Xadrez da crise do pensamento macro econômico brasileiro, por Luis Nassif

Há um longo caminho a ser percorrido, de definição do novo padrão de desenvolvimento, de retomada do tempo perdido. E o caminho da retomada será facilitado, mais à frente, pelo indefectível Sr. Crise.

O velho está morrendo, mas o novo ainda é incipiente, não dispõe de poder de influenciar as políticas públicas. A única maneira de sustentar o novo seria a existência de uma estrutura de poder com visão do interesse nacional e relativamente imune aos interesses dos grupos.
O velho está morrendo, mas o novo ainda é incipiente, não dispõe de poder de influenciar as políticas públicas. A única maneira de sustentar o novo seria a existência de uma estrutura de poder com visão do interesse nacional e relativamente imune aos interesses dos grupos.

Ponto 1 – os erros da política econômica

Recentemente, dois economistas brasileiros de experiência internacional – André Lara Rezende, um dos pais do Real, e Mônica de Bolle – passaram a questionar o establishment econômico brasileiro, pela incapacidade de repensar velhos conceitos que, por excesso de uso, se tornaram dogmas.

Imediatamente passaram a ser desqualificados pelos economistas de mercado, com críticas mais amenas – tipo “são ideias embrionárias” – a mais pesadas.

Há décadas vimos apontando uma série de inconsistências óbvias nos principais pilares da discussão macroeconômica brasileira.

Por exemplo, o sistema de metas inflacionárias. Define-se uma meta de inflação e acompanham-se as expectativas do mercado em relação à inflação. Se as projeções estiverem acima da meta, aumenta-se a taxa de juros para níveis superiores ao da inflação prevista. Se as projeções estiverem abaixo, reduz-se a taxa. Brilhantemente simples. E falso.

Primeira inconsistência – é o mercado que define as expectativas, através de meras apostas na inflação futura e de operações articuladas no mercado futuro de taxas – que fica livre, leve e solto, sem nenhuma interferência do Banco Central, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos. A tendência óbvia do mercado é, sempre, superestimar a inflação futura, para garantir maiores taxas de juros nominais e reais (isto é, acima da inflação prevista). Esse modelo tornou o mercado sócio preferencial da inflação.

Segunda inconsistência – a lógica das metas inflacionárias é interpretar toda inflação como um descompasso entre oferta e demanda, mesmo que a alta de preços seja função de mudanças cambiais ou aumento de cotações internacionais de commodities. Com mais juros, supõe-se que haja menos demanda, equilibrando os preços.

Fixam-se exclusivamente na taxa básica de juros, quando o impacto sobre a economia se dá na taxa final, que chega à economia real. Quando se analisam as taxas corretas, há um nonsense completo: o aumento da Selic é irrelevante para o custo do crédito ao consumidor (devido ao fato das taxas de financiamento serem muito elevadas), mas impacta fortemente o custo dos investimentos. Ou seja, deprime a oferta e mantém a demanda, justamente o contrário.

Confira em uma conta simplificada os impactos do repasse do aumento de 1 ponto percentual na Selic sobre crédito (para consumo) e investimento. No caso do crédito ao consumidor, a elevação é de 0,5% no valor da prestação. No caso do investimento, o impacto é de um aumento de 6,64% no valor das parcelas do financiamento.

Terceira inconsistência – O único efeito das taxas de juros sobre a inflação é o chamado efeito-sanguessuga – lembrando as velhas práticas médicas de combater febre colocando a sanguessuga nas costas do paciente. Mais juros atrai mais dólares e com mais dólares há uma apreciação do cambio reduzindo os custos dos chamados produtos comercializáveis. Ou seja, o sistema de metas de inflação nada mais é do que a reedição – com custo fiscal elevado – do populismo cambial, de se valer do câmbio para controle da inflação, distorcendo completamente a estrutura de preços relativos da economia.

Ponto 2 – os sócios do câmbio

Mantém-se o câmbio apreciado porque satisfaz a dois tipos de grupos de interesse.

Interessado 1 – O governo por manter a inflação sob controle.

Interessado 2 – o mercado, através de operações de arbitragem, já que os ganhos mais expressivos, nas últimas décadas, foi o das operações de arbitragem entre taxa de juros e apreciação cambial.

O investidor toma dinheiro no mercado internacional, a juros de, digamos, 2% ao ano. Traz os dólares para o Brasil e converte a uma taxa de câmbio de US$ 4,00. Aqui, aplica a 7% ao ano – já foi muito superior. Na saída, encontra um dólar, digamos, a R$ 3,20. Na conversão conseguirá muito mais dólares apenas pela apreciação do real.

Aqui, uma tabela mostrando como se dá o ganho. Repare que o ganho é infinito. Não se pode comparar com o valor investido, porque o investidor não investiu recursos próprios.

Usou apenas sua capacidade de captar crédito e ganhou com a mera arbitragem.


Interessado 3 – os detentores de ativos internos, também mercado.

O chamado mercado já está posicionado no Brasil. São investidores, fundos de investimento, detentores de ativos nos mais variados setores. Realizarão seu ganho com a valorização interna da empresa, em reais, mas, especialmente, com sua valorização em dólares.

Uma queda de 25% no valor do dólar representa uma elevação de 33% no valor do mesmo ativo, em dólares. No caso das empresas brasileiras globalizadas, a apreciação do real melhora o valor contábil dos ativos domésticos, facilitando o ratings internacional.

Ponto 3 – política econômica e interesses

Qualquer diagnóstico da política econômica brasileira das últimas décadas identificaria os seguintes problemas:

1. Distorção da estrutura das taxas de juros.

2. Livre fluxo de capitais casado com metas inflacionárias, provocando uma apreciação do câmbio a cada aumento das taxas de juros.

