EUA: Projeto de Lei quer investimento ‘greenfield’ chinês em ativos imóveis na mira do CFIUS, por Edna Aparecida da Silva

O CFIUS é um Comitê ligado ao Executivo, composto por Departamentos e agências do governo americano, que revisa e avalia as implicações de segurança nacional de investimentos controlados por estrangeiros.

Crédito: Jason Lee/Illustration/Reuters
do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

EUA: Projeto de Lei quer investimento ‘greenfield’ chinês em ativos imóveis na mira do CFIUS

por Edna Aparecida da Silva

No dia 21 de outubro, o senador republicano John Kennedy (R-LA) apresentou no Senado o “Exposing China’s Belt and Road Investment in America Act 2021”, sua proposta legislativa para inclusão dos investimentos chineses do tipo greenfield no setor imobiliário (real estate) no âmbito das revisões de segurança do Comitê Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês). O CFIUS é um Comitê ligado ao Executivo, composto por Departamentos e agências do governo americano, que revisa e avalia as implicações de segurança nacional de investimentos controlados por estrangeiros.

Em sintonia com as demandas do setor privado e de congressistas por mudanças no mandato do CFIUS, o projeto sugere que, além de fusões e aquisições, os investimentos novos (greenfield) para aquisição de real estate — ativos imóveis e terrenos para construção de plantas produtivas — sejam analisados. Nessa modalidade de investimento greenfield, o investidor pode ter acesso a créditos fiscais, melhorias de infraestrutura, estímulos das políticas de atração de investimentos dos governos estaduais e locais, comumente justificadas por seu potencial de geração de empregos.

A estratégia greenfield tem sido uma das formas de entrada das empresas chinesas no mercado americano, assim como da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), plano de investimento em infraestrutura internacional, pelo qual a China tem buscado expandir sua influência geopolítica global. Até a primeira versão da proposta de Kennedy apresentada em 2020, não havia, porém, qualquer movimento em ambas as Casas do Congresso para incluir esses investimentos das empresas estatais chinesas na lista do CFIUS.

Assim, o projeto propõe a obrigatoriedade de notificação ao CFIUS de operações de compra, arrendamento, ou concessão de imóveis públicos, ou privados, e controle direto, ou indireto, de empresa no território estadunidense, quando a China controlar, ou tiver interesse no investimento.

De acordo com o senador, a medida seria necessária, porque, apesar dos vários filtros regulatórios que limitam os canais de acesso dos chineses a setores estratégicos e infraestrutura crítica, a ausência dos investimentos greenfield na lista do CFIUS deixaria uma porta aberta.

Media - U.S. Senator John KennedySenador John Kennedy (ao centro) (Fonte: site oficial do senador)

“O regime comunista chinês usa investimentos greenfield para ganhar vantagem sobre a economia dos EUA e sobre nosso mercado de trabalho. Não podemos ignorar as maneiras como Pequim está manipulando nosso sistema para tirar ativos, imóveis e inovação americanos das empresas dos EUA. O ‘Exposing China’s Belt and Road Investment in America Act’ de 2021 é um passo importante no combate à ameaça que a China representa para a economia e para a segurança nacional dos Estados Unidos”, alegou o republicano.

Em sua justificativa, o senador busca reforçar algo a que o ex-conselheiro de Segurança Nacional e ex-secretário de Estado Henry Kissinger já havia se referido quando comentou as dificuldades do governo Biden para buscar uma estratégia alternativa ao confronto para a relação com China: a percepção da opinião pública americana de que a China é um inimigo permanente, ao qual se atribui as “coisas ruins” que estão acontecendo na América. Uma pesquisa do Pew Research feita em março de 2021 mostra o crescimento dessa percepção negativa, mais especificamente, nos temas de direitos humanos e questões econômicas; assim como o apoio a medidas mais assertivas nos pontos sensíveis das relações bilaterais, como ciberataques, perda de empregos e crescimento do poder tecnológico da China.

Ampliar o alcance do CFIUS para conter China

Embora a declaração possa pareça mais do mesmo, o projeto de Kennedy amplia e altera o perfil da atuação do CFIUS em dois pontos: 1) define a origem do investidor como critério para um painel de revisão de segurança nacional; e 2) inclui na legislação o investimento tipo greenfield realizado em solo americano.

