Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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A austeridade abriu caminho para o nazismo, por André Araújo

Por André Araújo

Há na Historia personagens cruciais pelos efeitos que causaram em grandes acontecimentos mas que, tragados por protagonismos de maior envergadura, desaparecem nos desvãos dos registros históricos a ponto de quase ninguém mais lembrar deles.

Uma dessa figuras inspiradoras de grandes desastres e quase esquecido porque eventos muito maiores engoliram sua biografia, foi o Chanceler da Alemanha entre 29 de março de 1930 e 30 de maio de 1932, Heinrich Bruning, nascido em 1895 e morto em 1970. Bruning era um acadêmico, cientista político e economista que dirigiu a República de Weimar durante o período agudo da crise de 1929, que ele se encarregou de aprofundar com um receituário muito parecido com o que a dupla Meirelles-Goldfajn propõe para o Brasil recessivo de hoje. Bruning era um fanático da austeridade, que praticava até na vida pessoal, frugal e avesso ao luxo. Sua formação de economista foi na London School of Economics, de merecida fama como das melhores escolas de economia do mundo.

Bruning tinha como Ministro das Finanças Paul Moldenhauer, professor de economia da Universidade de Colônia e tambem partidário da austeridade na recessão. Tanto Bruning como Moldenhauer não viam ou não conheciam outra receita e não tinham nenhuma fórmula para enfrentar um desemprego que em 1932 estava em 40%. Tampouco a situação internacional ajudava, o mundo inteiro estava em crise econômica.

Com a Depressão aumentando, esse Governo de muita cautela e nenhum arrojo passa a ser criticado e depois odiado pelos trabalhadores e pela classe média,  com o que abre caminho para mais adesões ao Partido Nazista, que propunha cabar com o desemprego.  Os nazistas tinham um trunfo, um dos maiores cérebros econômicos do Seculo XX, Hjalmar Schacht, de formação em filosofia pela Universidade de Kiel, com a marca do grande economista, o arrojo, a inovação e a criatividade. Foi Schacht quem acabou com a hiperinflação de 1923 com um plano do qual o Plano Real é a cópia exata, inclusive com a moeda de transição,a URV. Um dos cérebros do Plano Real, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, teve como tese de pós graduação nos EUA exatamente o Plano Schacht de 1923.

Hitler assume o poder em  janeiro de 1933 e, em três anos, acaba com a Depressão e com o desemprego através de encomendas pelo Estado nas compras para o rearmamento, o que movimenta rapidamente a economia.

Onde os economistas clássicos Bruning e Moldenhauer não viam saída a não ser mais austeridade, Schacht criou os mecanismos para que o Estado alemão se autofinanciasse com uma espécie de bônus rotativo, os “Mefo bonds” e um mecanismo de importação, os chamados “marcos de compensação”, moeda gráfica de troca da qual o Brasil foi o maior cliente entre 1934 e 1939, suprindo a Alemanha de café, cacau, algodão, sisal,  em troca de máquinas, canhões, navios, locomotivas, guindastes, trilhos.

A diferença entre um Bruning e um Schacht era a inventividade e a capacidade de criação de modelos e ideias para resolver problemas, com grande noção de timing, algo que economistas convencionais não tem, porque trabalham só com cartilhas antigas sem nenhuma criatividade perante novas circunstâncias.

Bruning fugiu da Alemanha em 1934, porque desconfiou que iria ser preso por Hitler, foi para os EUA onde se tornou professor da Universidade de Harvard, morreu nos EUA na sua casa de Vermont, com 85 anos.

A saga de Bruning traz algumas lições, a primeira das quais é que se um governo não tira um País da recessão ou depressão com medidas rápidas, a crise social decorrente do desespero fará a sua parte na busca de um salvador, infelizmente no caso da Alemanha de 1933 esse salvador foi Hitler.

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

23 Comentários

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  1. O Brasil poderá se tornar um

    O Brasil poderá se tornar um case interessante = por muito  tempo, o Brasil foi um país sem moeda de verdade; cumprido o plano Temeirelles(rs), daqui um tempo o real será uma moeda sem país [rs] .  Collor foi nosso último ‘salvador’. Quem fará esse papel se a tampa da panela explodir? Nem quero pensar pra não deprimir. 

  2. Duas questões abstraio deste

    Duas questões abstraio deste texto: a primeira é que o crescimento do fascismo coloca os problemas econômicos como secundários, hoje este é nosso maior inimigo; a segunda é que olhar o PIB como um deus a ser venerado esconde armadilhas, quanto da indústria bélica está no PIB americano? Crescer economicamente para matar ou morrer na esquina interessa a uns poucos que não assumem a linha de frente das batalhas.

  3. E fiquem de olho (como vocês

    E fiquem de olho (como vocês mesmos dizem) considerando que vocês já têm inclusive um candidato a Hitler na figura do Bolsonaro.

