Por que envelhecemos?, por Felipe A. P. L. Costa

Por que envelhecemos?

por Felipe A. P. L. Costa

Envelhecimento e morte são temas relacionados, de sorte que a pergunta do título costuma vir acompanhada de outra: por que não vivemos para sempre? Alguém poderia dizer: “porque morremos antes”. Em termos científicos, no entanto, esta é uma resposta bastante insatisfatória – afinal, por que “morremos antes”?

Morrer precocemente é algo que com frequência acomete qualquer animal, de abelhas a bem-te-vis, de camundongos a chimpanzés. Em circunstâncias naturais, a morte – entendida aqui como o desaparecimento de um corpo individual – costuma resultar da ação de inimigos naturais (‘morte entre garras e dentes’) ou do estágio final da senescência, a deterioração que acompanha o envelhecimento (‘morte por exaustão’).

Todavia, nem todos os animais senescem. Assim, embora a ‘morte entre garras e dentes’ seja um risco que se corre em um mundo previamente habitado, a ‘morte por exaustão’ não é tão óbvia ou fácil de explicar. Hipóteses funcionais, como a da ação destrutiva de radicais livres, a do acúmulo de moléculas defeituosas ou a do esgotamento de potenciais genéticos tentam explicar ‘como’ o processo de deterioração se manifesta. Não é essa a questão. Estamos aqui interessados em examinar a senescência de um ponto de vista evolutivo: como e por que um processo que leva seus portadores à morte se estabeleceu no curso da evolução? Em outras palavras, por que, em tantas espécies animais, a aptidão individual declina com a idade?

Envelhecimento e senescência

O envelhecimento pode ser definido como o acúmulo de idade. Nesse sentido, trata-se de processo inescapável e universal: todos os objetos envelhecem. No caso de objetos inanimados, o envelhecimento (acúmulo de idade) coincide com a deterioração causada por fatores fisico-quimicos (e.g., desgaste mecânico ou combustão). Os seres vivos não estão imunes a isso, mas tais fatores não são os responsáveis pela deterioração que caracteriza a senescência. A perda de vigor durante o envelhecimento humano é bem diferente, por exemplo, do desgaste mecânico que caracteriza o envelhecimento de uma barra de ferro ou de uma pedra.

Podemos definir senescência como um processo de deterioração caracterizado por um declínio na aptidão à medida que os seres vivos acumulam idade – seja porque o risco de morte aumenta, seja porque a chance de reprodução diminui. O envelhecimento é universal, mas a senescência não: várias espécies parecem imunes a ela, enquanto em outras a aptidão aumenta após a maturidade. Esse útlimo fenômeno (senescência negativa) parece ser comum em organismos modulares (e.g., árvores e corais).

Mesmo entre os seres vivos com senescência, as características do fenômeno variam muito, incluindo diferenças na longevidade, na idade em que o processo começa e na velocidade com que avança. Em equinos, por exemplo, cuja longevidade é de algumas décadas, a fase senescente tem início tardiamente: corresponde a menos de um décimo do tempo de vida. Em pavões, que vivem menos de uma década, a fase tem início antes, correspondendo a mais de um quinto do tempo de vida.

Essas diferenças têm sido observadas tanto em animais mantidos em cativeiro como em populações naturais. Estudos de campo têm sugerido que, no caso de populações de animais longevos, uma parcela significativa do total de mortes ocorre nas faixas etárias mais avançadas. E mais: parte expressiva dessas mortes se deve a fatores internos (‘morte por exaustão’) e não externos (‘morte entre garras e dentes’), sugerindo que a longevidade individual já estaria próxima do limite máximo, ao menos em certos casos. A pergunta, então, seria a seguinte: por que indivíduos que escaparam da ‘morte entre garras e dentes’ ainda assim sucumbem à ‘morte por exaustão’? Por que eles não vivem para sempre? Em resumo, por que a senescência evoluiu?

Teoria evolutiva clássica

O primeiro a examinar a senescência em termos explicitamente evolutivos foi o naturalista e médico alemão August Weismann (1834-1914). Para ele, a progressiva deterioração do corpo (que resulta na morte) seria uma adaptação para o ‘bem da espécie’: a seleção natural ‘abriria espaço’ entre as gerações mais velhas, dando assim ‘oportunidade’ às gerações mais novas. A premissa do ‘é bom para a espécie’, tão comum até meados do século 20, reapareceria em outras variantes explicativas.

As ideias atuais a respeito da senescência começaram a se desenvolver nas primeiras décadas do século 20. Em 1941, o naturalista e polímata britânico J. [John] B. [Burdon] S. [Sunderson] Haldane (1892-1964) especulou sobre o assunto, sugerindo que a senescência seria a manifestação tardia (i.e., em uma fase pós-reprodutiva) de mutações deletérias acumuladas no genoma. Em 1952, o biólogo inglês, nascido em território brasileiro, Peter B. [Brian] Medawar (1915-1987) iniciou uma tradição, observando que a deterioração do corpo não é um processo de desgaste comandado por imperativos físico-químicos, mas sim um fenômeno biológico que carece de explicações próprias. Ele chamou a atenção para uma falha lógica embutida no raciocínio de Weismann: indivíduos senescentes eram tratados como um ponto de partida óbvio, e não como algo que merecesse explicação.

