Quem minimamente acompanha a questão da produção científica no Brasil e do financiamento da pesquisa em ciência, tecnologia e inovação sabe que, ao lado da meta tão longamente sonhada da aplicação de 2% do PIB no setor, um bom equilíbrio entre investimentos públicos e privados nessas atividades constitui o segundo grande objeto de desejo de boa parte dos estrategistas e gestores da área – além, é claro, da parcela da comunidade científica nacional bem antenada às políticas de CT&I.
Isso se apresentou desde a redemocratização do país, na segunda metade dos anos 1980. O espelho em que todos miravam era obviamente o das nações mais desenvolvidas. O pensamento que então se espraiava, muito distante de recentíssimas tentações obscurantistas, era o de que o desenvolvimento científico e tecnológico constituía condição sine qua para um verdadeiro desenvolvimento socioeconômico e para a implantação de uma sociedade mais justa.
Na época, o Brasil andava ali pela casa de pouco mais de 0,7% do PIB em investimentos totais em ciência e tecnologia e a participação do setor privado, quer dizer, de empresas, ressalte-se, nesse bolo, mal ultrapassava a marca de 20%. De lá para cá, o país fez uma reviravolta nesses números, avançou muito, e pode-se mesmo dizer que cresceu espetacularmente, quando a métrica é o volume de artigos científicos indexados em bases de dados internacionais, um indicador mundialmente consagrado. Essa produção científica praticamente dobrou do começo para o fim da primeira década do século XXI. E continuou sua ascensão consistente (dados disponíveis até 2016).
A expansão notável, fruto de algumas políticas muito bem estruturadas que estão a merecer outros comentários no Ciência na rua, foi baseada na capacidade de produzir ciência das universidades públicas brasileiras, com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ou seja, duas grandes universidades estaduais paulistas, mais algumas grandes universidades federais, como a do Rio de Janeiro (UFRJ), a de Minas Gerais (UFMG) e a do Rio Grande do Sul (UFRGS), na liderança desse processo. Mais de 95% dessa produção científica do Brasil nas bases internacionais deve-se, assim, à capacidade de pesquisa de suas universidades públicas.
Daí o espanto que causou a seguinte afirmação do presidente da República durante entrevista à rádio Jovem Pan, na noite da segunda-feira, 8 de abril:
“(…) e nas universidades, você vai na questão da pesquisa, você não tem, poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte tá na iniciativa privada, como a Mackenzie em São Paulo, quando trata do grafeno”.
A resposta da Academia Brasileira de Ciências
A primeira e tranquila reação do presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, físico, professor da UFRJ, pesquisador dos mais respeitados por seus brilhantes trabalhos em emaranhamento quântico, foi observar que “é importante fornecer ao Presidente da República a informação correta sobre as universidades brasileiras, coletadas por órgãos internacionais”
Relata em seguida que, “de acordo com recente publicação feita por Clarivate Analytics a pedido da CAPES, o Brasil, no periodo de 2011-2016, publicou mais de 250.000 artigos na base de dados Web of Science em todas as áreas do conhecimento, correspondendo à 13a posição na produção científica global (mais de 190 países)”. As áreas de maior impacto, prossegue, “correspondem a agricultura, medicina e saúde, física e ciência espacial, psiquiatria, e odontologia, entre outras”.
Davidovich resalta que “todos os estados brasileiros estão representados” nessa produção, “o que mostra uma evolução em relação a períodos anteriores e o papel preponderante desempenhado pelas universidades públicas que estão presentes em todos os estados”.
Outro ponto fundamental de sua fala: “Mais de 95% das publicações referem-se às universidades públicas, federais e estaduais. O artigo lista as 20 universidades que mais publicam (5 estaduais e 15 federais), das quais 5 estão na região Sul, 11 na região Sudeste, 2 na região Nordeste e 2 na Centro-Oeste”.