3. Subordinação das taxas às expectativas turbinadas do mercado.

A pulga de Edmar Bacha

Qualquer busca de solução esbarra nos interesses dos ganhadores. Essa é a razão do esforçado Edmar Bacha, há anos, tentar entender as razões do fracasso de uma política monetária-fiscal que condenou a economia à estagnação. É um autêntico desafio de Sisifo porque sua busca não é de qualquer diagnóstico, mas daquele que permita uma explicação teórica, sem afrontar os interesses do mercado. É a própria quadratura do círculo: encontrar uma solução que permita manter intocados os problemas.

Lembra o caso do médico que tratou durante anos de um fazendeiro. Até que um dia, estando em viagem, o filho, formado médico, fez a consulta em seu lugar. Quando o pai voltou, o filho estava exultante:

– Papai, descobri o problema do fulano. Era uma pulga no umbigo. Localizei a pulga e mantei.

E o pai:

– Filho desatinado! Foi aquela pulga que garantiu os seus estudos.

É dentro dessa lógica que, para corrigir a defasagem entre as taxas de financiamento do BNDES e as taxas de juros de longo prazo (um mercado de baíxissimo impacto na economia brasileira) o que Paulo Guedes fez foi tomar uma série de decisões para aumentar o custo dos financiamentos do BNDES. Igualou por cima, em vez de equiparar por baixo.

Tudo isso porque o objetivo final não é o desenvolvimento, o financiamento do investimento, mas a manutenção do quadro de privilégios do capital financeiro.

É por aí que se entende o problema apontado por Lara Rezende e De Bolle: a dificuldade da macroeconomia brasileira discutir suas inconsistências.

Ponto 4 – o imobilismo da análise macroeconômica no Brasil

2008 representou o fracasso da análise macroeconômica global. Economistas, Banco Centrais foram incapazes de prever a crise que se avizinhava, confiando cegamente no “gênio” de Alan Greenspan, o presidente do FED, e na capacidade dos bancos centrais de abortar qualquer indício maior de crise em suas áreas de atuação.

A ortodoxia falhou na previsão e na busca de soluções. Países em que houve estímulo fiscal e monetário saíram mais rapidamente da crise sem provocar inflação – conforme previam os manuais. Países que foram obrigados a adotar o receituário do FMI quase desapareceram, como foi o caso da Grécia.

Por isso se percebe a razão dos movimentos de volta à Idade Média e ao questionamento de toda forma de conhecimento científico.

Essa autocrítica não aconteceu no Brasil.

Ontem conversei longamente com Monica de Bolle sobre essa ausência de autocrítica da macroeconomia brasileira. Em parte, devido ao fato de não haver pesquisa macroeconômica independente. Nos Estados Unidos a discussão macroeconômica se faz na academia e em diversos think tanks independentes.

No Brasil, em outros tempos, tinha-se o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mas acabou perdendo espaço, sufocado pelas análises do Banco Central. O banco tem uma equipe técnica de fôlego, mas é parte interessada nas discussões. Sua missão única é o controle da inflação. Déficit nominal é problema da Receita. Desemprego, desindustrialização, não é problema dele. Assim, todos os estudos buscam estritamente manter segurança de 100% no controle da inflação. E é consagrado como grande presidente do BC, o técnico que segurou a inflação e assegurou os ganhos do mercado, independentemente do custo fiscal, da extinção de empregos e do comprometimento do crescimento na economia.

Além disso, o grande mercado empregador é o sistema financeiro ou as consultorias. Enviesa-se a análise, com o diagnóstico se adaptando aos interesses dos patrocinadores.

Ponto 5 – o velho devorando o novo

Desde o Império repete-se ritualmente a síndrome de Cronos, do velho devorando o novo. Aliás, é um fenômeno que acomete empresas e as próprias corporações privadas.

A Microsoft foi derrotada nos sistemas operacionais para celulares, porque o Windows Phone ficou subordinado ao departamento de Windows da empresa. E os “pais” do Windows não quiseram simplificar seus recursos. A Abril morreu, dentre outros erros, porque os executivos de papel (dos setores de revista) abortaram as tentativas de mudança para o digital, para não perderem espaço interno.

A ATT tinha uma estratégia campeã. Sempre que aparecia alguma tecnologia inovadora, criava uma empresa independente para tocá-la, para não ser morta pela síndrome de Cronos.

Na história de um país, ainda mais em sociedades democráticas, o desafio é muito mais complexo, pela ausência de um comando unificador.

O velho está morrendo, mas o novo ainda é incipiente, não dispõe de poder de influenciar as políticas públicas. A única maneira de sustentar o novo seria a existência de uma estrutura de poder com visão do interesse nacional e relativamente imune aos interesses dos grupos.

Esse é o dilema político básico: como manter a taxa de câmbio competitiva até que o setor exportador ganhe competitividade, musculatura e possa influenciar a discussão econômica, tornando-se um ator político relevante?

A industrialização brasileira dos anos 30 só foi possível devido à interferência do Sr. Crise, uma profunda crise nas contas externas que obrigou o recém iniciado governo Vargas a suspender o livre fluxo de capitais. Parte da dinheirama acumulada pelo café e pelos negócios públicos reverteu para a industrialização, em vez de engordar bancos ingleses, permitindo criar um forte parque industrial de São Paulo.

Enquanto teve influência, a indústria paulista garantiu políticas econômicas favoráveis, embora sujeitas aos exageros comuns aos poderes hegemônicos, especialmente na fase final, no governo Geisel e Figueiredo e do governo Dilma.

