O 2018 que nos mobiliza é incerto, por Luís Felipe Miguel

O 2018 que nos mobiliza é incerto

por Luís Felipe Miguel

O poder do Estado é também o poder de determinar ritmos da vida social, impondo o calendário. Com a política, não é diferente. Por mais que, a essa altura do campeonato, já esteja claro que as eleições não podem ocupar o centro de qualquer estratégia de transformação do mundo, 2018 acaba se tornando o foco principal de quase todo mundo. Parece, além de tudo, que na eleição se medem as forças, se estabelece o peso de cada um. O que, aliás, também é bobagem: o mundo social é determinado por forças muito mais fortes do que o voto.

O 2018 que nos mobiliza, além de tudo, é incerto. Volta o assanhamento com o golpe do parlamentarismo, única resposta plausível da direita à sua crônica incapacidade de produzir candidatos viáveis. O que impede uma decisão definitiva em favor dessa saída não é algum prurido democrático, mas o efeito da eterna mosca azul, que faz com que tantos sonhem com o Palácio do Planalto, mesmo contra todas as evidências, tornando o Brasil o celeiro por excelência daquela personagem do argentino Macedonio Fernández: “El hombre que será Presidente y no lo fue”.

Com os factoides Doria e Huck abatidos antes mesmo de alçarem voo, os postulantes remanescentes se dividem em alguns blocos, quase todos fadados ao fracasso, Há os que querem conquistar o “mercado”, mas não sabem como ganhar votos, como os banqueiros Paulo Rabello de Castro, João Amoêdo e Henrique Meirelles. Há os que estão mais no terreno da comédia pastelão do que da política, como Dr. Rey e Cristovam Buarque. Dizem que Marina Silva está reavaliando sua candidatura, diante da perspectiva de ter 13 segundos de propaganda na televisão – não sei se por achar que é pouco ou, ao contrário, julgar que não tem propostas suficientes para ocupar tamanho tempo. Caso não decole a candidatura de Geraldo Alckmin, com o carisma contagiante de sempre e agora na versão “Opus Dei progressista”, à direita sobrará apenas abraçar o neofascismo, com todos os riscos que essa opção carrega.

No campo da esquerda, as opções também parecem muitas, mas não são. Ciro Gomes, com história política que o torna pouco palatável para o campo popular, é um excelente polemista, tão bom que põe em risco suas chances eleitorais. É difícil crer que a candidatura de Manuela d’Ávila seja para valer. Representaria uma virada de 180° na estratégia do PCdoB, que é de ocupar cargos, não disputar o poder. Insulada na política local, sem presença destacada nos grandes debates nacionais, ela é uma jogada inteligente para rejuvenescer a imagem de um partido tão desgastado por práticas arcaicas, mas não mais do que isso. Já uma eventual candidatura de Guilherme Boulos geraria uma opção mais sólida à esquerda. Ele tem todo o direito de se candidatar, óbvio, e provavelmente eu mesmo o apoiaria, mas fica um saldo amargo – o reforço à ideia de que o movimento social é uma espécie de aquecimento para a política “de verdade”, que é a eleição. Sem Boulos, o PSOL parece carente de candidato, o que é grave para um partido que já nasceu como partido eleitoral.

No final das contas, a eleição gira em torno de uma pessoa: o moço barbudo de Garanhuns.

Podendo disputar a eleição, Lula é franco favorito. Já o é nas sondagens feitas agora, quando apanha na mídia 24 horas por dia, sete dias na semana. Vai sê-lo mais ainda se houver propaganda política, exercendo sua extraordinária capacidade de comunicação com as massas populares. Mas a questão não é Lula ganhar. A questão é Lula governar.

Como típico candidato, ele tem dado uma no cravo, outra na ferradura, sistematicamente. Acena para a elite política conservadora e para o “mercado”, mas pode falar também em plebiscito revogatório dos retrocessos promovidos pelo golpe. O sonho de Lula é reeditar o pacto que o levou ao poder em 2002, mas as condições para tanto estão muito reduzidas.

Em 2002, o que ele entregou, em troca da possibilidade de levar a cabo políticas sociais compensatórias, foi a pacificação do movimento popular. Ao contrário de muitos, não leio isso como “traição” ou o pecado mortal da “conciliação de classes”. Foi uma tentativa de produzir alguma mudança real na vida dos mais pobres, nas condições adversas do Brasil. E, se culpa há, deve ser dividida entre Lula e o movimento popular que aceitou ser pacificado. No entanto, o golpe encerrou essa experiência e revelou, na nossa baixa capacidade de resistência, as consequências da desmobilização dos anos petistas.

