Dias de fúria da extrema-direita no Reino Unido, por Ruben Rosenthal

Ao contrário de 2011, os atuais tumultos indicam que o Reino Unido pode ter entrado em rompimento do tecido social, que não será revertido

Extrema direita em Rotterdam – Reprodução Internet

do blogue Chacoalhando

Dias de fúria da extrema-direita no Reino Unido

por Ruben Rosenthal

Ao contrário de 2011, os atuais tumultos indicam que o Reino Unido pode ter entrado em um estágio de rompimento do tecido social, que dificilmente será revertido.

Diversas cidades na Inglaterra e na Irlanda do Norte foram tomadas por protestos violentos de apoiadores da extrema-direita, que entraram em choque com a polícia e com manifestantes anti-racismo. Choques ocorreram em cidades como Nottingham, Bristol, Liverpool, Leeds, Londres, Rotherham e em Belfast, na Irlanda do Norte, como pode ser visto no vídeo.

A origem imediata da fúria dos apoiadores da extrema-direita, foi o assassinato por esfaqueamento, de três meninas na cidade de Southport, em uma aula de dança inspirada em Taylor Swift, cantora e compositora norte-americana, na segunda-feira, 29 de julho. Na ocasião ficaram feridas outras dez pessoas, sendo oito crianças. Um jovem britânico de 17 anos, a uma semana de completar 18 anos, Axel Muganwa Rudakubana, se encontra detido e está sendo acusado pelo ataque.

Informes falsos, que se espalharam nas redes sociais, descrevendo o atacante como um imigrante muçulmano que chegara ilegalmente de barco no Reino Unido, criaram o estopim que levou aos protestos da extrema-direita em várias cidades do país. Um juiz então optou por levantar o sigilo inicial sobre a identidade do suposto atacante, alegando com isso prevenir que o ódio da extrema direita fosse canalizado para a comunidade muçulmana. Mas os protestos violentos não cessaram.

A desinformação começou no X, de Elon Musk.

Segundo artigo no The Guardian, o diretor da organização antifascista Hope not Hate (Esperança, não Ódio) considera que a desinformação inicial e discursos de ódio partiram do X, por pessoas que haviam sido anteriormente afastadas do antigo Twitter, por discursos de ódio, mas que puderam retornar, quando Elon Musk adquiriu a plataforma.

O ódio contra os imigrantes é alimentado e usufruído pelo partido ultranacionalista Reform UK, de Nigel Farage, que alcançou 14% dos votos nas recentes eleições gerais, mas obteve apenas 1% dos assentos no parlamento britânico. O sistema distrital sem segundo turno coloca uma barreira ao crescimento dos pequenos partidos, praticamente impossibilitando uma eventual chegada ao poder. No caso do Reform UK (antigo UKIP), isso pode estar canalizando a atuação de grupos da extrema-direita para protestos e ações violentas nas ruas, já que dificilmente conseguirão chegar ao poder pelas urnas, ao contrário do que quase ocorreu recentemente na França.

O Partido Conservador (Tory) procurou atrair votos da extrema-direita quando aprovou a legislação de expulsar os imigrantes ilegais para Ruanda. Segundo o então primeiro-ministro Rishi Sunak afirmou em dezembro de 2023, o plano iria  “literalmente economizar bilhões [de libras esterlinas] a longo prazo”, conforme relatado pela BBC News.

Essa afirmação veio apenas 1 mês após a Suprema Corte do Reino Unido votar por unanimidade, que o esquema de Ruanda conforme proposto pelo governo era ilegal, por violar a Convenção Européia de Direitos Humanos.  Sunak pretendia fazer ajustes no plano, para ressubmetê-lo à Alta Corte, mas para isso precisaria antes vencer as eleições.