Aos industrialista paulistas se somaram o espírito do tenentismo dos anos 30, expresso em Ernesto Geisel, os estudos da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) e os ventos do planejamento do desenvolvimento, trazidos pelas experiências para o esforço de guerra na Segunda Guerra Mundial.

No final do governo Figueiredo esgota-se o ciclo e o Brasil sai dessa etapa com a estrutura industrial tradicional completada.

Em todos esses períodos, havia uma massa crítica em favor da industrialização. Mas jamais se deu o grande passo, da desvalorização cambial reforçando definitivamente o modelo exportador, pelas implicações imediatas no custo de vida.
Vargas precisou recorrer ao câmbio múltiplo de Oswaldo Aranha. O governo Castello apelou para a esperteza matemática das minidesvalorizações cambiais, engenho e arte de Mário Henrique Simonsen e José Luiz Bulhões Pedreira.

O grande salto de industrialização do início dos anos 80 se deveu à crise do petróleo, obrigando a Petrobras a um programa intensivo de conteúdo nacional, por absoluta falta de reservas cambiais. E a entrada do Brasil na etapa seguinte se deu conduzido pela grande crise do final do governo militar.

Peça 6 – a era da financeirização

No final dos anos 80, as grandes mudanças tecnológicas entravam em voo cruzeiro. O fim da União Soviética, do Muro de Berlim, o avanço do padrão Toyota de gestão, os recursos proporcionados pela telemática, tudo isso levou a uma reorganização do sistema industrial pelo mundo. Ao mesmo tempo, a liberalização financeira provocava movimentos especulativos, a formação de “bolhas” sucessivas, cujo ápice foi a crise de 2008.

O Brasil tinha um plano de vôo: os Programas de Integração Competitiva desenvolvidos por Júlio Mourão no BNDES, no final dos anos 80. Preconizava que a modernização da economia brasileira se daria através de uma integração competitiva da indústria nacional com as cadeias produtivas internacionais.

Esse setor exportador, em competição e/ou parceria com parceiros internacionais, puxaria as inovações, a competitividade, trazendo atrás de si suas respectivas cadeias produtivas.

Por integração competitiva, entenda-se uma indústria, defendida por um câmbio competitivo, se integrando gradativamente às cadeias produtivas globais.

O plano Real comprometeu mortalmente essa estratégia, marcando a vitória final da financeirização, com a retomada do poder político pelo velho rentismo da Primeira República. Houve a apreciação de 15% do real, decretando o final do ciclo de industrialização brasileira.

Crise, mais abertura financeira, promoveram uma razia nos grupos tradicionais. Muitas empresas familiares, de famílias pioneiras da industrialização, foram vendidas, e mudaram de posição, tornando-se investidores. Inverteu-se totalmente o ciclo de industrialização. Antes, um modelo que trazia o capital do circuito financeiro para a atividade real. Depois do Real, um modelo que trazia os grupos de volta para a atividade financeira. Aliás, o melhor exemplo dessa mudança é o filho do grande Hélio Beltrão defendendo o anarquismo liberal em passeatas políticas.

O novo grupo de influência, denominado genericamente de mercado, conseguiu assegurar os ganhos ao longo de sucessivos governos. E foi se apossando de parcelas cada vez maiores do orçamento, fincado na fantasia do tal “tripé virtuoso”, mantido pelo governo Lula.

As poucas vezes em que o Sr. Crise se apresentou, sua ajuda foi descartadas.

Em 2002, antes de Lula assumir, houve uma explosão do câmbio, provocada por erros crassos do Banco Central de Armínio Fraga, pela crise das montadoras norte-americanas – balançando o mercado internacional de dívidas – e pelos receios gerados pelo governo Lula.

No início de 2003, pequenas empresas brasileiras do setor de equipamentos médicos estavam conseguindo ocupar espaço de gigantes coreanos em alguns segmentos de mercado.

Motivo: preços extremamente competitivos, compensando a menor intensidade tecnológica dos produtos.

Se o câmbio permanecesse naquele patamar, a inflação se diluiria – porque inflação é variação e não nível de preços -, a pequena empresa teria crescido, agregado tecnologia a seus produtos, o setor como um todo ganharia musculatura e, mais à frente, teria peso político para influenciar as discussões de políticas econômicas, assim como os demais setores fortalecidos pelo novo patamar do câmbio.

Assumindo Lula, as circunstâncias políticas levaram-no a ceder ao mercado. Com Antônio Palocci na Fazenda, o câmbio voltou a se apreciar gradativamente. E permaneceu assim durante quase todo governo Lula.

Em 2008, paradoxalmente o Brasil foi salvo pela grande crise internacional. Houve uma apreciação do câmbio que provocou uma crise cambial contratada para o final do ano. A crise internacional ajustou o câmbio e o ativismo da política econômica de Lula permitiu ao Brasil sair como o grande vitorioso da crise.

Peça 7 – o fator câmbio

As engenharias cambiais de Vargas e Castello, as indecisões de JK e de Lula quanto à desvalorização cambial, foram provocadas diretamente pelos riscos políticos. Haveria reações dos financistas, que poderiam explorar o mal-estar inicial provocado pela inflação e desestabilizar governos. Esse fantasma do financismo dominou a cena econômica brasileira das três últimas décadas do século 19 até a Primeira Guerra. E retomou a hegemonia dos anos 90 para cá.

Em países autoritários, os ajustes de modelo são mais fáceis, desde que haja um diagnóstico claro sobre os caminhos a serem seguidos.

