Economia Financeira
por Fernando Nogueira da Costa
Em lugar de denunciar, de maneira vã e leviana, a chamada “financeirização”, os economistas necessitariam sim estudar e pesquisar mais as Finanças. Na atualidade, deveriam cursar a disciplina Economia Financeira em vez de Economia Monetária.
A formação convencional de economistas afirma ser o conhecimento específico deles a Macroeconomia e a Economia Monetária. Mais precisamente, parece-me ser o conhecimento sistêmico o mais distinto em relação à possível aprendizagem sobre a atividade econômica com a prática experimental em negócios, por meio de tentativas-e-erros, tipo “deu certo repete”, “deu errado muda”.
Os “homens de negócio” conhecem sua atividade microeconômica, mas sem o estudo de Ciência Econômica não obtêm uma visão do todo. Não possuem o instrumental teórico-analítico para elaborar o cenário macroeconômico, contextualizar e tomar as melhores decisões.
A Macroeconomia é resultante da pluralidade das decisões econômico-financeiras descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras. Para maior entendimento de sistemas econômicos, na atual fronteira de conhecimento, necessitamos os estudar como componentes de um maior sistema complexo, emergente de interações de múltiplos componentes, inclusive os não considerados “econômicos”, como políticos, sociais e/ou comportamentais.
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Por exemplo, o sistema de classificação de temas de estudos, publicado pelo Journal of Economic Literature, nos fornece um guia para os organizar. Devem ser partes de um conhecimento geral sobre Economia – com maiúscula, quando se refere à Ciência Econômica e não à atividade econômica, quando se usa minúscula – noções sobre: planejamento, coordenação e reforma; empreendimentos produtivos; mercados de fatores e produtos; preços; inflação; população ou demografia; renda, produto e despesas nacionais; dinheiro; comércio externo, investimento e financiamento internacional; consumismo; bem-estar; pobreza; desempenho da economia nacional e perspectivas. Para tanto, cabe também o estudante de Economia saber a respeito de Economia Política e, em especial, instituições jurídicas e direitos de propriedade.
Quando se depara com tantos temas interativos, a mente humana abomina essa complexidade. Busca então uma simplicidade reducionista. É possível encontrar uma única expressão para conceituar o capitalismo?
Vou tentar demonstrar a Economia Financeira ser o sistema econômico-financeiro mais abrangente por emergir de interações entre o subsistema de pagamentos, o subsistema de gestão de dinheiro e o subsistema de financiamento, nos quais todos os setores institucionais se envolvem. Uma “palavrinha-mágica” sintetiza esse conhecimento necessário a todos os agentes econômicos: Finanças.
As Finanças são relacionadas à gestão do dinheiro por parte de pessoas (Finanças Pessoais), empresas (Finanças Corporativas), instituições financeiras (Finanças Bancárias), governos (Finanças Públicas) e resto do mundo (Finanças Internacionais). Todos os setores institucionais lidam com as questões de como cada qual adquire o dinheiro necessário para o enriquecimento, ou seja, como eles, após receberem dinheiro em fluxo de renda, o gastam ou investem para acumulação de um estoque de riqueza financeira como reserva para enfrentar o futuro incerto.
Não se trata, por isso, de apenas gestão dos recursos próprios por cada agente econômico. Eles tomam financiamento (recursos de terceiros) e, rotineiramente, fazem pagamentos.
Face à essa abrangência, o ensino convencional deve ser superado – mantido o necessário e descartado o ultrapassado – por o conhecimento mais amplo de Economia Financeira. Tradicionalmente, o conhecimento geral adquirido por estudantes de Economia inicia-se pela medição da renda nacional em contas de fluxos de produto e renda – e não de estoque de riqueza.
Depois de conhecer as instituições financeiras e as governamentais podem alcançar a Macroeconomia. Para isso, são insuficientes e devem ser descartados os modelos agregativos gerais, por exemplo, o Modelo de Equilíbrio Geral de León Walras como apresentasse bons microfundamentos econômicos do sistema de preços relativos.
