Opniões corretas, argumentos errados

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O debate sobre financiamento de campanha começou bem e mal. Concordo com os ministros que votaram pela proibição de contribuições de pessoas jurídicas. Mas fico preocupado com os argumentos. 

Joaquim Barbosa corrigiu o advogado geral da União, Luiz Inácio Adams, quando este disse que existe financiamento privado de campanha nos Estados Unidos. Adams deixou claro que não fizera direito a lição de casa. Mas ele tinha razão no principal e Joaquim Barbosa estava errado.

O financiamento privado patrocina a maioria dos políticos americanos, sejam presidentes, governadores e parlamentares. A diferença é que as empresas se escondem através dos PACs, que se apresentam como entidades autônomas, o que ajuda a esconder a origem do dinheiro e complica o esforço para saber quem pagou quem, quando, como. É preciso monitorar gastos de um lado e receitas de outro para se chegar a uma conclusão. Existem entidades democráticas que fazem isso, mas não é assim tão fácil.

Se os PACs procuravam dar um limite às contribuições, refletindo uma preocupação razoável com a influência das grandes corporações sobre o mundo político dos EUA que ganhou força no país depois do escândalo Watergate, nos últimos anos surgiram os Super-PACs, que autorizam contribuições sem nenhum limite. Os Super-PACs chegaram a ser questionados na Justiça por sua generosidade execessiva em relação ao dinheiro grosso, mas a Suprema Corte, de maioria republicana, acabou dizendo que são constituicionais.

Como correspondente em Washington, entre 2000 e 2001, tive duas experiências pessoais com as campanhas eleitorais norte-americanas. Fiz a cobertura de um jantar de arrecadação de fundos para o partido democrata, que lançou Al Gore para disputar a sucessão de Bill Clinton. Vi cenas inesquecíveis naquele lugar, um grande hotel num subúrbio de Washington. Os representantes do partido e os lobistas se encontravam em salas pré-definidas, de acordo com o volume de contribuição. Quem iria fazer donativos mais baixos tinha conversas com assessores de escalão inferior, também. Os donativos superiores a 100 000 dólares davam direito a uma conversa a dois, sem testemunhas, numa sala a meia-luz. Era ali que os grandes pedidos e reivindicações eram feitos. Ninguém queria ser identificado por quem não estava à mesa – daí a iluminação especial.

Outra experiência foi entender como se produz boa parte das contribuições de pessoas físicas nos EUA. Pensei que era dinheiro do cidadão, voluntarismo e outras louvações a cidadania que se costuma atribuir ao tão decantada sociedade civil americana e suas entidades filantrópicas. Claro que encontrei eleitores empenhados em garantir seus candidatos. Anos mais tarde, quando voltei aos EUA para cobrir a primeira campanha de Barack Obama, conversei com vários jovens que faziam doativos pela internet. Eu achava engraçado, eles também. Mas estava certo.

O errado é que as corporações também têm sua forma de burlar essa regra. Consiste em fazer o seguinte. Quando você contrata um funcionário, pede autorização para descontar uma parcela de seu salário, que será enviada, mensalmente, a um PAC que costuma engordar os cofres de determinado partido. Fiz essa apuração junto a uma corporação de irredutíveis convicções republicanas, mas é fácil imaginar que o mesmo acontece em empresas de preferências democratas. 

Por que estou contantdo isso?

Porque eu acho que o debate sobre financiamento de campanha importante demais para ser feito com base em informações falsas – que conduzem, inevitavelmente, a convicções falsas e propostas erradas. 

Imaginar mais uma jabuticaba e dizer que “só no Brasil” o setor privado tem uma influência tão gigantesca e decisiva no sistema eleitoral implica em apontar para um tipo de diagnóstico catastrofista, que leva muitas pessoas a questionar a legitimidade do regime democrático, a duvidar do caráter soberano dos mandatos populares e assim por diante. Nós sabemos muito bem aonde isso pode parar, não é mesmo? 

Vamos com calma, portanto.

Não há dúvida de que o financiamento de empresas privadas deve ser proibido. E, pela experiência que descrevi acima, tenho todo direito de desconfiar de quem sugere contribuições de pessoas físicas – mesmo admitindo que é difícil separar o joio do trigo nestes casos e que é errado impedir uma pessoa com convicções políticas de ajudar materialmente o partido de seu interesse. Isso faz parte da liberdade, certo? 

O problema é saber o que se faz depois. Da mesma forma que é importante proibir a contribuição de empresas privadas, é preciso garantir o financiamento público exclusivo das campanhas, que deve ser distribuído a partir de critérios semelhantes ao do tempo de propaganda na TV. Claro que isso vai favorecer o partido que tem mais votos. Vale a pena ponderar, evitar distorções muito grandes, mas o princípio não pode ser outro. 

Acho que é assim que acontece nas democracias. A menos, claro, que se queira nivelar os recursos publicos destinados a Levi Fidelix, a Dilma, Aécio e Eduardo Campos.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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