A pergunta que se deve fazer é: qual a necessidade de refinanciar cerca de ⅔ da dívida pública todo ano, ainda mais em um ambiente de elevadíssimas taxas de juros? Por que não se quita logo? Ao mesmo tempo, é apresentada a PEC 241 para achatar as demais despesas (previstas em lei)
no Brasil Debate
Auditoria NÃO é calote: é condição para o respeito aos contratos
por Everton Sotto Tibiriçá Rosa e Tiago Camarinha Lopes
Em coluna recente na Folha S. Paulo (28/09/2016), Alexandre Schwartsman desinformou o cidadão brasileiro sobre o movimento que luta por transparência e eficiência nos gastos públicos. Para ele, não seria nada além de um caso de intolerância à dívida, uma camuflagem para bradar pelo calote. Isto é absolutamente inverídico. A intolerância é em relação às fraudes. A Auditoria Cidadã da Dívida é um movimento que agrega desde 2001 cidadãos e entidades da sociedade civil que têm como objetivo, entre outros, discutir o endividamento público. A ampliação desse debate junto à população é o que de fato amedronta os economistas pagos pelos inimigos do povo.
A Auditoria Cidadã da Dívida considera que despesas financeiras, despesas com investimento público e despesas com custeio da administração pública são todas despesas, tal como reza a lei 4320 de 1964. Toda família tem contas para pagar, e ao pagá-las, sua receita é consumida. Do ponto de vista quantitativo não importa qual conta vai ser paga em primeiro, segundo ou último lugar: todas devem ser pagas em algum momento. Nenhuma tem prioridade sobre outra. A mesma coisa acontece com as contas de um governo. Por isso, as despesas financeiras de uma dívida pública são despesas como qualquer outro item previsto no orçamento público federal.
Schwartsman faz chacota dessa perspectiva, apesar de ela estar estritamente de acordo com as leis do país. Onde está escrito que as despesas financeiras com a dívida têm prioridade na fila das contas a pagar? Onde está escrito que elas são intocáveis em um processo de ajuste fiscal? Quando todas as outras despesas estão sendo contidas, por que justamente as despesas com a dívida pública não podem ser analisadas em detalhe? De fato, os itens não podem estar em pé de igualdade quando se precisa justificar uma política econômica antipopular.
Aqui vem o discurso do remédio amargo, como se não existisse outro tratamento. Tudo para desviar a atenção do escandaloso esquema de enriquecimento privado chamado dívida pública federal. Escandaloso não por conta da dívida em si, mas por seu custo exorbitante, sem paralelo no mundo, sem justificativa econômica e muito além do necessário das reais necessidades de financiamento do Estado (só em 2015 as receitas efetivas excederam em R$ 550 bilhões as despesas realizadas).
Vamos retomar o exemplo de Alberto e Bruno. Bruno paga no primeiro ano R$ 10,00 de juros e R$100,00 de amortização (totalizando R$110,00 de despesas financeiras), tal como qualquer um que respeite os princípios da contabilidade, como é o caso da Auditoria Cidadã da Dívida. Alberto, por outro lado, tem despesas financeiras idênticas ao pagamento de juros na ordem de R$10,00 no primeiro ano, mas não amortiza. Assim, ao final do primeiro ano, um terá despesas financeiras de R$110,00 e o outro de R$10,00.
O fato é que um dos amigos quitou uma dívida com um banco no primeiro ano, incorrendo em todos os seus encargos (juros e principal). Se esse banco recebeu o principal e os juros, a dívida foi devidamente quitada (pagou todos os juros e amortizou o principal). Para o credor não importa a origem do dinheiro do devedor, desde que ele pague suas dívidas. Com relação ao Estado brasileiro, a pergunta que se deve fazer é: qual a necessidade de ficar refinanciando cerca de ⅔ da dívida pública todo ano (tal como em 2015), ainda mais em um ambiente de elevadíssimas taxas de juros? Por que não quita logo?
As despesas financeiras se dividem em duas partes: a despesa com a devolução do principal (amortização) e a despesa com a remuneração do capital (taxa de juros). Para Schwartsman não faz diferença se você está pagando uma dívida ou outra, pois você está sempre endividado. Assim, na “lógica” de seu exemplo dos dois amigos, o pagamento da amortização não deve ser registrado como “amortização” se o Estado continua endividado, ainda que seja outra dívida e com outro agente.