Historicamente, o CFIUS tem seguido uma trajetória de expansão de seu âmbito de atuação. Aprovada com apoio bipartidário em 2018 no governo de Donald Trump, a reforma mais recente, o Foreign Investment Risk Review Modernization Act (FIRRMA) ampliou os setores submetidos às revisões de segurança, incluindo os investimentos minoritários, chamados non controlling, nas áreas ligadas a tecnologia, informação e dados, e também os investimentos em real estate próximos à área de segurança. As atividades monitoradas pelos CFIUS incluem planejamento, teste, fabricação e desenvolvimento de tecnologias críticas de qualquer uma das 27 indústrias identificadas no Sistema de Classificação da Indústria da América do Norte (NAICS, na sigla em inglês).

No governo de Joe Biden, diversas propostas bipartidárias foram apresentadas para se alargar os temas e a composição do CFIUS, tais como, investimento em startups e fundos de pesquisa de universidades, no “Strategic Competitive Act”, e inclusão do Departamento da Agricultura, trazendo a questão do setor para os temas de segurança nacional por meio do “Foreign Adversary Risk Management Act” (FARM). Agora, com a proposta de Kennedy, o que se pretende é incluir os investimentos greenfield em ativos imóveis.

Apesar dessas propostas, também há resistência à ampliação do mandato do CFIUS, que parte do debate sobre como seria usado pelo Executivo no governo democrata. O contra-argumento é que a inflação de temas na lista do Comitê coloca em risco a eficácia das revisões de segurança, na medida em que incorpora agendas setoriais que buscam abrigo protecionista no campo de segurança. Outro ponto é a politização do CFIUS feita por Trump. Com o governo Biden, a expectativa, do setor privado e de consultorias jurídicas, era que houvesse um retorno ao desenho original do CFIUS, com análise restrita de aspectos de segurança e sigilo das análises e maior previsibilidade.

Além das questões de competição estratégica com a China e de segurança nacional, um aspecto importante desse alargamento do campo de atuação do CFIUS é seu efeito sobre a competição no mercado doméstico. A politização de fusões e de aquisições, as polêmicas na opinião pública e o impacto de uma revisão de segurança sobre uma operação podem ser exploradas pela concorrência doméstica, eludindo a participação estrangeira. O chamado “efeito CFIUS” acontece quando propostas de aquisições, temendo bloqueio, são retiradas.

Dados do Rodhium Group indicam que, desde 2016, último ano do governo Barack Obama, a politização e as medidas restritivas adotadas, a retaliação comercial e o bloqueio de fusões e aquisições no setor de tecnologia provocaram a redução do investimento chinês nos EUA. A questão levantada pela proposta de Kennedy mostra, no entanto, que, apesar das restrições regulatórias e das tensões políticas, a diversificação das formas de investimento para manter os chineses no mercado norte-americano continua sendo uma diretriz da estratégia de investimento estrangeiro da própria China.

A Economia Política do Governo Trump - Internacional | Extra | 27604631

Edna Aparecida da Silva é pesquisadora do INCT/INEU e autora do capítulo “Investimento e segurança no governo Trump: CFIUS e a proteção da inovação como política de segurança nacional” no livro organizado por BOJIKIAN, N. M. P.; MENEZES, H. Z. (orgs.). A economia política do governo Trump. Curitiba: Appris, 2021.

** Recebido em 23 out. 2021. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

Edição e revisão final: Tatiana Teixeira. Contato: [email protected].

Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: [email protected].

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. O título da matéria é tão confuso que desincentiva a leitura, porém o assunto é de suma importância. São ações como essas, pequenas antipatias, políticas de separatismo é que os estados unidos poderão chegar ao limite das intenções de extermínio da sua população chinesa local.
    https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/homem-agride-mulher-asiatica-e-e-apanhado-por-camaras-de-vigilancia

    Por outro lado, cidadãos descontentes de Hong Kong, por exemplo, poderão correr para os braços abertos da América, tanto quanto os cubanos descontentes foram por lá recebidos a seu tempo, com a diferença de que a China não é uma ilha pobre da América do meio. O confronto poderá ser instalado. E americano adora conflitos.

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