  4. Na crise

    Na crise aparecem sempre o melhor e o pior de uma nação…

    Infelizmente, até agora, só tem aparecido o pior pra comandar o barco

    Mas, os “fora temer” país afora ainda me dão esperança…

  5. Prezado André
    Desconheço tua formação acadêmica,e mesmo se possuis um doutorado, condição praticamente necessária para dar aula em qualquer universidade pública.
    Conheço algumas pessoas com formação sólida em outras áreas que simplesmente não podem ser professores por causa da titulação.
    Há situações onde a cultura cartorial(qual teu título) mais prejudica que ajuda.

  6. Austeridade não é austeridade

    A questão é que a tal “austeridade” não tem NADA a ver com austeridade.

    Uma verdadeira austeridade significaria contribuição de todos, principalmente daqueles que têm mais. A chamada “política de austeridade” significa apenas tirar dos pobres para deixar os ricos mais ricos. Por isso é que governantes que praticam esse crime sempre usam expressões como “medidas amargas”, “decisões corajosas”, “não fale em crise, trabalhe” etc.

    Então esse tal Heinrich Bruning praticava “austeridade” em sua vida pessoal? Ele por acaso abria mão de seus vencimentos? Passava dias sem comer? Morava numa cabana de madeira? Ah, a hipocrisia infinita do ser humano…

  7. Já se fala na rádio que as

    Já se fala na rádio que as medidas mais auteras serão tomadas quando o impeachment for aprovado. Por enquanto, foi feito apenas alguns ajustes na economia, mas o pior está por vir.

     

  8. O conceito economico

    O conceito economico representado pela “austeridade” significa um conjunto de medidas opostas ao mecanismo de estimulos monetarios que são necessarios para sair da depressão ou recessão, não são apenas cortes de gastos.

    Dento de um quadro de austeridade está o combate à inflação  atraves da valorização cambial provocada pelos juros altos.

    Nesse contexto medidas de austeridade podem se enquadrar em um  modelo ortodoxo ou conservador de politica economica. da qual a austeridade fiscal  é parte.

    Quanto à frugalidade de Bruning o que se deve entender e não adesão ao esbanjamento proprio de muitos governantes, o que não significa morar numa choupana. A Rainha Elizabeth II da Inglaterra é notoriamente frugal, não esbanja nada e mora em palacios, há toda uma simbologia nessa atitude.

     

  9. André, vc já abordou esses

    André, vc já abordou esses assunto em outras oportunidades, e fiquei curioso em saber como funcionavam os tais “marcos de compensaçao”. Pelo que pude inferir, tratava-se de um indexador para a prática de um escambo entre os países envolvidos, seria isso?

    Ex: uma tonelada de café vale “x” marcos de compensação; uma locomotiva vale “y” marcos de compensação, onde “y” é trocentas vezes “x”.  

    1. Os marcos de compensação eram

      Os marcos de compensação eram uma moeda grafica que a Alemanha usava porque não tinha moeda conversivel para importar. Então eram assinados acordos pelos quais os paises que exportavam para a Alemanha ficavam com CREDITO

      em marcos que só poderia ser utilizado em compras na Alemanha. Como a Alemanha tinha um vasto parque industrial e fabricava equipamentos e produtos de excelente qualidade, os paises que exportavam para a Alemanha tinham o que comprar. O Brasil comprou 1.100 canhões Krupp, a maior encomenda recebida na historia bicentenaria da Krupp e ainda locomotivas, trilhos, vagões, guindastes, navios, usinas eletricas.

      O mecanismo era tão engenhoso e eficiente que na Conferencia de Bretton Woods o sistema foi terminante proibido nos estatutos do Fundo Monetario Internacional  por prejudicar o sistema financeiro que perde o negocio de compra e venda de moedas mas existe uma forma de moeda de compensação na America Latina, os chamados CCR – COnvenios de Creditos Reciprocos, que é uma derivação do mecanismo de moeda de compensação por acordos entre bancos centrais, o conceito é o mesmo inventado por Schacht nos marcos de compensação.

      1. Uma fabrica de aeronaves

           O contrato de licenciamento de 1935 com a Focke Wulff, deu origem a fabricação seriada de aeronaves no Brasil, a “Fabrica do Galeão”, com um certo indice de nacionalização.

            http://www.museutec.org.br/resgatememoria2002/old/enciclop/cap002/026.html

            O ASKI Mark ( Conta especial do estrangeiro para pagamentos internos ), nome “tecnocratico” dos marcos de compensação, é do Plano Neuer de 1934.

             P.S. : Do contrato Krupp dos 1.180 canhões encomendados, apenas 64 foram entregues, e destes que vieram, 28 foram do famoso “88” (  Krupp Flak 18 – 88/56 ), um deles esta bem preservado no Museu Eduardo André Matarazzo, em Bebedouro ( SP ).