Caso Lula volte à presidência, a natureza de seu governo será determinada pela correlação de forças na sociedade. Só a pressão popular sobre o governo, em resposta à pressão que nunca cessa dos grandes interesses privados, pode garantir a revogação dos retrocessos e, quiçá, alguns avanços.

Nos outros cenários, a resposta é a mesma. Em caso de golpe dentro do golpe, com a adoção do parlamentarismo ou o fechamento puro e simples do regime, ou de vitória de um candidato de direita, a ativação do movimento popular também é necessária. Estamos diante daquilo que a teoria dos jogos chama de “estratégia dominante”.

Luis Felipe Miguel

7 Comentários

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  1. esquece  ..não há povo a

    esquece  ..não há povo a vista ..o Brasil nunca teve  ..1992 e 2013 foram pontos fora da curva ..quem sabe daqui outros 20 anos ?!

    ..nem Petroleiros que viram a venda de terminais, gasodutos, da Liquigaz e participação na Açucar Guarani ir pra coroa, ou a privataria feita por cima da pré sal (que só LIBRA promete entregar 500 mil barris DIA)  ..nem isso, com reforma da previdência no horizonte e venda da BR distribuidora tb, nem isso colocou aquela turma, “fã do LULA”, na rua

    bando de….

    Como em 64 ..talvez a “elite” que fixou residência fora do país  ..as forças armadas e polciais  ..os EUA e a turma da “justiça” ainda dê mais uma chance pro povo “saber escolher” pró parlamentarismo  ..e se escolherem mal, digamos LULA, endurecimento neles

    Colega  ..a CIA e seus cientistas sabem muito bem quando um povo é passivo, corno manso e tranquilo  ..e isso eles sabem explorar como poucos, convenhamos

    Agora, nas suas hipóteses vc não colocou os paladinos Barbosa e Moro  ..duas possibilidades extremas que, embora saltassem aos olhos pela existência efetiva do golpe, não deixam de ser factíveis

    https://www.youtube.com/watch?v=cO7HY_CUavI

     

  2. Olha que interessante
    Não só

    Olha que interessante

    Não só a existência dum imprestável e injustificável senado, e dum Congresso pra lá de desproporcional, atrapalham a nossa dita “democracia”

    Veja como tb tem um Poder oculto que a cada dia fica mais evidente e cara de pau  ..o Poder de  ser um tranca rua, o do STF

    ..por qq interesse ferido ou questão mal resolvida os caras pedem vistas  ..e sem data pra retomarem a discussão  ..eles são nababos, estáveis e imexíveis

    e depois o povo pensa que manda quem ganha eleição ?!  ..sei sei

    http://www.bbc.com/portuguese/42126095

  3. O 2018 que nos mobiliza é incerto

    recentemente Luis Felipe Miguel publicou um excelente texto sobre a dificuldade em se ter um debate político intenso na web, no qual alertou para enormes possibilidades sendo desperdiçadas: “pode ser um espaço de articulação horizontal, de compartilhamento de informações, de elaboração pública de argumentos – e uma ferramenta de organização.”

    fez também uma impecável contextualização dos limites da web enquanto meio de comunicação: “Cliques na internet não vão mudar o mundo (mas Lênin também não esperava que o Iskra fizesse a revolução, era um instrumento para a organização dos revolucionários).”

    então, vamos tentar fazer um contraponto.

    -> Por mais que, a essa altura do campeonato, já esteja claro que as eleições não podem ocupar o centro de qualquer estratégia de transformação do mundo, 2018 acaba se tornando o foco principal de quase todo mundo.

    -> o mundo social é determinado por forças muito mais fortes do que o voto.

    se as eleições não podem ser o cerne da estratégia, por que acabam sendo? simplesmente porque quase todas as forças políticas organizadas assim o querem! esta parcela majoritária da Esquerda está definitivamente presa a um modelo. não consegue, tampouco tem vontade, de avançar além dele. é pautada pelo calendário eleitoral, ao invés de se orientar pelo movimento de massas.