Infelizmente, os acadêmicos viraram “recitadores de citações”, principalmente do pensamento neoclássico, ainda louvado pelo mainstream, mas também de Keynes. Os keynesianos ou pós-keynesianos usam e abusam do “argumento de autoridade”, tipo “a última palavra-de-deus”. Mas há também dogmáticos marxistas, institucionalistas, evolucionários e outros autorrotulados, para pertencimento a agrupamentos sectários, como meio de proteção e troca de favores: eu te cito, você me cita, nós… nos excitamos.
Os economistas tentam entregar o cobrado deles como fossem videntes: previsão e simulação. Praticam um jogo de adivinhação do futuro com uso das variáveis da macroeconomia: produção, emprego, renda, consumo, poupança, investimento.
Curiosamente, poucos dizem a respeito de consumismo e acumulação de fortuna, apresentando um guia para as pessoas interessadas em Finanças Comportamentais. Na corporação, é espécie de tabu falar sobre finanças pessoais. É considerado não ser de bom tom, elegante, educado… economista falar do próprio dinheiro!
Acham mais nobre falar do capital-dinheiro em sua contratação de força de trabalho para a exploração. Destacam o investimento em ampliação da capacidade produtiva, gerador de emprego – ou, na sua ausência, de desemprego. Falam das remunerações dos outros, da distribuição de renda intergeracional e até do “capital humano”, isto é, capacidade pessoal de ganho com base em alguma habilidade ou conhecimento.
Mas ao falarem da distribuição de renda, para os fatores de produção, igualam terra, capital e tecnologia em lugar de destacar a indispensabilidade do trabalho criativo de valor. Pouco dizem a respeito da economia informal ou clandestina, fora dos marcos legais do capitalismo, mas uma estratégia de sobrevivência em países subdesenvolvidos.
Buscam fazer previsão e simulação da evolução dos preços, das flutuações de negócios e dos ciclos oscilatórios. Isto porque o acompanhamento do nível de preços (inflação ou deflação) é decisivo para informar sobre o poder aquisitivo dos consumidores e, em consequência, sobre possíveis flutuações dos negócios.
A questão-chave a ser discutida agora é se, avizinhando a Economia Digital, não devemos trocar o tradicional ensino de Economia Monetária por aprendizagem de Economia Financeira. Nela também estarão o necessário estudo de moeda e taxas de juros, demanda por dinheiro e gerenciamento da liquidez, para colocar o juro de mercado no nível do juro-meta, anunciado pelo Banco Central.
Mas mereceriam maior destaque os sistemas monetários, os padrões hegemônicos, os regimes cambiais, o sistema monetário nacional como pilar da soberania do Estado. Face à ameaça das criptomoedas privadas, os sistemas de pagamento digital merecerão maior atenção sobre sua regulação.
A determinação das taxas de juro, especialmente, a estrutura das taxas de juros a termo (futuras), superou a antiga ênfase na política monetária de teor monetarista, ou seja, de sucessivas tentativas e erros em programação da oferta monetária. Os mercados financeiros se tornaram indissociáveis da macroeconomia, por isso, falar de política monetária hoje significa falar de política de juros e crédito, senão juros e câmbio.
A ideia monetarista de controle de quantidade de moeda perdeu relevância face aos multiplicadores de dinheiro pelo crédito bancário: empréstimos criam depósitos. O grau de alavancagem financeira dos bancos (ativos/capital próprio) é regulado pela exigência de capitalização prudencial dos bancos, imposta pelos Bancos Centrais.
Desde a Grande Crise Financeira de 2008 (GCF), esse monitoramento dos bancos pela Autoridade Monetária chama-se macroeconomia prudencial. Porém, o afrouxamento monetário com taxa de juro próxima de zero nos países ricos não gerou inflação, dada a grande disponibilidade de capacidade produtiva ociosa em economias estagnadas.
Os aspectos macroeconômicos das finanças públicas e as perspectivas gerais da austeridade permanente, denominada de austericídio, por conduzir ao suicídio econômico ou retrocesso da economia nacional, passaram a ser criticados por economistas lúcidos como objetivo equivocado da política econômica. Contra os inúmeros “Zé Regrinhas”, os social-desenvolvimentistas destacam os projetos nacionais prioritários de retomada do crescimento econômico sustentado (e sustentável) e combate à pobreza.