A China implementou sua política econômica sustentada por um projeto de país conduzido pelo Partido Comunista. A Coreia do Sul deu o salto durante o governo autoritário do general Park Chung-hee.

O Brasil se tornou um país tão paradoxal que nem as Forças Armadas – com exceção da Engenharia – conseguem desenvolver conceitos de segurança e interesse nacional. O discurso público de generais parece uma repetição sonolenta do discurso único da Globonews.

Por tudo isso, o Brasil perdeu o bonde das grandes transformações globais dos anos 90, das novas revoluções tecnológicas. No curto período de bonança do segundo governo Lula e do início do governo Dilma, conseguiu implementar políticas conjugadas de desenvolvimento, com ofensivas na diplomacia comercial, nas políticas científico-tecnológicas e nos instrumentos de financiamento.

Mas, agora, há a regressividade levando o país de volta ao século 19. Tenta-se reinstituir até o padrão ouro, com essa Lei do Teto.

Resta aguardar o fim desse ciclo de obscurantismo para retomar a dura caminhada de criação de uma mística de desenvolvimento para o após tempestade.

Há um longo caminho a ser percorrido, de definição do novo padrão de desenvolvimento, de retomada do tempo perdido. E o caminho da retomada será facilitado, mais à frente, pelo indefectível Sr. Crise.

Luis Nassif

22 Comentários

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  1. O mesmo Nassif que faz uma análise precisa como essa afirma em outros momentos que não existe um “projeto de pais”.

    Ora, o projeto é ESSE AÍ! Essas permanências não são nem gratuitas nem fortuitas: é o projeto colonial,prestar o que estiver ao alcance, e gastar lá fora.

  2. Tecendo a manhã

    João Cabral de Melo Neto

    Um galo sozinho não tece uma manhã:
    ele precisará sempre de outros galos.
    De um que apanhe esse grito que ele
    e o lance a outro; de um outro galo
    que apanhe o grito de um galo antes
    e o lance a outro; e de outros galos
    que com muitos outros galos se cruzem
    os fios de sol de seus gritos de galo,
    para que a manhã, desde uma teia tênue,
    se vá tecendo, entre todos os galos.

    E se encorpando em tela, entre todos,
    se erguendo tenda, onde entrem todos,
    se entretendendo para todos, no toldo
    (a manhã) que plana livre de armação.
    A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
    que, tecido, se eleva por si: luz balão.

  3. Acho que este é o melhor artigo escrito pelo Nassif, pelo menos dentro do tema economia brasileira, em décadas!. Só faltou uma coisa: dizer onde e quando o câmbio ficou/ultrapassou o nível que garantia a indústria no país. Esse artigo deveria ser lido com um gráfico de nosso saldo em transações correntes, seja em valores brutos ou em porcentagem do PIB. eventualmente um segundo gráfico com a relação PPP entre dólar e real seria interessante também. Quem acompanha estes dados veria que entre 2003 até 2006 tivemos saldo positivo e a partir daí só tivemos saldo negativo. Tínhamos equilíbrio também até 94 mas daí até 2002 foi só deficit. O grande erro de Lula para mim foi deixar Meirelles valorizar o câmbio e nada fazer. Em 2007 já era bem claro que a coisa estava desandando e nada foi feito. Dilma tentou em determinado momento enfrentar isso forçando as taxas de juro para baixo mas sem grande sucesso. Penso que qualquer solução que virá, só virá com uma mudança radical do perfil dos mercados de capitais internacionais. Infelizmente, no brasil, não conseguimos mudar nossa realidade por conta própria, sempre precisamos de um empurrãozinho de fora, o que é triste.

  4. A LUTA É ENTRE A SÍNDROME DE TANAtos
    direitista simbolizado no estado de exceção
    seletivo e a defesa
    da vida simbolizado na politica
    de inclusão social e de desenvolvimento que atenda
    aos interesses da maioria, com pleno emprego, etc e etc…

  5. Extraordinária análise Nassif. Difícil a tarefa de sintetizar em um curto texto as incoerências ortodoxas de um pensamento dogmático, rígido e estratificado subserviente ao grupo hegemônico dententor do controle do mercado; em tempo, não há inovação ou criatividade no dogma, apenas vassalagem e repetição da máxima de que o Brasil não produz riquezas, mas ricos. Sinto vergonha em saber que vivemos em meio a uma ilusão orquestrada por rentistas esvaziados de compromisso social e de sentimento de soberania nacional. Parabéns por sua análise.

  6. Difícil a tarefa de sintetizar em um curto texto as incoerências ortodoxas de um pensamento dogmático, rígido e estratificado subserviente ao grupo hegemônico detentor do controle do mercado; em tempo, não há inovação ou criatividade no dogma, apenas vassalagem e repetição da máxima de que o Brasil não produz riquezas, mas ricos. Sinto vergonha em saber que vivemos em meio a uma ilusão orquestrada por rentistas esvaziados de compromisso social e de sentimento de soberania nacional. Parabéns por sua análise.

  7. A partir de hoje Monica de bolle entra na lista de leprosos da mídia pois ela conversou com Luis nassif. Só não deve sair da cbn se continuar falando só de política econômica internacional e assim.nao ter chance de fazer o sadenberg gaguejar ao vivo. Kennedy alencar hoje dispõe de 15 minutos e não mais de uma hora no jornal da cbn.

  8. Esse assunto já deu no saco e na vista desde DILMA ..evidente que não tratamos de ciência nem de interesse público, mas de negócios entre particulares quando o assunto é JUROS.