    -> “El hombre que será Presidente y no lo fue”.

    a Direita não tem candidato. e não o terá. neste vácuo crescerá Bolsonaro. setores da Esquerda sabendo deste impasse, sonham com Lula como candidato de uma conciliação reeditada com as elites. também não será viável, por motivos que o próprio texto mais abaixo aborda.

    -> Já uma eventual candidatura de Guilherme Boulos geraria uma opção mais sólida à esquerda. Ele tem todo o direito de se candidatar, óbvio, e provavelmente eu mesmo o apoiaria, mas fica um saldo amargo – o reforço à ideia de que o movimento social é uma espécie de aquecimento para a política “de verdade”, que é a eleição.

    esperamos que Boulos não cometa este erro fatal. a política de verdade é a das ruas e das ocupações. mas também a das redes: nas ruas e ocupações virtuais.

    ao que parece, uma grande liderança do movimento sindical de MG está indo ao encontro deste erro absurdo, e dificilmente reparável, de se lançar na política eleitoral. os péssimos resultados já estão sendo precocemente colhidos.

    -> o PSOL parece carente de candidato, o que é grave para um partido que já nasceu como partido eleitoral.

    o PSOL tem um vício insanável de nascença. ainda assim, é preciso ter clareza para distinguir que entre o PSOL do Rio e o de SP e RS a diferença é de anos-luz.

    -> O sonho de Lula é reeditar o pacto que o levou ao poder em 2002, mas as condições para tanto estão muito reduzidas.

    mais do que reduzidas, são inexistentes. até mesmo por todo o complicado cenário internacional e seus inevitáveis desdobramentos. num mundo em plena guerra híbrida global, tem Lula o perfil adequado para ser uma das lideranças do Brasil?

    -> Em 2002, o que ele entregou, em troca da possibilidade de levar a cabo políticas sociais compensatórias, foi a pacificação do movimento popular. Ao contrário de muitos, não leio isso como “traição” ou o pecado mortal da “conciliação de classes”.

    concordo! mas era óbvio que jamais poderia dar certo… ao contrário, deveria ter justamente fortalecido o movimento popular de massas e sua organização. qualquer “conciliação” só pode ser razoavelmente bem sucedida a partir de uma posição de força.

    -> E, se culpa há, deve ser dividida entre Lula e o movimento popular que aceitou ser pacificado.

    aceitou a troco de cargos comissionados, participações em conselhos de administração e consultivos, assessorias diversas, patrocínios e financiamentos…

    -> a ativação do movimento popular também é necessária.

    não há saídas! apenas este portal de entrada: ativar o movimento de massas. organizar a luta por Democracia participativa e direta.

    .

  4. A política da conciliação de classes do ganha-ganha só foi possí

    A política da conciliação de classes do ganha-ganha só foi possível graças ao “boom das commodities” dos anos 2000s. Agora a história é completamente diferente. Se o próximo presidente não enfrentar a hegemonia rentista que domina o país não será possível avançar nas conquistas sociais. A palavra de ordem em 2018 será rever a destruição causada pelos setores comprometidos com a banca internacional. 

    A candidatura de centro esquerda deverá necessariamente entrar em choque com os banqueiros que drenam as riquezas do país. E infelizmente o Lula não tem perfil e disposição para esse tipo de tarefa. A política de conciliação de classes se exauriu com o golpe. Não há mais espaço para concessões tão grandes quanto as que foram feitas nos governos petistas. 

    É preciso reconhecer o caráter perverso e covarde das oligarquias que deram o golpe. Por isso é fundamental reconhecer a necessidade de investir contra os privilégios das oligarquias e dos rentistas. Taxar as grandes fortunas e o mercado financeiro, acabar com a política dos juros altos e priorizar o setor produtivo nacional. 

    De todas as candidaturas postas, a única que propõe tocar no cerne da questão é a do Ciro Gomes. É importante que o PT, PCdoB e PDT, assim como lideranças como o Lula, Ciro, Requião, Flávio Dino, Haddad estejam em sintonia e cada um ceda para construir uma plataforma política coesa capaz de somar esforços. Só assim será capaz de construir uma candidatura competitiva tanto para o Planalto quanto para o Congresso Nacional. 

     

  5. o 2018….

