Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (2/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Quando tomamos um país de contrastes como Brasil, Estados Unidos e Rússia, a coisa pega porque os preços relativos variam ao longo do território.

Agência Brasil

Qual o tamanho do agronegócio brasileiro? (2/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

PIB, os problemas começam em casa.

Em Inglês, PIB é GDP (Gross Domestic Product, ou Produto Doméstico Bruto). Doméstico, para nós, tem o sentido de casa, de lar. Em inglês, porém, tem o sentido de dentro do país, daí ter-se traduzido como “interno” e não “doméstico”. Num país pequeno como a Bélgica, tudo é muito parelho ao longo do território. Quando tomamos um país de contrastes como Brasil, Estados Unidos e Rússia, a coisa pega porque os preços relativos variam ao longo do território.

Pondo o economês de lado, uma casa em Rondônia não tem o mesmo valor que em São Paulo e olhe que não se fala em bairros, somente na média do que se encontra estado a estado. Isso se reflete nos alimentos e mesmo no padrão de consumo. O transporte público, por exemplo, pesa infinitamente mais em São Paulo SP do que em Boa vista RR pelo simples fato de que na primeira cidade há quinze mil ônibus e um sistema com mais de 100 km de metrô, contra os menos de cem ônibus da segunda cidade. Se os bens de consumo imediato, assim como os serviços, tendem a ser mais baratos nos rincões mais distantes, os bens de consumo durável são mais caros por incorporarem o custo do frete, bem como por estarem menos sujeitos à concorrência. Se não fosse assim, não haveria sacoleiros que vão das pequenas cidades de Minas ao bairro do Brás, em São Paulo, para comprar roupas e quinquilharias para revenda.

Assim, se a intensão for medir o PIB, será preciso equalizar preços, por exemplo, tomando o estado de São Paulo como base. Isso é defensável, pois mais de 20% da população vive nele. Dá para imaginar que o valor de alguns produtos será inflado, enquanto outros serão considerados a menor. Aí, esbarra-se em outro problema, o padrão de consumo varia entre estados. Um paraense pode jamais ter provado o chimarrão, assim como um gaúcho raramente terá visto um cupuaçu. É preciso, então, montar uma cesta com produtos consumidos em todos os estados, verificando a sua variação em valor entre as unidades da federação, atribuindo um fator de correção para cada um deles, ou seja, procurando trazer tudo para o poder aquisitivo de São Paulo. A isso se chama de paridade do poder de compra.

Desde os primórdios do cálculo do PIB isso foi uma preocupação. O problema é que, ao tentar eliminar distorções, podem-se criar outras. Uma delas é o fato de a cesta precisar mudar a cada – digamos – cinco anos. Em 1987, quando o método foi instituído nos principais órgãos de economia comparada do mundo, não havia celulares à disposição da população como hoje, ao passo em que vendem-se muito menos computadores de mesa do que naquele tempo. Ademais, há fenômenos como o da “servicificação” que tomam grande parte do poder aquisitivo das famílias e empurra para baixo a margem de bens em geral, especialmente, os de consumo elegível, que os economistas chamam de elasticidade-preço.

No caminho contrário, a pulverização dos mercados via sistemas de entrega equaliza os anseios da população no que tange aos seus sonhos de consumo, independentemente de onde vivam. Até entre índios encontram-se celulares. Através deles o indivíduo vê carros, drones, gente calçando tênis enfeitados e isso acende uma vontade que, doutra forma, estaria restrita aos grandes centros urbanos. Também esse fenômeno afeta a medição do PIB.

Mas esses problemas metodológicos não se resumem aos produtos finais. Ele se espalha por toda a cadeia produtiva, visto que insumos, bens de capital e mão de obra variam de preço entre regiões. Da mesma forma, preços são afetados pela disparidade do sistema tributário. Finalmente, as áreas cinzentas entre setores também varia região a região. O açaí é consumido in natura na Amazônia e industrializado no Sudeste. Aí, não é somente uma questão de preço, mas do número de etapas entre produção e consumo. Determinar onde começa um setor e termina outro será sempre um debate acirrado.

Se o problema começa em casa, ele termina no mundo. Na Noruega, as despesas com aquecimento chegam a 30% do orçamento familiar, o que é impensável no Brasil. Assim, se a intenção for comparar Brasil e Noruega, ou acrescenta-se o aquecimento ao PIB do Brasil, ou retira-se da Noruega. É só uma menção simplista, pois as roupas não são as mesmas, assim como os alimentos e tudo o mais. Os órgãos que se dedicam a estudar economia comparada entre países têm seus próprios métodos para medir o PIB em paridade do poder de compra. Prova disso é que, se o cidadão pesquisar o PIB em paridade do poder de compra em três fontes, como Banco Mundial, FMI e CIA, por exemplo, encontrará três números diferentes e três rankings não coincidentes. O aconselhável é usar os três números parcimoniosamente, jamais o PIB nominal, como costumam fazer os jornalistas.

Se medir o tamanho do agronegócio no Brasil é um desafio, imaginemos quantos obstáculos teremos para pô-lo num ranking mundial, o que será discutido no próximo capítulo.

Leia o primeiro da série: Qual é o tamanho do agronegócio brasileiro? (1/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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