    FATO – o BC é um depto de ESTADO que precisa atuar através de INÚMERAS ferramentas que possui, e não só através do juros básico, mas em sintonia com os governos, afim de proporcionar o máximo de bem estar à sociedade em que esta inserido, ajudando a gerar emprego e desenvolvimento.

    Quanto às considerações e APELOS que clamam, indiretamente, pra que se desvalorize o CAMBIO como forma de nos dar o tão sonhado empurrão em direção a uma pseudo competição, eu diria que é o MESMO ERRO dos que hoje apostam tudo na ferramenta do JUROS.

    NÃO é tornando o BRASIL mais barato aos olhos do mundo que iremos resolver nossos problemas sócio, culturais e estruturais ..desvalorizar ARTIFICIALMENTE empobrece o país e seus cidadãos..

    ..TORNA nossos consumidores MARGINAIS e apartados do desenvolvimento e inovações tecnologicas mundiais

    ..a aquisição de insumos complementares (e até de básicos como arroz e trigo, potássio, agrotóxicos, equipamentos pesados) se tornam caras, E UM tremendo dum problema pruma Nação que possui uma relação ALTA de dependência externa a bens de maior valor e conhecimento agregados ..qual seja, o POVÃO voltará a ser um parea

    AQUI é aquilo que minha avó dizia ..TUDO QUE É DEMAIS faz mal ..o segredo esta na HARMONIA ..não existem soluções mágicas pra problemas REAIS.

    ps – talvez uma saída MENOS daninha seria a adoção duma moeda internacional que não respeitasse tantas deformidades geopolíticas qto o dólar americano ..mas qui, ainda mais com GOLPISTA forte e BRICs desprestigiados, é um assunto que não depende só de nós.

  9. -> O Brasil se tornou um país tão paradoxal que nem as Forças Armadas – com exceção da Engenharia – conseguem desenvolver conceitos de segurança e interesse nacional. O discurso público de generais parece uma repetição sonolenta do discurso único da Globonews.

    qual o pensamento econômico dos Generais?

    “Mas não há dúvida de que ou aprova a reforma da Previdência ou todos nós vamos para o buraco. O Brasil está à beira do abismo.”
    Ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno – 28/05/2019

    o “nacionalista” e “bombeiro” Heleno, consegue ainda ser mais enfático em expor a trágica incapacidade dos Generais em compreenderem a realidade de um Brasil muito além do blindado ambiente corporativo das caserna e dos clubes de equitação.

    na mesma entrevista:

    “Uma das coisas que ficaram demonstradas na manifestação é que existe uma grande parcela do povo brasileiro que foi para a rua com a bandeira do Brasil. Na manifestação dos estudantes havia pouquíssimas bandeiras do Brasil. Isso para mim é um absurdo, é fruto de toda essa doutrinação ideológica que foi feita nos últimos 20 anos. Então, nossos jovens não têm o país na cabeça.”

    o Capitão-Presidente bate seguidas continências à bandeira norte-americana, enquanto proclama “EUA acima de tudo”, mas para seu Ministro Chefe do Serviço de Informações o déficit de nacionalismo está com a juventude em levante contra a liquidação da educação pública .

    é por isto que uma estratégica esFAKEada poupou Bolsonaro da humilhação massacrante que teria sido sua participação em debates durante as Eleições de 2018.

    de onde brotou o número mágico de R$ 1 trilhão da contra-reforma da previdência?

    coincidência ou não, é também o parasitário montante empoçado a cada noite no overnight, remunerado a uma à uma das maiores taxas de juros reais do mundo, sem gerar empregos e sem nada produzir, além, é claro, de um vil garroteamento da economia brasileira.

    em março de 2019: “As operações overnight corresponderam a 98,3% do total das operações compromissadas, com médias diárias de R$1,1 trilhão e de 7.013 operações.”.

    link: https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fhtms%2Finfecon%2Fdemab%2Fma201903%2Findex.asp

    enquanto os Generais chancelam a entrega da Embraer como Boeing Brasil, este símbolo de uma era de capitulação histórica do país à condição de neo-colônia semi-escravagista, nenhuma outra proposta econômica pode ser mais urgente e imprescindível do que:

    – a completa estatização, sob controle popular, do sistema financeiro brasileiro.

    sem isto, continuaremos marchando sob o “nacionalismo” dos Generais, debaixo das bandeiras dos EUA e Israel sempre presentes em todos atos de apoio ao Capitão-Presidente.
    .

  10. Nassif, complemento seu raciocínio com o impulso chinês ante a jogada suja de trump para bloquear investidas tecnológicas chinesas, em especial na área de smartphones. A Houawei acaba de lançar seu sistema operacional próprio que foi acelerado seu lançamento em virtude do impasse imposto pelos eua.
    Em tempo, comprei um modelo chinês de última geração, e é, simplesmente, infinitamente melhor e muito superior ao Iphone da apple. Briga entre a águia e o dragão, este último vai sair vencedor.
    Sinto falta de uma avaliação sua mais precisa quanto ao advento da 4 Revolução Industrial, não consigo imaginar como será o futuro muito próximo com uma horda imensa de desempregados. O TI, não absorverá toda essa massa de gente a procura por trabalho, pelo contrário, os expulsará. A única forma de amparo seria através de uma espécie de bolsa família para todos os desamparados (incluindo aí parte considerável da classe média), mas para isso o Estado terá que tirar dos abastados (aposentados nababos) para distribuir para os demais. Os nababos não aceitaram, é claro! Haverá uma guerra civil? A única solução possível e imaginária seria a redução populacional, isso não é teoria conspiratória, é real.