Porém, do ponto de vista legal, contábil, e de quem é pago, faz toda a diferença, pois se trata de contratos diferentes: um que se encerra e outro que se inicia. A devolução do principal de uma dívida (despesa de capital) é uma amortização, e registrar de qualquer outra forma é crime. A Auditoria já sabe que as despesas com juros e amortização da Dívida Pública estão sendo registradas de forma ilegal (parcela do pagamento dos juros tem sido considerada como amortização) e desencontrada entre o Tesouro Nacional e o Banco Central. Não queremos calote, queremos transparência.
O ponto da Auditoria não é que dívidas refinanciadas devam deixar de ser pagas, mas colocar a pergunta: por que a Dívida Pública é cada vez maior e consome cada vez mais recursos do Orçamento, a ponto de uma PEC 241 vir para achatar as demais despesas (previstas em lei)? No exemplo do Alberto e Bruno não se indaga sobre o propósito do endividamento, afinal são agentes privados. No caso do Estado é diferente: os cidadãos têm o direito de saber os exatos motivos para o endividamento público.
Em termos de equilíbrio do orçamento não importa se você está gastando com educação, com saúde, com os militares ou pagando a dívida pública e seus serviços. Na aritmética mais simples as despesas se contrapõem às receitas. Agora, se for para dar um status diferenciado entre as despesas, não há nem dúvida de que as despesas com investimento público deveriam ser as prioritárias no orçamento público federal.
Em termos de respeito aos contratos, o contrato da dívida pública vale tanto quanto a Carta Constitucional de 1988. Ambos devem ser respeitados. A Auditoria Cidadã da Dívida é fundamental para que se tome uma decisão qualificada em relação às finanças públicas, os direitos dos cidadãos e os deveres do Estado.
Nós, brasileiros, pagadores de tributos, queremos transparência com uma das principais despesas do orçamento público. Só em 2015, 43% do orçamento público foi destinado para “juros e encargos da dívida”, “amortização da dívida” e “refinanciamento da dívida”. (Tesouro Nacional/SIAFI, http://www.tesouro.fazenda.gov.br/-/series-historicas).
Só quem tem dúvidas sobre a legalidade de parte da dívida pública tem medo de auditoria. Enquanto as despesas sociais estão sofrendo o maior escrutínio desde a criação da Constituição, ainda não foi feita a auditoria da dívida pública. E se depender dos “economísticos”, nunca será feita, por mais que esteja prevista na própria Constituição Federal.
AUDITORIA JÁ!
Everton Sotto Tibiriçá Rosa – É professor de Economia da Universidade Federal de Goiás (FACE-UFG); doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Unicamp; coordenador de formação do Núcleo Goiás da Auditoria da Dívida Pública
Tiago Camarinha Lopes – É economista pela Goethe Universitat Frankfurt a.M., Alemanha; professor da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Coordenador da Formação do Núcleo Goiás da Auditoria da Dívida Pública
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Queria o quê!
É claro que o Alexandre é contra.
A classe social que faz parte é a grande benefiada, simples assim!
Juros x amortização
Como disse o autor do artigo, por que a divida é prioritária sobre todas as outras dividas e eu faço outra, outra pergunta que não quer calar: por que o juros da divida é prioritário sobre a amortização.
Em outras palavras, na nossa sociedade os riscos de termos um desgoverno fica por conta do povo, os banqueiros tem prioridade total. Pergunto: Se os bancos tambem fossem prejudicados, será que eles não pensariam 2x antes de emprestar e, será que o governo não pensaria 2x antes de pedir emprestado sabendo que existe o risco dos bancos não emprestarem???
Concordo
Concordo totalmente.
Aliás, um dos pecados do PT no governo foi não fazer essa auditoria.
Será que Lula realmente acreditou alguma vez que, não mexendo com a fornte de renda dos “de cima”, eles o deixariam em paz?
Ingenuidade.
Algum tempo atrás…
…questionei ao ACD se o Governo Federal disponibilizava os valores pagos, separadamente, de juros propriamente e da amortização. Disseram que o BC simplesmente não tinha esse valor ou seja: Nem sabia da evolução e nem tinha perspectiva de como liquida-la, ou mesmo se o cálculo feito estava correto. Naturalmente suponho que alguem tenha esses números e que deva trata-lo como segredo de Estado…
Lembro também que em certa ocasião no Governo Dilma ou Lula, levantaram a possibilidade de um exame mais apurado dessas questões; coincidentemente foi o período em que houve uma certa folga no tiroteio diário da imprensa e o tal mercado até falava com simpatia aos órgãos federais.
Foram economistas que escreveram isso mesmo?
Que raio de pergunta é “por que não pagam a dívida logo”? A única forma de se fazer isso seria por meio de emissões pesadas de moeda, que resultariam muito possivelmente em um surto hiperinflacionário. E, como se não bastasse, na prática estaria configurado o calote, exatamente como o Schwartsman disse.
