prolongado na periferia. As chances de uma “década perdida” são elevadas.

Minha conclusão é de que a Alemanha foi (e é) uma grande beneficiária da existência da zona do euro. É seu interesse defender um futuro em que a zona do euro sobreviva e os países periféricos tenham êxito em ajustar suas economias. Nesse sentido, consideremos dois aspectos: demanda e reforma institucional.

Sobre a primeira Sinn argumenta que os pacotes de socorro devem incluir perdas para os credores. De fato, ele observa que o socorro à Grécia foi mais uma tentativa de esconder os prejuízos dos bancos, especialmente bancos franceses, do que de salvar os gregos. O princípio de que entidades soberanas nunca ficam inadimplentes é inaceitável. Mas eu gostaria de acrescentar que as reformas não devem concentrar-se apenas em disciplina fiscal, mas sim, pelo menos em alguma medida, na atenuação dos descontrolados ciclos de expansão acelerada seguida de brusco colapso no setor privado.

Sobre a demanda, dois pontos parecem claros. Em primeiro lugar, com ou sem razão (erroneamente, em minha opinião), a zona do euro baseia-se em contenção fiscal. Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, referendou vigorosamente essa ênfase por ocasião da conferência que reuniu economistas monetários e autoridades de bancos centrais em Jackson Hole. Nenhuma surpresa nisso! Mas a política monetária deve ser ao menos em parte contracíclica. No entanto, o BCE está desrespeitando seus próprios princípios monetários, herdados do Bundesbank, ao permitir um colapso no crescimento da base monetária. O que aconteceu com o “valor de referência” para o crescimento monetário? Por que os economistas alemães não se queixam mais sobre essa falha notória?

Em segundo lugar, Sinn acredita estar em gestação um padrão de crescimento mais equilibrado na zona do euro, agora que os investidores alemães têm conhecimento do grau de insegurança de seus investimentos no exterior. Os bancos alemães “poderão tentar investir em recursos naturais ou na Ásia, mas com certeza também oferecerão melhores condições de crédito a donos de casas próprias e empresas”. Assim, podemos esperar uma explosão de crédito na Alemanha? Espero que sim. Pelo menos o governo alemão deveria examinar os desincentivos à concessão de crédito e a gastos no mercado interno. Sem isso, é difícil ver como a zona do euro fará a necessária recuperação.

A Alemanha tem enorme interesse político e econômico em fazer a zona euro dar certo, por mais impopular que essa visão possa ser. O euro tem sido uma moeda estável: de fato, a taxa de inflação tem sido menor do que sob o Bundesbank. O euro também protegeu a economia alemã do que teriam sido choques ainda maiores. O desafio é mudar o funcionamento da zona euro e reformar suas instituições de maneira que façam a economia funcionar para todos. Mudar é doloroso. Mas a Alemanha não tem outra alternativa saudável.

*Rescuing Europa (Socorrendo a Europa), CESifo Forum

Martin Wolf é editor e principal comentarista econômico do FT.

http://corecon-rj.blogspot.com/2010/09/valor-economico_2170.html

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