O decepcionante pós-Bolsonaro para a educação brasileira
por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria
O mandato presidencial de Jair Bolsonaro (2019-2022) foi marcado por uma relação tensa e ruim entre o governo federal e a educação federal, com impactos adversos no financiamento e na autonomia da gestão de institutos e universidades federais. Deixaremos de fora deste artigo os escândalos de corrupção ocorridos dentro do Ministério da Educação (MEC) por compreendermos que tais episódios são casos criminais típicos da atuação policial. Como as instituições continuam funcionando?
Lula da Silva (PT) elegeu-se presidente para um terceiro mandato em 2022 e teve que enfrentar, desde então, tentativas de golpe da extrema direita, mesmo após o governo dos Estados Unidos ter dito que não haveria apoio internacional para um golpe, como houve em 1964. Brasileiros identificados com a pauta democrático-progressista garantiram uma vitória apertada nas urnas. Tratou-se então de um suspiro de alívio com esperança. A educação pública, gratuita e de qualidade esteve no centro das pautas de campanha do presidente eleito.
Inicialmente, o governo Lula 3 parecia comprometido com a agenda progressista, porém, para a decepção de muitos de nós, ele manteve, estruturalmente, a agenda neoliberal herdada desde a gestão de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, no segundo governo de Dilma Rousseff (2015-2016). O governo Lula 3 substituiu o teto furado dos gastos primários estabelecido no governo Temer (2016-2018) pelo novo arcabouço fiscal. Para garantir alguma governabilidade parlamentar, o lulismo fez alianças com figuras políticas de partidos de direita que se beneficiaram muito no governo anterior.
Após os cortes significativos nos orçamentos dos institutos e das universidades federais durante o governo Bolsonaro, esperava-se que Lula 3 revertesse essas políticas regressivas de forma rápida e aumentasse substancialmente o financiamento para a educação. No entanto, a percepção de que essas mudanças não ocorreram com a rapidez e abrangência esperadas gerou um imenso desconforto. Lula foi o principal responsável político pela expansão significativa dos institutos e das universidades federais no passado recente.
Atualmente, está nítido o sucateamento dessas instituições, que se encontram claramente subfinanciadas. Para tornar a situação ainda pior, há a perspectiva vinda do governo Lula 3 de ampliar as parceiras público privadas (PPPs) na educação. Pauta esta identificada com os interesses neoliberais tão defendidos pela ala conservadora-reacionária nos costumes e liberal-darwinista na economia. O contexto do pesadelo presente se dá a partir do arcabouço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, sob a autorização do presidente Lula, mantém a austeridade para os gastos primários.
Desde março de 2023, vem informando recorrentemente a imprensa, a Secretaria do Tesouro Nacional tem sugerido a remoção das vinculações constitucionais obrigatórias para os gastos mínimos na educação e na saúde, algo que nem os governos Temer e Bolsonaro ousaram fazer. Embora as PPPs existam desde os governos FHC (1995-2002) e sejam utilizadas por diferentes governos estaduais, a perspectiva de uma crescente adoção pelo governo federal suscita preocupações sobre a mercantilização dos serviços públicos e a priorização dos lucros sobre a qualidade dos serviços oferecidos à população.
Afinal, o que pretende o lulismo eleito sem um projeto claro de país, de enfrentamento dos problemas estruturais? Havia uma visão genérica, em 2022, de que era necessário reconstruir algumas políticas públicas e defender a democracia, porém já não estávamos mais em 2002. A desindustrialização ocorrida na economia brasileira, por sua vez, enfraqueceu qualquer perspectiva de retomada fácil e robusta. A média salarial de admissão é de um salário mínimo e meio, enquanto a informalidade laboral é de 39%, de acordo com as informações públicas disponíveis.
No dia 16 de maço de 2024, publicamos um artigo de opinião neste GGN sobre o fato de que o governo federal anunciou a construção de 100 novas unidades de Institutos Federais (IFs). Criticamos então o fato de que esses cem novos IFs seriam construídos sobre as perdas inflacionárias acumuladas pelos servidores públicos da educação federal desde o governo Temer (2016-2018), que foi o vice escolhido para a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Esses 100 novos campi não cabem no novo arcabouço fiscal. Serão geridos por PPPs?
Há poucas dúvidas de que o governo Lula 3 se encontra em um momento político delicado. Diversas pesquisas de opinião têm mostrado as queixas difusas da população em relação à economia. De acordo com o conhecido diagnóstico do professor André Singer, o lulismo encarna um reformismo progressista fraco, conciliatório. Seus limites políticos são, portanto, bem conhecidos.
Essa perspectiva ganhou ainda maior relevância no terceiro mandato do presidente Lula, pois, apesar das políticas sociais implementadas anteriormente, o lulismo falhou na promoção de mudanças estruturais progressivas. O seu caráter personalista, conciliatório e desmobilizador ajudou a reforçar e a manter intactas muitas das estruturas políticas e econômicas tradicionais.
Uma matéria publicada em O Globo, na edição digital de 15 de abril, revelou que “em novo aceno a militares, governo se une à oposição por PEC que vincula orçamento da Defesa ao PIB”. Assinada por Camila Turtelli, a matéria trouxe a informação de que “a PEC prevê a destinação de um percentual mínimo de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) às Forças Armadas no primeiro ano de vigência, com aumento anual até chegar a 2%”. A matéria ressaltou que “a maior fatia dos recursos da pasta costuma ser comprometida com os pagamentos de salários, pensões e aposentadorias dos militares, que representam 77% das verbas neste ano”.
O governo Lula 3 aumentará os gastos públicos com as Forças Armadas, enquanto alega que não tem mais dinheiro para a educação federal? O fiscalismo ortodoxo ainda em curso prevê mais ataques contra as áreas da educação e da saúde? Qual é a posição oficial do MEC sobre a expansão das escolas cívico-militares e sobre a gestão privada de escolas estaduais?
O portal do Tribunal de Contas da União (TCU) publicou, no dia 3 de junho, o resultado da auditoria operacional para analisar as ações de enfrentamento à evasão escolar nas instituições integrantes da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT). Para o TCU, diversos são os fatores que afetam negativamente a estratégia de permanência e êxito na Rede Federal EPCT, com reflexo na taxa de evasão escolar. Entre eles, destacou o TCU, “estão insuficiência de recursos financeiros para a assistência estudantil e a alimentação escolar, falta de pessoal para compor as equipes multiprofissionais, deficiências na infraestrutura das instituições de ensino e lacuna de previsão de transporte escolar”. Esse quadro será efetivamente enfrentado pelo lulismo?
Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
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