Além do mais, essa comparação de “receitas efetivas” com “despesas realizadas” está esquisita – o fato é que o país teve déficit primário, portanto não faz sentido dizer que sobrou dinheiro em 2015.
Também não faz sentido falar que os juros e amortizações compõem 43% da despesa e não dizer que os refinanciamentos perfazem quase o mesmo percentual da receita.
Por último, se a auditoria da dívida é tão importante, o que os economistas, o PSOL, o MST ou seja lá quem for estão esperando para fazê-la? Os dados relevantes podem ser solicitados via LAI (Lei de Acesso à Informação), de forma anominizada se for o caso. Se realmente há problemas tão sérios, tenho certeza que os movimentos investigativos os encontrarão, sem grandes dificuldades … ou não?
Foram economistas que escreveram
Marcos Oliveira,
foram economistas sim.
[1] A pergunta é para propiciar o debate que não está sendo realizado. Evidentemente, há razões para se ter um nível de endividamento por questão de condução das políticas macroeconômicas, o que não é carta branca para endividar o país sem debate com quem paga a conta. Quanto à questão inflacionária, até onde existe algum consenso entre as várias vertentes da economia, preços são definidos pela “oferta” e pela “demanda”. É necessário um conjunto de hipóteses restritvas na teoria, e condições particulares da economia, para concluir que emissão monetária é inflacionária.
[2] Um país que deve na própria moeda e tem receitas na própria moeda não necessita declarar calote. Isso vale para endividamento externo, como ocorreu com os países da América Latina. Antes de recorrer à emissão monetária, o Estado pode recorrer a impostos, à redução das taxas de juros, ao compulsório bancário.
[3]A comparação “esquisita” é simplesmente a comparação entre a Lei Orçamentária Anual (estimativa), as Receitas Orçamentárias (fiscal, seguiridade, operações de crédito, etc) que se efetivaram e as Despesas que de fato foram executadas. O desajuste pode ser observado por qualquer cidadão no site do Tesouro Nacional: Receitas de 2.7 trilhões, Despesas de 2.2 trilhões. Receitas Orçamentárias maiores que as Despesas Orçamentárias.
[4] Quando se refere a Déficit/Superávit, em geral, tratamos do conceito “primário”, que deduz o pagamento de juros das receitas e despesas “primárias”.
[5] A contabilidade é clara: 43% do Orçamento é destinado para juros, amortizações e refinanciamentos da Dívida. 43% não se relacionam com as despesas de saúde, educação, previdência, etc. Como foi respondido ao colunista da Folha, por mais que você pague uma dívida com a outra, são transações diferentes e tem que ser registradas. Há uma lei, Lei 4320 de 1964. As pessoas podem ficar chocadas podem não gostar, podem ficar chateadas, mas 43% do Orçamento Federal é destinado de uma forma ou de outra à Dívida Pública [9% para juros, 9% amortizações e 25% refinanciamento). O que levantamos é que há mais de 500 bilhões de diferença entre Receitas e Despesas Orçamentárias. Ou seja, captação de recursos que não foi utilizada.
[6] A Auditoria Cidadã da Dívida é apartidária e o movimento tem se organizado desde 2001. Por que governos tomam ou não tomam decisões, até onde se sabe, perpassa pela política. A Auditoria Cidadã da Dívida simplesmente quer mobilizar a sociedade para exercer o direito previsto na Constituição de 1988 e finalmente ter a Auditoria.
Se estiver tudo certo com a Dívida, ok. Se não estiver, o pagador de impostos tem o direito de saber o que está errado e quem é o responsável.
[7] Você fala da LAI. Foi criada uma CPI para o assunto, e nem com o poder de investigação obteve-se acesso a dados e esclarecimentos satisfatórios quanto às indagações referentes à Dívida, seu serviço e modus operandi.
Por fim,
as críticas à Auditoria Cidadã da Dívida não tem aparecido no sentido de auxiliar nos esforços de transparência, mas para desqualificar o processo, como se não fosse um direito ou como se não fosse necessário auditorar a dívida do país que paga a maior taxa de juros do mundo.
http://www.auditoriacidada.org.br/quem-somos/
ESTR
#auditoriadadividaja
#auditoriadadividaja
A população é ludibriada pelos “altos escalões sociais”.
A dívida pública é um problema antigo. Desde Cabral, ela assola nossa economia. Deveríamos nos politizar mais quanto a esse assunto. Se não berramos nas ruas, as classes que comandam continuaram sua façanha…