Essas publicações, destaca o presidente da ABC, “estão associadas a pesquisas que beneficiam a população brasileira e contribuem para a riqueza nacional. Graças a essas pesquisas, o petróleo do pré-sal representa atualmente mais de 50% do petróleo produzido no país, a agricultura brasileira sofisticou-se e aumentou sua produtividade, epidemias, como a do vírus da zika, são enfrentadas por grupos científicos de grande qualidade, novos fármacos são produzidos, alternativas energéticas são propostas, novos materiais são desenvolvidos e empresas brasileiras obtêm protagonismo internacional em diversas áreas de alto conteúdo tecnológico, como cosméticos, compressores e equipamentos elétricos”.
A realidade que os dados mostram
Coordenador do projeto Métricas, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o professor Jacques Marcovich, ex-reitor da USP (1997-2001), enviou a pedido do Ciência na rua duas tabelas também muito reveladoras da produção científica das universidades brasileiras. A primeira (aqui), baseada no Leiden Ranking, “mostra que das 20 universidades que mais publicam no Brasil, não há nenhuma privada”, ele comentou.
A segunda (aqui), modificada do capítulo de autoria de Solange Santos na obra coletiva Repensar a Universidade (Repensar a universidade: desempenho acadêmico e comparações internacionais, organizado por Jacques Marcovitch, 256 pp, São Paulo, ComArte, 2018, disponível para download em http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/224), mostra resultados de todas as universidades no Brasil em rankings internacionais e, ele observa, “aparecem apenas as PUCs em termos de privadas, e em posições relativamente baixas”.
Uma terceira tabela (veja o PDF), mais extensa e bastante atualizada, foi obtida pelo diretor científico da Fapesp, professor Carlos Henrique de Brito Cruz, a partir da base de dados Incites (https://jcr.incites.thomsonreuters.com). O que ele observa é que, “das 100 universidades brasileiras que mais publicaram artigos científicos no quinquênio 2014-2018, há 17 privadas. A melhor colocada é a PUC Paraná, em 37º lugar”.
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Universidade Estadual de Maringa, e uma das que produzem pesquisas em diversos segmentos da ciencia.
Inadmissivel, para dizer o mínimo, o Presidente é um desinformado. Mas Bolsonaro é um desinformado com o poder de destruir. Este discurso vai sempre na linha de desprezar tudo que é feito no país. E cai como uma luva no discurso de vira-lata que esta presente em todos aqueles que falam do brasileiro em terceira pessoa. Quanto mais reduzem o Brasil a um cenário de esgoto e formado por um bando de corruptos, bandidos . Quanto mais, nos noticiários, se tem apenas notícias de violência. Quanto mais destroem a auto estima do brasileiro, maior a destruição, mais fácil auferir lucros. Bolsonaro apenas está usando o estereótipo de que no Brasil o serviço publico é de vagabundos, na sua sanha de destruição da Universidade Publica. A quem interessa isto. Talvez a Guedes e todos o grupos empresariais de Ensino, que vão lucrar muito. Ao dizer que não existe pesquisa nas Universidades Bolsonaro quer apenas justificar a destruição da CAPES e CNPq, e do sucateamento das universidades. Contra as quais ele e Sergio Moro querem fazer uma guerra santa contra a corrupção. A lava Jato das Universidades, é apenas uma maneira de em primeiro lugar assassinar a moral das Universidades, e depois destrui-la. Como a Lava Jato tentou fazer com a Petrobrás. Este ataque é acompanhado depois do discurso privatista. O pré-sal é resultado de pesquisa científica e tecnológica desenvolvida pela Petrobrás. Companhias estrangeiras querem comprar a Petrobŕas, e não o pré-sal, pois não tem conhecimento cientifico nem tecnologia para explorá-lo. Querem se apropriar do conhecimento produzido. Sem este conhecimento as petroleiras estrangeiras não sabem explorar o pré-sal ao custo de 9 dolares o barril. Enquanto isto um doidivanas que se diz presidente da Petrobrás, não entende nada de petróleo ou da administração de uma petroleira. Entende apenas de vendas.