O relevante é buscar a consistência de instrumentos de políticas econômicas – de juros, crédito, câmbio, fiscal etc. –, tarefa exigente de coordenação política. Em especial, a política de juros do Banco Central deveria ser coordenada com a política fiscal do ministério da Fazenda e a política de crédito dos bancos públicos.
A estabilização inflacionária não é só questão de controle recessivo da demanda agregada com juros disparatados. Exige também simultâneas política de rendimentos e política de preços administrados.
Nessa visão sistêmica ou holista, são prerrequisitos os estudos de episódios vivenciados no passado de políticas particulares. Permitem traçar as perspectivas e as condições gerais para o bom funcionamento de uma Economia Financeira.
Para evitar crises financeiras, os mercados financeiros gerais necessitam permanente supervisão. Envolve observar a escolha do portfólio, decisões de investimento em títulos de dívida pública, ações ou dólar, por exemplo, a precificação de ativos, o volume de negócios, as taxas de juros de títulos, a precificação contingente, os preços futuros.
É necessária a informação tempestiva sobre a eficiência (ou deficiência) de mercado em livre funcionamento. Cabe estudos de todos os eventos conjunturais, inclusive nos mercados financeiros internacionais. Só assim será possível uma acertada previsão financeira com política e regulamentação governamental.
O conhecimento prático e aprofundado sobre finanças bancárias e serviços financeiros é também um prerrequisito para um economista bem-formado. Necessita de conhecimento geral sobre bancos, outras instituições depositárias ou de pagamentos, instituições de micro finanças, hipotecas, seguros e seguradoras, fundos de pensões, além de outras instituições financeiras privadas, como bancos de investimento e corretoras. Agências de ratings avaliam bem o capital de risco?
O Mercado onipotente e onipresente não é onisciente, portanto, não é sobrenatural – e exige política e regulamentação governamental. Para isso, são necessários economistas com capacitação profissional adequada.
Outro conhecimento-chave é sobre as finanças corporativas e a governança empresarial. Os estudantes de Economia sabem o suficiente a respeito de orçamento de capital, investimento fixo e estudos de inventário, política de financiamento, risco financeiro e gestão de risco, estrutura de capital e propriedade, falência, liquidação, fusões e aquisições, reestruturação, governança corporativa? Deixam tudo isso por conta de gestores, administradores de empresas ou contabilistas?
Não pode qualquer aspecto das Finanças escapar do conhecimento dos economistas. A política de pagamentos exige regulamentação e implantação governamental da CBDC (Moeda Digital do Banco Central) para evitar inovação financeira com moeda privada.
Outro tópico merecedor de estudo diz respeito às finanças internacionais. Os futuros economistas necessitam saber tudo sobre determinantes do câmbio, ajuste de conta corrente do balanço de pagamentos, movimentos de capital de curto prazo, arranjos monetários internacionais e suas instituições multilaterais, empréstimos do exterior e problemas de dívida externa, recurso à ajuda externa, os aspectos financeiros da integração econômica, enfim, a previsão e a simulação da inserção nas finanças internacionais para esboçar o futuro da Nação. Só.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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Numa tradução simples: não basta apenas esperar que as coisas simplesmente aconteçam. É necessário ter interesse nos eventos e procurar adquirir capacidade de fazer que possam ocorrer da melhor forma possível, incentivando a superação dos fatores que atrapalham o crescimento do País. O processo econômico é a interferência na dinâmica dessas relações na busca dos melhores resultados. Num mundo cada vez mais digital, em que há o uso intensivo de sistemas e máquinas, não é possível querer dispensar o uso do ser humano em sua condição de agir. Somente nas aplicações das finanças, quantos assuntos estão envolvidos. O Brasil tem que tomar uma decisão sobre como quer se desenvolver e trabalhar para isso. O desenvolvimento é causado por ações e interações, não é um bilhete premiado.