A taxa de juros pelo lado do produtor
por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva
No dia 18 deste mês, publicou-se uma matéria acerca do efeito da taxa de juros sob o ponto de vista do consumidor. Ora, se matemática e psicologicamente o efeito é discutível, por que tanto pânico acerca das reuniões do Copom e declarações do Banco Central? Assim como na matéria anterior, por tratar-se do bem mais dependente de crédito entre os de consumo durável, continuaremos usando o automóvel como exemplo. De fato, a taxa de juros parece afetar muito pouco o consumo, tanto que continuam-se vendendo automóveis a uma taxa de juros de 30% ao ano. Aliás, essa taxa é para vendas com menos de 50% do valor financiado, quando não se necessita de fiador. Se necessitar, o dinheiro pode até não sair. O problema é o que acontece pelo lado da oferta.
Lá vem a ladainha de que o medo de perder é muito maior do que a vontade de ganhar. Um carro, a não ser que o comprador o use profissionalmente, não é investimento, é gasto. O valor de revenda é residual. Um fabricante de automóveis precisa decidir se produz internamente e exporta, ou produz fora e importa. É sobre essa decisão que a taxa básica de juros impacta. Na medida em que a taxa de juros brasileira sobe mais que a dos demais países, mais capital vem para cá, mas não para produzir, porém, para render de forma improdutiva e, quem sabe, para seu rendimento financiar o investimento no resto do mundo. Se a taxa europeia nominal de juros for de 2% ao ano, para uma inflação de 6%, o Estado estará subsidiando os investimentos locais em 3,78%. Em um empréstimo de € $100 mil, descontada a inflação, o mutuário deverá somente € $96.220,00 ao cabo de um ano. Coloquemo-nos, de uma forma simplificada, no lugar do investidor. É muito mais negócio trazer o dinheiro para cá, rendendo 8% reais ao ano e tomar um empréstimo no mercado europeu e produzir lá. Esses 8% poderão ser usados para pagar os débitos fora do país, ou seja, além do valor subsidiado pelo mercado europeu, há ainda a renda que vem do Brasil.
Não é à toa que as empresas tendem a levar suas fábricas para fora daqui, passando a importar os carros que consumimos. Isso não tem nada a ver com o custo-Brasil, como querem fazer crer os produtores externos. Isso tem a ver com o que os economistas chamam de arbitragem. Ora, se a taxa de juros na Argentina é subsidiada e a inflação é alta, se os carros produzidos lá têm mercado cativo aqui, por que produzir aqui e não lá? E o que sustenta essas importações brasileiras? Afinal, o dinheiro para importar automóveis precisa vir de algum lugar. Ele vem, basicamente, de duas fontes, o superávit comercial oriundo do agronegócio e o influxo de capital advindo da própria taxa exorbitante de juros que pagamos por conta de uma decisão do Banco Central. Em outras palavras, pagamos carros importados com dinheiro que veio passear aqui e cujo preço o país pagará mais cedo ou mais tarde.
Ao mesmo tempo, enquanto houver um superávit comercial no setor do agronegócio, o país tende a privilegiar o setor em detrimento da indústria. Não há de ser por outro motivo que a indústria, que chegou a contribuir com 35% do PIB durante os anos 1980, esteja ao redor dos 11% no presente. Só que chega um momento em que a taxa fica tão alta que começa a faltar crédito para o próprio agronegócio, cuja renda se estagna, quando não diminui, e o superávit dele advindo também cai, fazendo o país depender cada vez mais do influxo de capital para manter o consumo. É nesse ponto em que a fonte para as famílias também seca e a crise econômica se instala.
Por tratar-se da indústria com maior complexidade, o setor automobilístico será o primeiro a sofrer. Aliás, já está sofrendo, visto que nunca se recuperaram as 3,6 milhões de unidades produzidas em 2013, dez anos atrás. A bem dizer, poucas vezes no período sequer ultrapassamos os dois milhões de veículos produzidos, com sensíveis reflexos em toda a cadeia produtiva.
O pior é que o exagero na dose vai provocar uma inflação incontrolável no futuro pois, faltando crédito, falta produção e, faltando produção, a quantidade ofertada cai, elevando preços. Some-se a isso a dependência crescente de importações provocada pela desindustrialização e entraremos numa bola de neve de juros, visto que precisaremos de influxo constante e crescente para manter a economia funcionando minimamente. Em outras palavras, não poderemos diminuir os juros para não cortar o fornecimento de recursos e teremos voltado à primeira metade dos anos 1980. Na próxima matéria, o assunto será uma comparação entre a taxas de juros e a inflação em efeito perverso para o consumidor.
Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.
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Ótima análise! Penso que, se conseguirmos nos tornar um mercado de consumidores mais ou menos estável, já será uma vitória – se deixarem acontecer, claro… Quem sabe consumirmos produtos e não de bugigangas. A força que fazem para sermos um espaço geográfico (pq país não somos…!) de zero indústria, é impressionante. Vai sobrar (talvez) a de papel higiênico.. Curioso que achamos “lindo” a China crescer imensamente à base de industrialização, mas nós não, “não precisamos disto” Continuamos lambendo botas e adorando interesseiros de ocasião!