        1. A entrega dos canhões foi

          A entrega dos canhões foi interrompida pela guerra e a ultima remessa foi apreendida pela Marinha inglesa no meio do Atlantico porque o navio que transportava não tinha o “navicert” inglês.

          O Brasil nunca foi indenizado pela perda dos conhões.

          1. Incidente ” Lloyd Siqueira Campos “

               Vc. já deve ter percebido que gosto um pouco de história naval, e a história do ” Siqueira Campos ” é ótima, pois em uma de suas viagens, após recolher materiais adquiridos pelo Contrato Krupp, enbarcados em Hamburgo, 1940 , foi apresado pela marinha britanica, ao largo da costa ibérica/francesa, conduzido a Gibraltar,  só depois de 02 meses, o navio e a carga foram liberados para o Brasil, graças a ingerencia dos Estados Unidos ( Caffery and Roosevelt ), o conhecido ” Incidente Siqueira Campos ” ( a maior pendenga entre a MB e a “parceirinha” Royal Navy, desde a Questão Christie ).

                Mas a história deste navio, é incrivel, pois ele era alemão de origem e bandeira, foi lançado em 1907 como ” Gertrud Woermann “, mas quando do inico da 1a Guerra Mundial, aportado no Rio de Janeiro, foi apreendido, e após o Brasil declarar guerra as “potncias centrais”, ele em 01/06/1917 foi apreendido e renomeado pelo Lloyd como “Curvello”, e afretado a França, já em 1925, como parte das reparações de guerra ( remember Ruy Barbosa em Haia e Epitacio Pessoa em Versallies ), foi definitivamente assumido pelo Lloyd,  em 1931, após ter durante 4 anos navegado como ” Cantuaria Guimarães”, recebeu o nome de “Siqueira Campos”, demandando a rota : Santos – Lisboa – Antuerpia – Hamburgo.

                 Navio valente, livrou-se de um submarino alemão, quando em comboio no dia 24/08/1943, mas quando “guinou” ( desviou em alta velocidade ), colidiu com o “Cuiabá”, afundou, ninguem morreu, mas a carga foi perdida, e atualmente, ao largo ( 3,0 mn ) da Praia de Uruaú ( Beberibe – CE ), quando na maré vazante, algumas estruturas dele, ainda encontram-se a mostra , o mergulho é interessante, mas perigoso.

                  Em muitas ocasiões alguns amigos comentam : Navios tem alma – até acredito, podem não ter uma ” alma “, mas são imortais, nunca afundaram, apenas não quiseram retornar do MAR, como dizem russos, americanos, japoneses e principalmente britanicos, ” eles ainda encontram-se em patrulha ( always in mission – Royal Navy ).

  10. Muito bem posta a tese que

    Muito bem posta a tese que liga austeridade e ascensão nazista, ao contrário do lugar comum que liga Hitler à crise inflcionária anterior, dos anos 20, já debelada no começo dos anos 30. Bruning teve, pelo menos, a honradez de fugir do nazismo. Já seu sucessor Von Papst não. Ficou, serviu Hitler o quanto pode, embora não fosse propriamente nazista. As iniciativas da equipe econômica de Temer podem abrir o camnho para Bolsonaros e Caiados.

  11. A notícia que li hoje de manhã é certa???

    Este governo de bosta aprovou a redução do IR de 25 para 6% para emissão de dinheiro para o exterior???

    É verdade isto Arnaldo, desculpe André???

    1. Trata-se de remessa para

      Trata-se de remessa para turismo, as remessas financeiras, de lucros e dividendos, royalties, leasing, alugueis, repatriação de capital, tem aliquotas proprias.

  12. Indiana Jones

    “…com um receituário muito parecido com o que a dupla Meirelles-Goldfajn propõe para o Brasil recessivo de hoje…”

    Acompanho com uma tediosa indiferença esta disputa política pelo poder no país . Torço disfarçamente (a grande maioria dos meus amigos são antipetistas) –  pois não vejo um horizonte positivo com os nossos governantes – para que a Dilma consiga voltar ao cargo. 

    Será que ela começará com a desculpa que Temer desmontou o país? Será que adotará uma política econômica diametralmente oposta ao “receituário” citado pelo autor do post?

    Será que ela conseguirá reverter o apoio do congresso que atualmente lhe é  de longe majoritariamente contra?

    Indiana Jones teria menos desafios.

  13. não precisava recorrer a

    não precisava recorrer a tanto, bastava mostrar as projeções da potência que a Itália seria hoje se não fosse a tal mão limpas que virou uma sujarada só .

  14. A comparação não procede

    A Alemanha dos anos 30 era um país altamente industrializado que ainda sofria as sequelas da guerra e das indenizações que teve que pagar, mas tinha a sua infra-estrutura praticamente intacta. Era como um Mecedes que estava com o motor rateando, mas quem o fizesse pegar teria de volta toda a performance de um Mercedes.

    O Brasil é simplesmente um país pobre que gasta demais. Nada a ver.

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