Em 1957, o biólogo estadunidense George C. [Christopher] Williams propôs a hipótese da pleiotropia antagonística, segundo a qual a senescência seria o resultado do acúmulo de efeitos colaterais de caracteres adaptativos. (Pleiotropia é um fenômeno comum e muitos genes são pleiotrópicos. A pleiotropia é dita antagonística quando um mesmo gene tem efeitos positivos sobre certos caracteres e negativos sobre outros.) Nos termos da hipótese de Williams, a senescência seria um epifenômeno: como a presença de caracteres que aumentam a aptidão é favorecida pela seleção, os efeitos colaterais dos genes que determinam tais caracteres ‘ganhariam uma carona’, assim persistindo na população.

Todas essas hipóteses evolutivas envolvem mecanismos genéticos, como o acúmulo de genes com efeitos tardios e a pleiotropia antagonística, o que significa dizer que poderiam explicar como a aptidão decresce à medida que envelhecemos. Mas ainda faltaria o outro lado da moeda: por que esses mecanismos (ou quaisquer outros) se estabeleceram no curso da evolução? Por que não foram removidos ou ajustados pela seleção natural? A resposta que costuma ser dada a essas perguntas tem por base um modelo proposto pelo biólogo inglês William D. Hamilton (1936-2000), na década de 1960. A conclusão é a de que a senescência seria um efeito inevitável do progressivo ‘enfraquecimento’ da seleção após o início da maturidade.

Adaptação de grupo?

Com exceção da de Weismann, todas as demais hipóteses referidas acima estão ancoradas em uma mesma premissa: a senescência carece de valor adaptativo. Parece lógico; afinal, seria um contrassenso biológico imaginar que a deterioração do corpo poderia ter evoluído como uma adaptação do indivíduo.

Todavia, na opinião de alguns autores, a senescência pode ter evoluído como uma adaptação de grupo. (Enquanto a seleção individual resulta de diferenças nos valores de aptidão entre indivíduos da mesma população, a seleção de grupo é determinada por diferenças nas chances de multiplicação e extinção entre grupos discretos de indivíduos. A seleção de grupo leva ao estabelecimento de adaptações próprias do grupo, e não necessariamente dos indivíduos.)

Assim, há quem argumente que a senescência poderia ser uma adaptação contra a proliferação de doenças infecciosas. Em um contexto de corrida armamentista entre patógenos e hospedeiros, um dos benefícios da senescência seria promover a heterogeneidade na população de hospedeiros, dificultando a proliferação de patógenos – algo equivalente ao efeito que é atribuído à reprodução sexuada. Em 2011, um modelo algo diferente foi proposto pelo físico brasileiro André Martins. De acordo com esse modelo, a senescência teria evoluído como uma adaptação de grupos viscosos vivendo em ambientes heterogêneos e cambiantes. O benefício preconizado seria semelhante ao do modelo anterior (i.e., promover a heterogeneidade no interior do grupo), embora sem a necessidade de evocar uma corrida armamentista. As simulações indicam que, em um contexto de mudanças constantes (genéticas e ambientais), grupos senescentes tendem a se impor, promovendo a extinção de grupos rivais cujos integrantes não senescem. Ouso dizer que o modelo é pomissor.

Coda

Chegamos assim a dois conjuntos de respostas possíveis à pergunta que está embutida no título deste artigo: por que passamos por um processo de senescência à medida que envelhecemos?

Para muitos estudiosos, a senescência teria se estabelecido como mero efeito colateral (pleiotrópico) de caracteres adaptativos, não carecendo de explicação própria. Para outros, no entanto, o processo teria se estabelecido como um modo de abreviar a longevidade individual, o que, dependendo das circunstâncias, elevaria as chances de persistência do grupo, sendo, então, adaptativo.

O tema é dos mais intrigantes e segue sendo discutido e investigado.

[Nota: extraído e adaptado do livro O evolucionista voador & outros inventores da biologia moderna (2017) – ver aqui ou aqui; versão anterior, algo diferente, foi publicada na edição n. 293 (2012) da revista Ciência Hoje.]

Redação

11 Comentários

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  1. Interessante

    A questão é bem interessante. Acho que se pode mostrar que o envelhecimento seja uma decorrência da sexualidade, o que parece inusitado, e, por isso mesmo, bem instigante.

  2. porque envelhecemos?

    Porque envelhecemos? Porque o corpo está em progresso ascendente de crescimento e evolução até atingir a idade adulta, e então começa a nitidamente, gradualmente, desgastar e enfraquecer? 

    peloq ue li do texto, a ciêncai ainda não achoua resposta definitva pra esta pergunta (muito menos , para oq eu provocou tal funcionamento em nosso corpos). Tudo que temos são várias teorias. É isso, correto?

