Fake News nas eleições: A lição de um Veles Boy aos eleitores brasileiros

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Imagens: Reprodução/Globonews

Jornal GGN – Como e por que adolescentes de uma cidade ao centro da Macedônia ajudaram a eleger Donald Trump impulsionando fake news contra seus adversários? A resposta é mais simples do que parece e, ao contrário do que muitos podem imaginar, ideologias e preferências político-partidárias não foram os principais motores. 

Tudo aconteceu – e continua acontecendo em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, pelas mãos de outros atores – por “capitalismo”: o que seduz fabricantes de fake news é a possibilidade de ganhar dinheiro com o Google Adsense, sem precisar sair de casa.
 
A história dos Veles Boys, como ficaram conhecidos na imprensa internacional os jovens donos de portais de fake news pró-Trump, é uma lição ao eleitor brasileiro que costuma acreditar em tudo que lê na internet. Às autoridades que ainda não descobriram o caminho “milagroso” para combater a produção de notícias falsas, também.
 
Para o documentário veiculado pela Globonews, uma equipe de reportagem brasileira entrevistou um Veles Boy que, do alto dos seus 19 anos, expôs a facilidade e velocidade com que uma fábrica de fake news pode ser criada em tempos de Google e Facebook, com potencial de alcance em massa.
 
Basta abrir um site pretensiosamente noticioso (e há inúmeras plataformas que oferecem esse serviço gratuitamente), criar uma conta no Google Adsense e produzir conteúdo que gere milhões de cliques, pois a rentabilidade do negócio está ligada ao fator audiência.
 
Até a opção de entrar em assuntos ligados à política estadunidense foi estrategicamente pensada para construir um volume suficiente de views para gerar receita por meio dos anúncios do Google, disse o Veles Boy. E, dentro do público alvo, foi necessário ainda encontrar o nicho mais apto a “comprar” a mercadoria vendida: textos sem qualquer apuração jornalística ou compromisso com a verdade, mas que caem no gosto do freguês que consome notícia apenas para reafirmar suas convicções.
 
Segundo o jovem, seu grupo chegou a testar conteúdo voltado para o público que acompanha a então candidata Hillary Clinton e o senador Bernie Sanders. Mas os números eram melhores quando as fakes news atraiam os apoiadores do Donald Trump.
 
O Veles Boys afirmou que atacar os adversários de Trump era mais fácil porque, em sua avaliação, os eleitores do hoje presidente dos EUA são “mais estúpidos”, “acreditam em qualquer coisa”, menos na imprensa (mainstream media), porque Trump repete incansavelmente que os grandes jornais são os verdadeiros produtores de fake news.
 
Esse eleitor que visita sites de fake news – e não percebe que o termo virou uma arma na mão de políticos que não aceitar reportagens críticas contra si – acreditou até na mais absurda das histórias – como, por exemplo, que Michelle Obama é um homem e que Hillary é pedófila.
 
O documentário mostra também que as fake news criadas de qualquer parte do mundo para influenciar a eleição estadunidense também ecoaram no noticiário de veículos alinhados com Trump.
 
Para disseminar as fake news, o Veles Boy contou que costumava entrar em grupos de Facebook formados por centenas de milhares de apoiadores de Trump e divulgava ali os links de seu site.
 
A cereja do bolo da entrevista é o momento em que ele diz que não tinha problemas com o Google. A razão disso também é bem simples: a empresa fica com a maior parte do lucro dos anúncios. “O Google está ganhando mais dinheiro que nós. Se eu ganho 5 mil euros essa semana, o Google ganhou 20 mil, porque eu fico com 20% ou 30% do que eles ganham.” 
 
Questionado pelos documentaristas se ele tinha noção do impacto que as fakes news causaram nos Estados Unidos, ou em episódios como Brexit, o Veles Boy respondeu que a internet sempre foi esse “território livre” e que são os leitores que “deveriam estar mais atentos” a respeito do que consomem na internet em termos de informação. “Se você está lendo notícias falsa, a culpa é sua. Eu sou apenas uma pessoa com um site.” 
 
Aqui no Brasil, a revista Época, em abril deste ano, publicou uma matéria os empreendedores digitais que estão no ramo das fake news (embora neguem) porque ganham dinheiro com o Google Adsense. Sites como o Gospel Prime tiram até R$ 20 mil mensais, segundo a reportagem, com uma audiência de 2,8 milhões de leitores por mês. No Facebook, o portal possui mais de meio milhão de seguidores. Entre as notícias falsas, Época citou uma que afirmava que o governo Temer financiou terroristas palestinos. Leia aqui
 
Neste ano eleitoral, o Facebook suspendeu inúmeras contas utilizadas de maneira orquestrada para difundir notícias falsas produzidas por portais que, no Brasil, misturam fatos reais com mentiras. Google, por outro lado, mantém esses sites no ar. 
 
A questão é delicada porque passa pelo debate acerca da censura prévia. A quem cabe definir o que é fake news?
 
No último domingo (21), o Tribunal Superior Eleitoral foi claro em dizer que não cabe ao Judiciário agir sem que os partidos ou candidatos afetados pelas notícias falsas movam ações. A política do Google, no mérito, é a mesma. A liberdade de expressão é um pilar na internet e fake news entram no rol de materiais que são derrubados mediante ordem judicial. 
 
No Reino Unido, depois do impacto das fakes news no Brexit, a saída encontrada até agora, segundo exposto no documentário, foi o fortalecimento das agências de checagem. No Brasil já há pelo menos 7 delas constituídas e fazendo ponte com o TSE. A dúvida é: será o suficiente?

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. Alimento para consciência

    Assim como há agências estatais que proibem empresas privadas de venderem comida estragada, visto que pessoas comuns não têm recurso para se precaverem contra isso, há que haver recurso também estatal, democrático, para expulsar indutores e criadores de consciências doentes dos meios de comunicação em massa.

    “Mas isso é censura! Não dá para confiar na isenção do estado para censurar.”

    E dá para confiar em que a iniciativa privada não envenenará as pessoas?

  2. Tudo é, sempre foi, e sempre

    Tudo é, sempre foi, e sempre será, uma questão de ganhar dinheiro.

    Não importa como.

    E o sonho maior sempre foi, ganhar dinheiro, sem fazer esforço.

    Com a bunda na cadeira.

    O Big Brother, ops, digo, o Google, onde escrevo essas mal traçadas, tá andando e andando pro conteúdo do que veicula em suas plataformas.

    Se a caixa registradora tilintar, sai até isso: “JEAN WILLYS DIRIGE FILME SOBRE A VIDA DE CRISTO COMO DRAG QUEEN, COM PABLO VITTAR NO PAPEL PRINCIPAL E LULA COMO CAIFÁS”.

    Milhões e milhões de cliques garantidos.

    E milhões e milhões na conta do Google.

    E uns trocados na conta do…como é que chama? Veles Boy…

    O ” Ou nos locupletamos todos, ou restaure-se a moral”, do Stanislau Ponte Preta, saiu das casas legislativas e ganhou o mundo.

    Como não há mais moral a restaurar, locuplete-se quem puder, do jeito que puder.

  3. Tive a sorte (e o azar) de

    Tive a sorte (e o azar) de assistir esse documentário na GloboNews.

    Lembrei-me de um momento marcante:

    Os repórteres, após entenderem que esses jovens espalham notícias falsas simplesmente por dinheiro, perguntam sobre a ética de espalhar essas mentiras. O rapaz olha para eles como que confuso e responde sem pudor: “Isso é o capitalismo.”

    A cara de bunda dos repórteres globais foi impagável.

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