  11. Hoje o MERCADO está praticamente obrigando o BC a baixar os juros. Dá uma reciclada, Nassif, vc e o André Araújo vivem no passado.

  12. Lulão lembra quando vc descia a lenha no FMI,calote e etc…!?Os caras lá ficaram com um medo danado de ti !!!
    VIVA O BRASIL,VERDADEIRAMENTE ACIMA DE TODOS(O SEU/NOSSO BRASIL,LULÃO!)

  13. Este economista francês corrobora o artigo de Nassif de forma um pouco mais ácida

    link: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/a-grande-tormenta-brasileira-em-olhar-estrangeiro/

    Prever um ou mais futuros possíveis para o Brasil é hoje particularmente difícil por duas razões: uma delas se deve ao contexto internacional que se encontra atualmente em deslocamento; a outra se deve ao choque político que o país atravessa desde a eleição de um presidente que deseja romper com o passado de uma forma particularmente brutal e muitas vezes incoerente.

    O contexto internacional é cada vez mais instável, com a ascensão da China e o declínio relativo dos Estados Unidos; as mudanças brutais nas “regras do jogo” que governaram a globalização do comércio até recentemente; o abrandamento do crescimento do comércio internacional e a adoção de medidas protecionistas; a transformação da tecnologia e o surgimento da inteligência artificial e das automações; a probabilidade significativa de uma crise financeira internacional.

    À medida que os meses passam, a política econômica proposta pelo novo governo está cada vez mais sendo rejeitada, seja pelo Congresso ou pelo povo. Às vezes, afigura-se incoerente devido às declarações intempestivas, quer dos parentes do Presidente (família, conselheiros) quer de ministros incompetentes em oposição ao ministro da economia ou ao vice-presidente. Assim, ela sofre de um déficit de racionalidade (Habermas, 1978), isto é, de uma incapacidade de implementar um programa econômico controverso, politicamente liberal, embora coxo. De fato, as linhas gerais até agora conhecidas mostram os germes de múltiplos dilemas entre soberania, liberalismo e intervencionismo. Ambos são capazes tanto de reviver oposições entre aqueles que apoiaram a chegada de Bolsonaro à Presidência quanto de promover os movimentos sociais.

    O Brasil é uma economia predominantemente rentista
    Assim enunciado, este subtítulo pode surpreender ou mesmo chocar. Não faz muito tempo (2007), o Brasil era apresentado não apenas como uma das economias mais poderosas do mundo, mas como um eldorado para investidores estrangeiros. Contrariamente ao que se possa ter escrito no passado, o Brasil não é uma economia emergente. Seu PIB per capita no longo prazo não está se aproximando daqueles dos países avançados; cresceu ligeiramente no período entre 2004 e 2013 sob as presidências de Lula I, II e Rousseff I. O PIB per capita em relação ao dos Estados Unidos é aproximadamente o mesmo em 1960 e em 2016; enquanto a Coreia do Sul, que parte de um nível inferior, cruza o PIB per capital do Brasil em 1990 e atinge 50% dos Estados Unidos em 2016, de acordo com o Banco Mundial.

    1. É de salientar que o comportamento dos empresários é fundamentalmente rentista, com algumas exceções. Os empresários preferem, por princípio, consumir, investir em produtos financeiros ou mesmo na produção de matérias-primas, em vez de fazê-lo na indústria, na inovação e nos chamados serviços dinâmicos.

    As consequências são:

    Uma taxa de investimento muito baixa.
    Um nível de produtividade do trabalho na indústria brasileira também baixo.
    Uma tendência para a estagnação econômica do PIB per capita desde os anos 1990.

    2. Com um crescimento tão baixo, a mobilidade social se mostra reduzida: a probabilidade de que o filho de uma pessoa pobre seja pobre quando atingir a idade adulta é muito alta, a menos que uma política voluntária de redistribuição da renda seja posta em prática pelo governo, tal como: aumento do salário mínimo maior do que o crescimento da produtividade do trabalho, políticas diversas de assistência aos mais pobres como o Bolsa Família, o pagamento de pensões indexadas aos camponeses pobres e aos deficientes, mesmo quando não tenham contribuído.

    Graças às políticas sociais em grande parte, ocorreu uma ligeira queda nas desigualdades na esfera dos ganhos da força de trabalho, até 2014. Com a crise econômica, a política de austeridade decidida por Rousseff II, seguida pela de Temer a partir de 2016, as desigualdades entre os rendimentos do trabalho passaram a subir novamente.

    O declínio da desigualdade de renda do trabalho durante as presidências Lula II e Dilma I foi acompanhado por um aumento na desigualdade de renda pessoal, ao contrário do que afirmaram os discursos oficiais; e isto foi demonstrado por economistas que usaram não só os dados fornecidos pela PNAD (Pesquisa nacional por amostra de domicílios), mas também as informações do imposto da renda das pessoas (IRPF) para os 10% mais ricos. Assim, de acordo com os cálculos de Morgan, o coeficiente de Gini não declinou como foi anunciado.

    3) A diminuição da pobreza entre 2002 e 2014 foi considerável. Entre 2002 e 2013, a razão entre famílias pobres sobre o número de famílias na população diminuiu por V, aquela de agregados familiares indigentes reduziu-se de 10% para 5,3%. A metodologia para medir a pobreza mudou em novembro em 2015. De acordo com as estimativas de Sonia Rocha (2018), a pobreza aumentou de 13,8% em 2014 para 16% em 2015 e a indigência de 3,4% para 4,2%. Esse aumento continuou em 2016 e em 2017 segundo o IBGE.