  3. Creio que é um mecanismo

    Creio que é um mecanismo contra as superpopulações; se todos os organismos tivessem o potencial para viverem eternamente, será que as mortes “matadas” seriam suficientes para equilibrar o número de indivíduos?

  4. nós  nascemos e crescemos 

    nós  nascemos e crescemos  totalmente  contrario ao tempo  ou mesmo  contrario a rotaçao da terra, se olharmos  bem  notamos que a terra  gira no sentido  ANT HORARIO, isso quer dizer que  nós  estamos  vivendo no sentido horario dessa forma o tempo passa nós  envelhecemos e morremos. 

  5. nós  nascemos e crescemos 

    nós  nascemos e crescemos  totalmente  contrario ao tempo  ou mesmo  contrario a rotaçao da terra, se olharmos  bem  notamos que a terra  gira no sentido  ANT HORARIO, isso quer dizer que  nós  estamos  vivendo no sentido horario dessa forma o tempo passa nós  envelhecemos e morremos. 

  6. Por outro lado, ao se

    Por outro lado, ao se especular que o fenômeno da vida seja de natureza quântica ((não-local), estendendo-se o conceito de Gaia-Terra a “Gaia-Universo” , pode-se pensar que a evolução de software em escala universal privilegie a aceleração da mudança de hardware, que somente a sexualidade pode propiciar. Talvez seja trabalhar contra essa “Lei Universal” prolongar artificialmente a vida das espécies que atingiram o status civilizatório.

  7. Sempre li q era questao de esgotamento da reproduç das células

    Pelo que li, quando uma célula se reproduz, apenas uma das células dela originada continua com capacidade de reproduçao, e há um limite para o número de reproduçoes possíveis. No fundo é tb uma questao de metabolismo, porque seria o metabolismo que força a divisao celular, de modo que quanto maior o metabolismo mais rápido o esgotamento da capacidade reprodutora das células. Havia um médico francês dos anos 70/80 (nao lembro o nome dele) que inclusive associava isso ao câncer.

  8. Lembra da ovelha Dolly?
    Um efeito inesperado que foi observado no primeiro animal clonado do mundo é que o clone envelheceu muito mais rápido que o normal, e depois de alguns anos aparentava ter a mesma idade que o doador original, que era na verdade alguns anos mais velho.
    Isso significa que o envelhecimento está programado no nosso DNA. Não é a ação de agentes externos, existe um reloginho no DNA de cada um e uma programação para deteriorar as células a medida que o reloginho vai correndo. Normalmente esse reloginho é zerado na concepção de um novo indivíduo, mas na clonagem o relógio continua correndo, por isso o clone tem a mesma idade genética do doador, apesar de ter crescido depois.

    Por que o DNA está programado para envelhecer? Porque as espécies cujos indivíduos envelhecem e morrem depois de um determinado tempo têm maior renovação e evoluiram mais rápido que as espécies cujos indivíduos podem ser imortais, que acabaram derrotadas na seleção natural.

    Resumindo: nós envelhecemos porque assim é melhor para nossa espécie.

    1. Nao é no DNA que essa informaçao está contida

      O DNA de todas as células é igual. Essa informaçao está nos marcadores epigenéticos, que sao postos ao longo do desenvolvimento, à medida que as células se dividem e se diferenciam. Apenas as células tronco podem se reproduzir sem se diferenciar, e mesmo assim há “níveis” de células tronco, algumas sao completamente indiferenciadas, mas a maioria delas só é indiferenciada até um certo ponto.

  9. Assunto intrigante mesmo

    O tema é intrigante e pelo exposto acima ainda terá muito a se falar. Não consegui acompanhar o raciocínio no tocante ao modelo de 2011, quando as simulações indicam que os senescentes tendem a se impor?

    Parabéns pela reflexão.  

  10. Entender é aceitar?

    Querer saber o porque costuma ser importante para entender – o que facilita muito o aceitar.

    Parece que termos consciência de que envelhecemos e morremos não agrada nem um pouco. Yuval N. Harari no seu recente livro ‘Homo Deus’ aponta que a humanidade leva muito a sério hoje a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU), que declara o “direito à vida”. Por que então morrer, oras? Indica que vamos perseguir a imortalidade nesse século, com pesados investimentos do Google e outros gigantes da engenharia genética, medicina regenerativa, nanotecnologia, etc.  É tudo questão de técnica. Quem tiver dinheiro, deverá conseguir. Harari cita que notáveis como Aubrey de Grey (gerontologista) e Ray Kurzweil (inventor) defendem que quem tiver boa saúde e ótima conta bancária, por volra de 2050 vai conseguir uma certa imortalidade, enganando a morte uma dácada por vez. Então, parece que procura-se entender, não para aceitar, mas sim para poder enganar. Bem, de qualquer forma não estarei aqui para saber se deu certo.    

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