Excesso de chuva compromete colheita de arroz no Rio Grande do Sul

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
[email protected]

Após secas causadas pelo La Niña, chuvas trazidas pelo El Niño podem afetar abastecimento da cadeia láctea, além das safras de milho e soja

Canoas, uma das cidades mais afetadas pela chuva no Rio Grande do Sul. Foto: Ricardo Stuckert / PR

As fortes chuvas no Rio Grande do Sul não afetaram apenas a população local, mas seus efeitos também vão repercutir nas gôndolas dos supermercados nos próximos meses por conta do impacto no agronegócio.

Graças ao El Niño e a pontos como o aumento das temperaturas na região do Oceano Atlântico Sul, o estado viu volumes expressivos de chuva em pouco tempo. Por exemplo: as precipitações nas Regiões dos Vales, Planalto e Encosta da Serra superaram 300 mm em uma semana; a cidade de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, registrou 543,4 mm; enquanto a capital, Porto Alegre, teve 258,6 mm de chuva em apenas três dias – um volume equivalente a mais de dois meses de chuva.

“O Rio Grande do Sul, nos últimos três/quatro anos, sofreu demais com a seca. Então, ele é um estado com potencial produtivo muito grande para o arroz, para a soja, para o milho, e nos últimos anos que tivemos o La Niña, ele foi um estado muito prejudicado pela seca”, pontua o analista de commodities Geraldo Isoldi, destacando que a colheita nas últimas duas temporadas tinha sido comprometida pela falta de chuvas.

“Desde o final do ano passado, a gente estava muito animado com o Rio Grande do Sul, porque a gente sairia do La Niña – que tem por característica trazer menos chuvas para o sul – e a gente teria na temporada desse ano o El Niño, aonde eles se livrariam desse problema de seca dos últimos anos (…)”, explica o analista

Contudo, a chuva que atingiu o Rio Grande do Sul superou todas as expectativas. “Essa chuva atrapalhou desde o início do plantio da soja e do milho porque choveu bastante durante o trabalho de plantio, e aí a chuva tem que cair na hora certa – e se você tem uma chuva muito intensa durante muitos dias na época de plantio, isso é ruim porque as máquinas não conseguem entrar em campo para fazer esse plantio (…) Se você atrasa muito, isso acaba colocando a lavoura em um período de risco climático maior”.

Arroz

Para o consultor Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio, as plantações de arroz foram as mais comprometidas pelo excesso de chuvas – vale lembrar que o estado é o principal produtor do grão no país. “O Rio Grande do Sul tem 75% da produção brasileira, e ainda tinha 1,5 milhão de tonelada para colher. A situação está problemática”.

Até o momento, 78% da área cultivada para a safra 2023/2024 foi colhida – pelos cálculos de Cogo, isso equivale a uma área de 709 mil hectares, de um total de 900,2 mil hectares cultivados.

Os 22% restantes representam cerca de 200 mil hectares, equivalente a 1,6 milhão de toneladas e, de acordo com o consultor, não se sabe ao certo quanto dessa área foi perdida nas inundações – a safra gaúcha de arroz estava estimada em 7,4 milhões de toneladas antes das fortes chuvas, mais de 70% da produção nacional projetada em 10,6 milhões de toneladas.

Na visão de Cogo, o risco de déficit no abastecimento de arroz em 2024 não pode ser descartado, o que vai afetar a inflação por conta da importância do item na composição da cesta básica e na alimentação da população.

Soja

Segundo maior produtor de soja do país, o Rio Grande do Sul estava em meio à colheita da safra de soja, e os trabalhos chegavam a 70% da área total até o início das inundações.

Embora o desabastecimento não seja uma questão, pelo menos 30% da área cultivada precisava ser colhida – o que seria equivalente a mais de 6 milhões de toneladas, mas ainda não se tem um número exato a respeito.

“Existem relatos no interior de que as lavouras foram submersas. Quem conseguiu colher durante a tempestade se salvou, mas é um valor inexpressivo. Boa parte não está em condição de ser salva”, explica Carlos Cogo.