    Oh! Alfa e Ômega, por favor não faça como Marisa, tendo um avc e morrendo. O que nós faremos então?! Ninguém mais terá que trabalhar, acordar cedo, lutar por sua sobrevivência, sustentar este Estado Parasita, extorsivo, corrupto e ineficiente. Como foi nesta farsa Redemocrática, inclusive e principalmente, em govenos coxinha e mortadela. Descobrimos agora que devemos caçar Marajás. Algo familiar, me parece que já tivemos um tal Caçador em 1990. Quantos anos de nababesca mamata? 1990-2017? Agora o Brasil vai, se repetirmos o ‘Pai dos Pobres’? Agora no repeteco como o ‘Avô dos Pobres’? Que espetacular projeto de Nação e de Democracia !!! Ou talvez algo mais farsante como Picolé, Dória ou Hulk a ser engolido com refrigerante barato depois da janta e do JN. País fantástico, veja o que conseguiu construir depois da Anistia de 1979. Acho que o Planeta deve invejar. 

  6. candidatura Lula convém aos golpistas

        As manipulações de expectativas e da pauta nacional começaram incipientes no governo Lula e demonstraram seu enorme  potencial e eficiencia com a derrubada de José Dirceu da casa civil. A orquestração do timing entre o denuncismo criado pela mídia em articulação com o judiciário que de fato viabiliza todo um sistema de perseguição às esquerdas e aos direitos populares ganhou sofisticação e sintonia fina nos governos Dilma ,e hoje controla totalmente a agenda nacional. O único empecilho à implantação do método era conhecer qual o grau de mobilização e reação popular. Hoje se sabe que o grau de reação do povo é ZERO.  Hoje praticamente já nem se faz necessário o denuncismo, basta o judiciário agir no sentido de eliminar  direitos e conquistas populares.

    Neste cenário a candidatura de Lula convém muito ao establishment. Lula é hoje um cidadão de segunda classe totalmente a mercê do judiciário e dos interesses do establishment. Controlar o timing da candidatura Lula se tornou tarefa fácil e conveniente . Dividir votos do campo progressista, manter intelectuais engajados num projeto fracassado , manter esperanças numa parte significativas da população são as incognitas a serem balanceadas nesta equação que tem com objetivo a impugnação da candidatura no momento ideal.

    Hoje, a melhor opção visando resgatar um mínimo de soberania nacional e contraposição a esta orquestração e manipulação de expectativas é o lançamento da chapa Ciro Gomes presidente, Lula vice. Sem uma frente ampla das esquerdas não há a menor possibilidade de agentes isolados oferecerem resistência .     

  7. “A superstição eleitoral é

    “A superstição eleitoral é uma das nossas coisas modernas que mais há de fazer rir os nossos futuros bisnetos.

    Na  Bruzundanga, como  no  Brasil,  todos os representantes do povo, desde o  vereador até ao Presidente da República, eram eleitos por sufrágio universal, e, lá, como aqui, de há muito que os políticos práticos tinham conseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral  este elemento perturbador — “o voto”.”

    Desculpe-me mas na minha opinião não está nada claro que “as eleições não podem ocupar o centro” da ação política (mesmo porque elas já o são e por incrível que pareça nossos adversários estão pior em posição do que nós nesse campo de batalha). Também não está claro o que é uma “estratégia de transformação do mundo” (não conseguimos desenhar uma estratégia para evitar um golpe de estado, mas estamos buscando uma “estratégia de transformação do mundo”, é isso mesmo?). A única coisa que está mais do que clara é que existem outras forças sociais muito mais fortes do que o voto (o próprio Golpe de Estado o demonstra, nós tinhamos força democrática, mas ela não foi suficiente para fazer frente a outras forças ou poderes sociais como por exemplo os poderes econômicos, midiáticos, o poder no Congresso Nacional e os poderes judiciais. E mesmo porque o voto não serve diretamente para medir a força social, mas para estabelecer, representar e legitmar uma maioria política, o que em si já não é pouco.

    Continuo minha pregação solitária acreditando na força desse elemento perturbador, “o voto”, a democracia, os partidos políticos, etc. Em outras duas ocasiões (uma em um texto de Ion de Andrade e outra em um de arkx) insisti sobre dois pontos que considero fundamental e que em minha opinião tem sido negligenciado no debate político atual. Os dois pontos que levanto são: primeiro, a necessidade de uma abordagem política realista (que não significa nem conformista, nem resignada e e muito menos anti-utópica) e, segundo, a necessidade de saber utilizar e valorizar os espaços e, principalmente, os instrumentos tradicionais da política (que não significar desvalorizar ou negligenciar os novos espaços e ou os novos instrumentos).

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