    A desindustrialização produz uma crise latente
    1. Da desindustrialização à…

    A desindustrialização do Brasil é prematura. Na América Latina, esse fenômeno tendeu a chegar muito mais cedo do que nos países avançados; daí, o uso do adjetivo “precoce”. Ele é utilizado quando o rendimento per capita corresponde à metade daquele dos países avançados ao se iniciar o processo de desindustrialização

    O PIB real per capita da indústria no Brasil não atingiu o nível de 1980, mas nos Estados Unidos ele aumentou em mais de 60% nos Estados Unidos no mesmo período. O peso relativo da indústria de transformação no PIB vai de 24% em 1980 para 13% em 2014 e 10% em 2017 (IEDI, 2018, p. 22). A parcela da indústria de transformação brasileira na indústria de transformação mundial (em valor adicionado) foi de 2,7% em 1980, 3,1% em 2005 e 1,8% em 2005 e 1,8% em 2016 de acordo com o IEDI (idem, p. 25). Na China, esta parcela foi de 11,7% em 2005 para 24,4% em 2016. Portanto, enquanto declina relativamente no Brasil, sobe acentuadamente na China.

    As exportações de manufatura estão declinando em termos relativos no Brasil, de 53% do valor das exportações em 2005 para 35% em 2012, em favor das exportações de matérias-primas agrícolas e mineradoras. Apenas a partir de fevereiro de 2016 puderam crescer devido a uma forte desvalorização do real em 2015 e a queda nos preços dos produtos. O seu peso, em valor, nas exportações mundiais dos produtos industriais passou de 0,8% para 0,61% entre 2005 e 2017.

    2… à crise

    A desindustrialização precoce deve-se à falta de uma política cambial destinada a contrariar a valorização da moeda, à elevação dos salários acima da produtividade do trabalho, a qual, aliás, tem sido muito fraca, assim como devido à relativa ausência de uma política industrial que se oponha a certos efeitos deletérios sobre a competitividade.

    O aumento dos preços das commodities nos últimos quinze anos, a elevação significativa do volume de tais exportações e a entrada de capital estrangeiro no Brasil tiveram como efeito apreciar a moeda brasileira em termos reais em comparação com o dólar. Esta apreciação foi mais ou menos combatida na Presidência de Dilma I; ademais, ocorreu uma depreciação acentuada em 2015. A valorização da moeda nacional tem efeitos perversos, os quais os economistas geralmente denominam de “doença holandesa” ou “dutch desease”. As políticas de esterilização de liquidez causadas por este tipo de “bonanza” podem combatê-la, mas elas não foram aplicadas sistematicamente, exceto de forma irregular na presidência de Rousseff I

    A valorização da taxa de câmbio a médio prazo, intercalada com desvalorizações mais ou menos significativas, não foi compensada por esforços para aumentar a produtividade laboral. Não só o aumento da produtividade do trabalho na indústria de transformação foi muito modesto (e desigual, dependendo dos setores, da dimensão das empresas e de sua nacionalidade), mas foi acompanhado por fortes aumentos salariais pelo menos para as escalas mais baixas. Por causa da grande, muito grande, desigualdade de renda, esses aumentos salariais são justificados de um ponto de vista ético. Entretanto, se não forem acompanhados por uma política industrial destinada a aumentar a produtividade e se ocorrem junto com uma apreciação da moeda nacional, uma queda da competitividade do tecido industrial certamente sobrevêm. A abundância de divisas provenientes da venda de matérias-primas permitiu, assim, que parte da procura fosse satisfeita pelo crescimento das importações.

    A competitividade da indústria de transformação, o setor mais exposto à concorrência internacional, deteriorou-se no período. Apesar do menor custo em moeda local das importações de bens de capital importados e dos produtos intermediários, o aumento do custo unitário do trabalho amputou a rentabilidade. E assim é porque o impacto total sobre os preços os torna mais rígidos para cima devido ao aumento da concorrência internacional nos setores expostos. O impacto na rentabilidade das empresas (ver tabela abaixo), em consequência, anunciou a crise do ano de 2014 e, especialmente, dos anos de 2015 e 2016.

    Em resumo, a valorização da moeda nacional enfraquece o tecido industrial, reduz a rentabilidade das empresas na indústria de transformação, promove o investimento em atividades rentistas, o que explica assim o baixo nível de investimento em atividades produtivas no médio prazo, especialmente quando comparados aos dos países asiáticos. Foi isto que fermentou a crise.

    Crescimento sem fôlego e déficit de racionalidade
    1. A nova presidência herda uma situação econômica contrastada: bons fundamentos, por um lado, mas, por outro, uma situação social muito deteriorada, uma inserção internacional problemática, assim como certa incapacidade de recuperação após a crise de 2015-2016.

    Ao final de 2018 alguns fundamentos pareciam positivos: havia um pequeno déficit no saldo da conta corrente: – 0,7 do PIB; um saldo primário do orçamento (ou seja, sem o serviço da dívida pública) de ­– 2,3% do PIB declinante; eis que a crise mascara no entanto um déficit nominal ainda muito elevado: -7,3% do PIB devido ao peso do serviço da dívida; uma taxa moderada de inflação (3,75% ao ano para IPCA, o índice de preços ao consumidor); elevadas reservas internacionais (375 bilhões de dólares); as quais se formaram principalmente devido às entradas de capital, especialmente de investimento direto estrangeiro (79 bilhões em 2018).