As pesquisas nas áreas de agricultura e pecuária e institutos estatais como EMBRAPA, Epagri, são responsáveis pela produtividade no campo. Com desculpas por não citar todos os institutos, a FIOCRUZ é referência internacional há mais de século em doenças epidêmicas e outras doenças como a Zica. E poderia ficar aqui citando muito mais se fosse falar das contribuições científicas ao conhecimento fundamental. Para não dar prestígio ao governo de Dilma Roussef, fizeram questão de esconder que o Brasil tem um medalhista Fields. A medalha Fields é o o análogo ao nobel da matemática. Pois não existe nobel para Matemática. Artur Avila Cordeiro de Melo em 2014 foi o ganhador deste prêmio. No entanto este prêmio foi pouquíssimo divulgado. Artur foi formado no IMPA, Instituto de Matemática Pura e Aplicada, do Rio de janeiro. O IMPA é um dos Institutos mais influentes do mundo. As notícias sobre Artur ganharam bem menos visibilidade do que um furto da Medalha Fields ocorrido em 2018.
A EMBRAER não foi comprada pela Boeing apenas pela sua planta, mas sobretudo pelo desenvolvimento do primeiro cargueiro militar, que tem potencial para substituir os obsoletos Hércules. Mas o complexo de vira lata fez muitos afirmarem que ia ser bom para a EMBRAER. Em resumo a desinformação é uma desculpa e uma arma de destruição do país.
Vi num site internacional de noticias, a Embraer tem projeto de carro voador.
Bolsonaro, por que não te calas?
O bom é que os dados desmentem o presidente que só serve para enganar os brasileiros já muito desinformados a respeito das Universidades públicas (por uma série de motivos, por si só, um bom tema).
O que tá acontecendo é o olho grande das empresas que não gastam um tostão com pesquisa de olho nos equipamentos universitários, na infraestrutura e no pessoal do ensino público superior pra tirar uma casquinha.
Nesta esteira, também estão as "fundações de apoio", interessadas no novo marco legal de inovação. Fora isso, essas fundações não querem ser fiscalizadas por nenhum órgão de contas, o que é bastante importante frisar como caráter dessa gente.
Agora, também é preciso colocar... tem Universidade com panelinha, fazendo daquele lugar o seu quintal. Não dá pra generalizar, claro. Mas esse pessoal também presta um desserviço, escorados na autonomia universitária. Justamente essa gente coloca em risco a Universidade por dentro, igual cupim destruindo a madeira.
Vahan Agopian, da USP, por exemplo, ficou "indignado" com a propositura de uma CPI sobre as Universidades estaduais paulistas. Declarou que era uma ameaça à "autonomia" etc. Mas cá entre nós... E essas fundações aí, que tem "cadeira cativa" no Conselho Universitário da USP (docentes ligados a fundações), não colocam em risco? Já tem áreas da USP com poucos professores em nível de dedicação exclusiva. Alguns professores nem fazem questão de dedicação integral, pois tiraria tempo de dedicação às fundações...
Quer dizer, ruim é "apenas" o Bolsonaro, né?
E por falar em Mackenzie, a pesquisa por lá nao tem recurso público não???
É muito fácil fazer uma lavagem cerebral em pessoas como bolsonaro, há milhões de bolsonaros que acreditam em quelquer coisa sem exigir provas.
Com tanta produção científica, porque o Brasil não saiu ainda da condição de terceiro mundo?
Os preparados são embasados, constroem textos inteligente, argumentativo. Parabéns a vocês que defendem as universidades públicas. Fico triste e até mesmo agoniada qdo um encéfalo produz um monossílabo para dizer que somos terceiro mundo. Querido essa nomenclatura já nem mais existe.
Se eu não esteja enganada hj somos considerado país em desenvolvimento,ou seja emergentes.
Já fomos considerados emergentes, em outros anos, e bons anos, tanto que o Brasil entrou pro BRICS, nessa época. Agora, está despencando, e o dito "Salvador da Pátria, não salva é nada além da família dele. Bolsonaristas seguem negando a realidade e tendo uma relação quase que espiritual com o presidente. É de dar pena!
Mais uma desculpa pra vender essa fatia da educação para as grandes fortunas estrangeiras e seguir o modelo americano que, num país como o nosso, só aumentará a distância entre a elite e os mais pobres, diminuindo ainda mais as oportunidades para os últimos..
Diante de tanta evolução científica, onde estão nossos PRÊMIO NOBEL???