Em sua primeira entrevista à imprensa, após assumir como primeiro-ministro, o trabalhista Sir Keir Starmer disse aos jornalistas que “o esquema de Ruanda estava morto e enterrado antes de começar”.  Mas qual seria a proposta do novo governo para lidar com a questão dos imigrantes ilegais que chegam aos milhares em pequenos barcos cruzando o Canal da Mancha? Segundo a BBC, desde 2018, estima-se que cerca 120 mil pessoas fizeram essa travessia.

A plataforma eleitoral do partido trabalhista prometia restringir a travessia de pequenos barcos transportando imigrantes no Canal da Mancha, contratando investigadores e usando poderes antiterroristas para “esmagar” gangues criminosas de contrabando de pessoas, segundo artigo no The Guardian.  Mas essa proposta irá impedir o crescimento dos ultranacionalistas e da xenofobia no Reino Unido? O ex-primeiro-ministro trabalhista Tony Blair alertou Keir Starmer para “fechar as avenidas” da direita populista, mantendo controles rígidos sobre a imigração, conforme outro artigo no The Guardian.

A onda de violência se espalha pelo Reino Unido

A última vez em que ocorreram protestos violentos generalizados no Reino Unido foi em 2011, quando por cinco noites consecutivas milhares de pessoas foram às ruas, depois que um homem negro foi morto a tiros pela polícia em Londres. Ao contrário de 2011, os atuais tumultos indicam que o Reino Unido pode ter entrado em um estágio de rompimento do tecido social, que dificilmente será revertido.

A violência teve início na própria cidade litorânea de Southport, já no dia seguinte ao esfaqueamento na escola de dança, quando uma multidão atirou tijolos em uma mesquita. Isso colocou em alerta, milhares de outras mesquitas no país. Conforme relato no Le Monde, a polícia responsabilizou seguidores da Liga Inglesa de Defesa (EDL, na sigla original), uma organização anti-islâmica fundada há 15 anos. Muitos desses seguidores promovem desordens associadas ao futebol (hooligans).

Os protestos se estenderam a Manchester e logo alcançaram Londres. Na sexta feira, ocorreram 10 prisões em Sunderland, onde uma mesquita foi atacada, carros foram incendiados, como também uma delegacia de polícia. Conforme relato pela Al Jazeera, em Leeds, cerca de 150 pessoas marchavam portando bandeiras do país, enquanto cantavam “Vocês não são mais ingleses”. Em resposta, os manifestantes contrários gritavam “Escória nazista. Fora das nossas ruas”.

No sábado, em meio aos embates entre grupos anti-islâmicos e anti-racistas em Stoke-on-Trent, foram atirados tijolos na polícia nas proximidades de uma mesquita. Policiais também foram feridos durante os distúrbios no centro de Liverpool. Na praça do mercado, em Nottingham, durante os confrontos foram atiradas garrafas e outros itens pelos dois grupos. Conflitos ocorreram também em Blackpool e Bristol, onde um grupo da extrema-direita tentou chegar a um albergue de acolhimento de imigrantes buscando asilo. Neste domingo, 4 de agosto, em Rotherham, uma horda de extremistas tentou invadir e incendiar um albergue de acolhimento de imigrantes, com pessoas encurraladas no interior (ver vídeo).

Assim, enquanto a atenção da mídia nacional e internacional está focada nos eventos recentes no Irã, Líbano, Gaza e Venezuela, os tumultos causados pela extrema-direita no Reino Unido colocaram o primeiro grande desafio a ser enfrentado pelo governo recém-eleito do trabalhista Keir Starmer. O primeiro-ministro deveria redirecionar as três bilhões de libras esterlinas anuais prometidas em apoio militar a Ucrânia, ao alívio dos problemas sociais em seu país. Ações dessa natureza poderiam sustar o crescimento da extrema-direita, que alcançou 4 milhões de votos na última eleição geral.

E finalizando, melhor fariam os escoceses em se separar do Reino Unido, antes que o vírus do racismo e do fascismo possa chegar lá.

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa deentrevistas Agenda Mundo, veiculado no canal da TV GGN e da TV Chacoalhando.

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