    Anteriormente, a restrição externa foi levantada graças à bonança proporcionada pela venda de matérias-primas e a entrada de investimento estrangeiro direto. O aumento do poder de compra foi satisfeito pelas importações, mas em detrimento da produção doméstica. Esta se mostrou incapaz de superar as restrições competitivas impostas pela globalização comercial, estando ainda sujeita a uma deterioração dos seus custos unitários de trabalho. A reprimarização da economia com a ascensão das atividades rentistas contém um triplo aspecto: positivo, pois tornou possível um aumento no poder de compra; negativo, porque esgarçou o tecido industrial em seus ramos mais dinâmicos e preparou, assim, uma crise no futuro. Negativo, finalmente, porque a riqueza capitalista passou a vir da renda e não da exploração da força de trabalho. A reprimarização, uma miragem de riqueza, cria um tipo de capitalismo, qual seja ele, um capitalismo cada vez mais dependente do preço das matérias-primas, um capitalismo incapaz de revolucionar as práticas de produção.

    Conclusão
    A América Latina nunca conheceu um milagre econômico. A reprimarização de suas economias, assim como a consequente desindustrialização precoce, trouxe consigo maior vulnerabilidade. A pobreza diminuiu, mas as rendas relativas dos estratos médio-baixo e médio se reduziram, eventualmente gerando frustração. Após ter declinado no Sul e no centro do país, com Lula I, II e Dilma I, a violência aumentou de novo acentuadamente. As categorias mais ricas se enriqueceram e, quando a crise veio, os partidos progressistas foram todos facilmente tomados como bodes expiatórios. Foi dito, então, que eles haviam impedido o enriquecimento dos mais ricos e permitido o empobrecimento relativo de uma grande parte das camadas médias. Ademais, eles foram acusados, tal como os outros partidos, de terem permitido e participado da gangrena da corrupção.

    É possível que as reformas planejadas não possam ser implementadas e que os conflitos de interesses conduzam a reformas profundamente edulcoradas. “Gritos de alarme” já pontilham nas revistas financeiras. O crescimento só poderia vir dessas reformas – dizem – sem as quais o país vai afundar na crise. O problema é que muitas dessas reformas liberalizantes já foram empreendidas, tal como a do mercado de trabalho. E, mesmo assim, a taxa de crescimento continua muito baixa e, a cada dia que passa, faz-se uma previsão mais baixa de crescimento futuro.

    Na verdade, o Brasil paga a um preço alto pelos erros de política econômica de Lula e Dilma Rousseff, pelo liberalismo sem conteúdo social de Temer e agora de Bolsonaro. O peso deste, entretanto, é de ordem completamente diferente em relação aos erros anteriores apontados. O Brasil paga um preço alto devido à manipulação das instituições, enfraquecidas por anos de ditadura, por expulsar Rousseff da Presidência e devido à imposição atual de uma política mais dura de liberalização econômica. Subsiste uma esperança de evitar os efeitos deletérios dos escândalos de corrupção, mas este último ponto está longe de ser alcançado.

    O déficit de racionalidade está aumentando. Até onde ele vai? O que vem aí? Um impeachment do vice-presidente apoiado pelos militares? A saída do Presidente apoiado pelas seitas religiosas? O retorno da esquerda?

    Bibliografia
    Carta IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), vários números.

    CNI (Confederação Nacional da Indústria), 2018, Relatório: Competitividade Brasil, 2018-2019.

    Habermas J., 2018, Raison et légitimité, édition Payot

    IEDI, 2018, Industria e o Brasil no futuro.

    Morgan M., 2018, Falling Inequality beneath Extreme and persistent Concentration: new evidence for Brazil Combining National Account, Survey and Fiscal Data. WID, Working paper n°12 , 1-78.

    O valor e Folha de São Paulo, vários números.

    OCDE et Cepal, 2012, Latin American Economic Outlook.

    OCDE, 2018, Economic Survey, Brazil.

    Salama, P., 2006, « Pourquoi une telle incapacité d’atteindre une croissance élevée et régulière en Amérique latine ? », Revue Tiers Monde, n° 185, 129-154, em castellano in Foro Internacional 186, XLVI, 2006 (4), 630-662

    Salama, P., 2014, Des pays toujours émergents ? Edition La documentation française.

    Salama, P., 2015: “Se redujo la desigualdad en America Latina? Notas sobre una ilusion”, Nueva Sociedad, n°257.

    UNIDO (United Nations Industrial Development Organization), 2016 et 2018, Competitive Industrial and Performance Report, Brazil.

  14. Precisa e luminosa a avaliação que mostra o rentismo vampiresco no cerne da artificial contradição entre estabilidade e desenvolvimento. O artigo demonstra com maestria o ponto de inflexão a partir do plano real, e a aparentemente paradoxal opção lulista por uma política cambial e monetária que engessou o crescimento e privilegiou rentistas, em detrimento da possibilidade de alavancar um modelo econômico inovador e inclusivo. O debate e a compreensão dos dilemas abordados no texto constituem requisito essencial para a formulação de novas perspectivas, com vistas à solução de problemas históricos.

  15. No comentário lê-se que “inflação é variação e não nível de preços”. Mas quando se fala de “nível de preços”, sugere-se apenas a comparação os preços das várias mercadorias existentes no mercado, cada qual em seu nível próprio em relação aos demais preços das mercadorias. Na realidade, a variação do preço de uma dada mercadoria dentro de um determinado período, ou seja, a inflação, precisa ser entendida no bojo da composição orgânica do capital prevalecente nas diferentes conjunturas históricas.
    A composição orgânica do capital aqui significa a relação entre o capital constante e o capital variável, a rotatividade do capital e a taxa do lucro, conforme a lição de um grande alemão.
    Falta-nos, sobretudo, uma história materialista do Brasil.

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