Em termos percentuais, o volume sob risco corresponde a 5% da safra estimada para o Brasil (cerca de 147 milhões de toneladas), o que deve aumentar a cotação da commodity inclusive no mercado internacional.

“Na soja, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento, o Rio Grande do Sul deveria colher esse ano 21,9 milhões de toneladas, equivalente a quase 15% da produção nacional estimada pela Conab, que no momento é de 145,6 milhões de toneladas”, explica o analista de commodities Geraldo Isoldi, ressaltando que tais números devem ser revisados para baixo na próxima análise da Conab, que será divulgada na próxima semana.

Outro ponto que preocupa é a qualidade da soja colhida, já que o excesso de umidade tende a aumentar a acidez do óleo de soja, comprometendo a qualidade do subproduto (atingindo a indústria alimentícia).

Milho

Segundo Cogo, a colheita da safra gaúcha de verão (1ª safra 2023/2024) foi paralisada devido ao excesso de chuvas e alagamentos em várias regiões do Estado, mas as atividades no restante do país “seguem em bom ritmo”: até o último dia 02, 83% da área total cultivada já tinha sido colhida.

A área total plantada com milho na 1ª safra 2023/2024 no RS é de 6,673 milhões de hectares, e e o montante ainda não foi colhido corresponde a cerca de 220 mil hectares e 1,4 milhão de toneladas – ou 6% da primeira safra estimada para o país (23,3 milhões de toneladas). Ainda não é possível estimar com precisão o quanto deste montante está perdido.

Pecuária

Outro setor com problemas é a cadeia frigorífica/láctea, que inclusive pode passar por problemas de desabastecimento em breve.

Produtores já relatam dificuldade em comprar rações, embalagens e caixas (para embalar ovos), e lotes de animais não conseguem ser transportados aos frigoríficos.

“Os frigoríficos estão todos fechados. Falta ração, insumo, transporte… Não tem como reescalonar os abates programados”, ressalta Carlos Cogo. Levar aves e suínos para outras unidades é uma alternativa, mas não resolve completamente os desafios do setor.

O caso é especialmente urgente quando se avalia toda a cadeia de lácteos e derivados. “Além do medo e do receio de ir ao mercado, também tem a compra para auxílio ao mesmo tempo”, explica Cogo. “Tudo isso desacelera o desabastecimento, é um efeito em cadeia”.

Logística

Em meio ao caos agrícola, a logística foi igualmente comprometida – e isso não importa apenas no ponto de vista do agro, mas também na forma como a ajuda enviada por outras partes do país chega aos gaúchos.

De acordo com Carlos Cogo, “grande parte das (estradas) vicinais, federais e estaduais tem algum ponto de interdição, e não conseguimos receber muita ajuda”.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), 188 trechos de rodovias enfrentam algum tipo de bloqueio. Do total, 5 trechos de rodovias federais e 28 trechos de rodovias estaduais sofrem bloqueio parcial. São 113 trechos em 61 rodovias com bloqueios totais e parciais, entre estradas e pontes.

Segundo a Portos RS, Autoridade Portuária dos Portos do Rio Grande do Sul, os portos Rio Grande e Pelotas operam normalmente, mas todas as atividades no porto de Porto Alegre foram suspensas desde o dia 1º de maio.

Além disso, o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, está fechado por tempo indeterminado.

E novas chuvas devem afetar o Rio Grande do Sul: a previsão é de que a região Metropolitana de Porto Alegre, além da Serra Gaúcha e das regiões dos Vales registrem um volume expressivo de precipitação ainda esta semana.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. As Big Techs, cujos algoritimos coletam, armazenam, classificam, refinam e exploram dados gratuitamente fornecidos pelos usuários de internet, são mais lucrativas do que o ogronegócio gaúcho. Os senhores feudais das Big Techs estão tendo lucros ou prejuízos no RS inundado? Quanto dinheiro os donos das Big Techs doaram às vítimas da enchente?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador