Os negócios de Gésner de Oliveira com a Sabesp

Da Carta Capital

Amigos abastecidos
 
Na Sabesp, programa de redução de perda de água é um filão para ex-diretores da empresa e apadrinhados do PSDB
 
por Fabio Serapião 

O abastecimento de água em mais de 80 cidades paulistas dependentes do Sistema Cantareira está à beira do colapso. Os números são claros e a conta não fecha: o sistema recebe hoje de seus afluentes apenas 10 metros cúbicos de água por segundo, mas envia 33,9 metros cúbicos por segundo, ou três vezes mais do que produz, para parte da Grande São Paulo e cidades da região de Campinas. O resultado é uma represa agonizante, com apenas 18,2% de sua capacidade, e o risco de racionamento iminente.

A situação era previsível e o governo de São Paulo, comandado há 20 anos pelo PSDB, havia sido alertado da necessidade de novas fontes de captação. A entrega da principal delas, o Sistema São Lourenço, está atrasada em dois anos. Ao contrário do que pensam os gestores mais bem preparados, o governador Geraldo Alckmin parece esquecer que as políticas públicas de abastecimento de água, em especial num país com tamanha reserva hídrica, dependem muito mais de um planejamento sério e eficiente do que do regime de chuvas.

Chama atenção nesse cenário o comportamento da Sabesp. Responsável por delinear e estruturar as ações relacionadas ao abastecimento de água, a Sabesp não só deixou de viabilizar novos meios de captação como conseguiu aumentar o desperdício no trajeto entre as fontes de captação existentes, incluído o Sistema Cantareira, e o consumidor.

Uma análise dos contratos assinados para execução de serviços relacionados aos programas de “Redução de Perdas” e “Uso Racional da água” expõe a promiscuidade entre o órgão público e empresas do setor de saneamento ligadas a ex-diretores da estatal. Além disso, as contratações sugerem uma explicação para o fato de, entre 2008 e 2013, período em que recebeu 1,1 bilhão de reais, o programa de perdas não ter alcançado sua meta de 30,6% de perdas reais e, ainda, ter realizado a façanha de piorar os índices da estatal: as perdas chegaram a 30,7% em 2011, alcançaram 32,1%, em 2012, e estacionaram nos 31,2%, em 2013. O que se perde no caminho entre a represa e a torneira dos consumidores daria para abastecer a cidade de Campinas, de 1,1 milhão de habitantes, que quase entrou em racionamento nos últimos dias. O padrão de países desenvolvidos fica abaixo dos 20%.

Vamos aos fatos, todos públicos, registrados em atas de pregões, relatórios do Tribunal de Contas do Estado e na Junta Comercial de São Paulo. Em 2 de fevereiro de 2010 a Sabesp encerrou uma licitação para “prestação de serviços técnicos especializados e de engenharia para o gerenciamento e assistência técnica do programa de redução de perdas” no valor de 30 milhões de reais. Sagrou-se vencedor do certame e responsável por gerenciar as ações entre 2010 e 2013, o consórcio formado pelas empresas BBL Engenharia, Gerentec Engenharia e Logos Engenharia.

Os personagens dessa contratação são, pela ordem, Gésner de Oliveira, à época presidente da Sabesp por indicação do então governador José Serra (PSDB). Atualmente, Oliveira ocupa o cargo de conselheiro na Miya Brasil, braço da multinacional Miya Group, que tem sede no paraíso fiscal de Luxemburgo e atua no Brasil como principal acionista da mesma BBL Engenharia, vencedora da licitação.

Por sua vez, a BBL tem como sócio-administrador o engenheiro Luiz Ernesto Suman, ex-diretor da Sabesp. Outro diretor egresso da BBL, Nilton Seuaciuc, fundou a Vitalux Eficiência Energética, especializada na redução de perda de água. Até 2006, quando Seuaciuc era diretor da empresa, a Vitalux havia firmado dois contratos com a Sabesp no valor de 6,7 milhões de reais. Em 2007, Seuaciuc passa a integrar os quadros da estatal, onde fica até fevereiro de 2011. Nesse meio-tempo, os contratos entre a Vitalux e a Sabesp aumentam 250% e alcançam 23,6 milhões de reais. Ao sair da estatal, Seuaciuc retornou à Vitalux e permanece lá até hoje. A Vitalux recebeu ao menos 6 milhões do programa de uso racional da água.

Sobre a segunda integrante do consórcio, a Gerentec Engenharia: desde 1995, a empresa tem como sócio Umberto Semeghini, primo do secretário de Planejamento e Desenvolvimento Regional do estado de São Paulo, Julio Semeghini. Em 2007, Umberto deixou o quadro societário da empresa após ser convidado para ocupar a diretoria de Sistemas Regionais da Sabesp.

Quando diretor da estatal, de 2007 a janeiro de 2011, sua ex-empresa saltou dos 40 milhões de reais em contratos firmados com a Sabesp nos dez últimos anos para 115 milhões reais abocanhados dos cofres públicos paulistas. Aumento de 187%.

Em abril de 2011, dois meses após deixar a Sabesp, Semeghini retornou à sua antiga empresa, agora com o dobro do capital social. O valor saiu de 2,3 milhões para 5 milhões de reais. Além de parte dos 30 milhões do contrato para gerenciamento do programa de perdas, a Gerentec recebeu ao menos 14 milhões de reais do programa de uso racional de água.

Antes de mirarmos a terceira integrante do consórcio, paremos no então diretor de Tecnologia, Empreendimentos e Meio Ambiente da Sabesp, Marcelo Salles Holanda de Freitas, signatário pela estatal do contrato de gerenciamento do programa de perdas. O engenheiro possui um extenso histórico de relação com a estatal e empresas do setor de saneamento. Entre 2004 e 2007, foi sócio da Estudos Técnicos e Projetos Etep Ltda. Deixou a consultoria para, assim como Semeghini e Seuaciuc, assumir uma diretoria da estatal no governo Serra. A Etep venceu contratos no programa de redução de perdas e uso racional de água, entre 2006 e 2013, no valor de 43 milhões de reais.

Enquanto Freitas era sócio da empresa, a Etep havia firmado 8,1 milhões de reais em contratos com a Sabesp, de forma direta ou por meio de consórcios. Após ele assumir o cargo público, entre 2007 e 2010, o valor saltou para 185,4 milhões de reais, ou 2.000% de aumento.

Dos tempos de Sabesp, Freitas leva também o relacionamento próximo com empresas prestadoras de serviços da estatal. Em seu gabinete empregava como assessora Marisa de Oliveira Guimarães, esposa de Alceu Guéiros Bittencourt, proprietário da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape). A empresa especializada em consultoria de projetos ganhou cerca de 75 milhões de reais em contratos da estatal no período em que Freitas foi diretor. Somente dos programas de redução de perdas e uso racional de água, entre 2006 e 2013, a Cobrape embolsou ao menos 36 milhões de reais.

Da passagem pela estatal, Freitas ainda responde como denunciado em ação proposta pelo Ministério Público na qual ele e duas empresas são instados a devolver 318 milhões de reais referentes a fraudes em uma licitação da estatal na Baixada Santista.

Em 2011, com o retorno de Freitas ao setor privado, algumas mudanças ocorreram. Sua antiga empresa, a Etep, uniu-se à terceira integrante do consórcio vencedor do gerenciamento do programa de perdas, a Logos Engenharia, para formar a Arcadis Logos S/A. A nova empresa tornou-se responsável pelo gerenciamento da redução de perdas. Venceu, em consórcio com uma companhia japonesa, a licitação de 91 milhões de reais encerrada em janeiro de 2014 e ficará responsável por nortear o programa pelos próximos quatro anos.

Além disso, em seu quadro de diretores, a Arcadis Logos possui mais dois personagens. O primeiro é o engenheiro Lineu Rodrigues Alonso. Ex-diretor da Sabesp, Alonso havia sido sócio de Freitas na Etep e, após sua incorporação à Arcadis Logos, continuou com a sociedade, mas agora em uma empresa do setor imobiliário, a Metaimob Empreendimentos, com capital de 7 milhões de reais.

O outro é o filho do deputado estadual tucano Roberto Engler. Ricardo Figueiredo Engler Pinto integra o quadro de diretores da Arcadis Logos e, a partir deste ano, será responsável por gerenciar o programa que nos últimos anos desperdiçou 1,1 bilhão de reais sem conseguir alcançar um índice de eficiência condizente com a importância da Sabesp e dos serviços prestados.

Em respostas a CartaCapital, a Sabesp informou que todos seus diretores, antes de serem contratados, assinam um termo no qual afirmam não ter interesses conflitantes com o cargo. As empresas citadas negam qualquer tipo de relação entre seus diretores, a estatal e uma possível influência na assinatura de contratos.

Sobre o aumento nas perdas, a estatal disse utilizar outros métodos de averiguação do índice e que, independentemente do parâmetro utilizado, os números caíram desde 2004. Não é o que informa a agência reguladora responsável pela divulgação dos números citados na reportagem.

Nesse cenário, aos cidadãos paulistas resta acreditar que as relações entre a estatal e seus ex-diretores são fruto apenas do acaso e da ação de forças superiores. Quem sabe, assim como pensa o governo sobre as causas do iminente racionamento, essas relações não dependam da vontade e da ação dos homens, mas sim de Deus.

 

Redação

14 Comentários

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  1. Desastre anunciado

    Mais uma vez a indecencia entre estatais paulistas e os tucanos resulta em desastre. Uma perda de água que ultrapassa os 30% ( Alemanha 11%; USA 16%, etc) é o cumulo da insensatez. E quem faz os contratos de manutencao com a Sabesp? seus diretores, politicos do PSDB.

    E o povo que se lasque: ensino: um desastre; metro em sao paulo: um desastre. Aprovacoes de plantas desenfreadas na capital, um desastre; e agora racionamento de água iminente: outro desastre.

    Será que os paulistas são tão desastrados assim? Ou é destino?

    1. O problema dos paulistas e

      O problema dos paulistas e paulistanos não é destino. É cultura política, apenas isso. 

      Basta apenas observar a participação do estado no histórico do PIB brasileiro nos últimos vinte anos e ver qual o resultado das eleições para prefeito e governador.

      No caso, da água, para ficar apenas em um exemplo, qual foi o último investimento em aumento na captação? Qual o histórico desse aumento, nos últimos vinte anos? Afinal, a população, por menor que seja o índice, continua crescendo.

      1. É preciso separar duas

        É preciso separar duas coisas. O Governo de S.Paulo deixou de investir em mais captação, São Paulo tem tres giganstescas bacias hidrograficas, com grande investimento seria possivel trazer agua das grandes represas hidroeleticas para a Grande São Paulo, nem há projeto para isso, ja deveria ter sido pensado há 10 anos.

        Quanto ao sistema SABESP em si, a distribuição de agua e captação de esgoto é o MAIOR DO MUNDO, S.Paulo tem distribuição para quase todas as casas, numa cidade cheia de altos e baixos, cidades do Norte mais antigas que S.Paulo tem 90% das casas sem esgoto e algumas metade das casas sem agua encanada.

        O sistem é otimo MAS DEIXARAM DE INVESTIR EM CAPTAÇÃO , imenso erro.

        A SABESP é listada na Bolsa de Nova York e é considerada uma das melhores empresas brasileiras.

  2. O Sistema Canteira,

    O Sistema Canteira, responsavel pelo abastecimento de 8 milhões de habitantes de São Paulo, foi implabtado pelo Governo Militar, como todas as grandes obras de infra estrutura que funcionam no Pais.

  3. Os paulistas e paulistanos

    Os paulistas e paulistanos não adoram o Psdb? Pois que passem sede, fiquem sem segurança, educação e transporte.

    Sem contar com a arrogância do governador paulista que mantém em seus postos todos os envolvidos com corrupção. Mas manifestação dos paulistanos mesmo é só contra a realização da Copa do Mundo no Brasil.

    1. Vera, não viaja

      Vera, não viaja. nunca votei no psdb e moro onde a SABESP atua.

      Não mereço me ferrar por causa deste desgoverno de tantos anos.

       

  4. Consultores com dupla militância – Pública e Privada

    Estamos lendo, por meio de uma grande revista, a condenação de uma prática. Aquela porta giratória em que o sujeito e o predicado trocam de lugar o tempo todo. Terminam pelo que se chama de ação entre amigos. Um grupo se organiza para dominar uma área do Estado e dela extrair vantagens financeiras. Este fenômeno foi largamente identificado pelos americanos quando criaram as Agências Reguladoras. O nome técnico foi de “captura” do agente regulador. É isso que se encontra há muitos anos no corpo da burocracia estatal, seus programas e atividades (ouvi longos relatos sobre Sebastião Camargo e contratos com a Aeronáutica ainda no princípio do anos 50 do século passado).  

    Existe uma proteção fenomenal da prática. Ela acontece dentro de partidos políticos que permeiam vários governos e pela alternância de poder quando podem ter acesso à famosa caneta que assina. Um dos parafusos desta prática é o financiamento privado de campanhas eleitorais (que estão cada vez mais caras. Um vereador de um município com menos de 40 mil habitantes do interior do Ceará pode gastar até duzentos mil reais para se eleger.)

    E no campo da sociedade a prática adquire um valor simbólico, que a legitima de alguma maneira, pela denúncia que estimula a alternância. A denúncia é uma das medidas mais adequadas justamente para o sistema funcionar sempre, mesmo com outros atores. Salvo denúncias surgidas das áreas de controle externo ou dos tribunais de conta, o que funciona mesmo é quando um agente privado se sente prejudicado nesse jogo, usa a imprensa para gerar o escândalo. Que tem repercussão política sobre candidaturas, mas nem sempre contra o partido, força as peças para que o jogo continue a funcionar. Continuar com os negócios proveitosos com o Estado.

    Esse caso mesmo que Carta Capital tão bem demonstra, que irá gerar acusações contra o PSDB, inclusive com o viés de revanche, dado que este partido se tornou uma UDN a denunciar nos outros as práticas que o movem. Mas movem também grandes partidos e inclusive o PT que se dizia tão diferente. O PT usou tanto o expediente que Darcy Ribeiro chegou a denominá-lo de “UDN de macacão.” E agora o que estamos falando?

    Que a “ação entre amigos” é comum em todos os governos, em obras públicas, serviços de manutenção, serviços de propaganda e marketing (que na verdade é a chamada comunicação social), serviços de informática, serviços terceirizados de toda ordem e nas ONGs e OS. Estas duas últimas modalidades chegam a ser fatiadas entre aliados para que gerem recursos para a continuidade do “partido” a ocupar o poder.

    É nessa questão que a política, a verdadeira política, deveria agir. Encontrar mecanismos que economizem recursos e com os quais os ralos sejam vedados. E, claramente, isso não é pós-fato, a vociferação de tribunais,  o denuncismo, a escaramuça para tirar vantagens e gerar manchetes. A revisão da lei de licitações é uma grande questão. Não só a transparência é necessária. como a participação no processo mesmo é necessário. Há que se reduzir a burocracia que serve para esconder os malfeitos. Entre outras medidas que reduzam a “captura das verbas públicas” pela “ação organizada entre amigos”. Acrescentando evidentemente o fim do financiamento privado de campanhas eleitorais. 

    Vejamos um paralelo com o que citado sobre os governos do PSDB e o desperdício da água. Quando o atual Ministro da Saúde foi nomeado, setores do PSDB denunciaram esta porta giratória entre ele com agente público e sua empresa privada de consultoria. Qual a resposta principal do Ministro? Transferir a empresa para a esposa. Nada mais cínico. Mesmo que ele não receba grandes volumes de dinheiro pelas consultorias que presta aos governos, que sejam migalhas frente a essas denunciadas pela Carta Capital, o que se verifica é a universalidade da prática nos agentes públicos dos governos de muitos partidos.

    Incluindo o PSDB e o PT e muitos mais. A ideia aqui não é dizer que apenas neles, dado que são os principais partidos em disputa política no país.

     

  5. o mais preparado

    a Sabesp esteve muito ocupada e não tomou outras providências além das determinadas pelo mais preparado dos brasileiros, ÇERRA45.

    levou agua fresca do Tiête para as cidades do nordeste assoladas pela seca,

    divulgou o seu bom trabalho no Acre, e entre os “privatas do caribe”

    fez de tudo para eleger o seu patrono ÇERRA45, presidente do Brasil. Gastou mais com propaganda do que com a atividade meio.

    transformou-se no maior bebedouro para tucanos deste lado da galáxia.

    a doutora Sandra Cureal (quirrô), juiza eleitoral, NÃO concorda. ela não viu nada disso.

    as agruras por que passa o fornecimento de água, podem ser imputadas a outro pássaro de grande bico.

    este desviou todas as nascentes para a sua plantação de chuchu.

  6. Assim como o Haddad na

    Assim como o Haddad na prefeitura , quem pegar o governo do estado no lugar do PSDB terá um trabalho enorme de faxina a realizar . 

  7. Advinhem quem a imprensa vai

    Advinhem quem a imprensa vai condenar, caso o racionamento venha mesmo? Aliás nem vai ser racionamento, mas um racionamentão ou “apagão da água”. Acredito que o Alckmin está deixando de tomar providências, pq sabe disso e já tem combinado com o PIG. Já antevejo as manchetes que estão sendo preparadas. Será que o  S. Francisco salva ?

    1. Comentário.

      A culpa é da Dilma e do Lula, que são tucanos que governam São Paulo há vinte anos, quem não sabe?

      Melhor eu ligar para o meu médico…

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