As semelhanças do inquérito da Mannesman com a Lava Jato

As semelhanças com o clima de 1964

Estou na revisão final da biografia do embaixador Walther Moreira Salles. São inevitáveis as semelhanças dos tempos atuais com o clima pré-64.

Desde Café Filho, Carlos Lacerda decretava o fim da democracia liberal, escudando-se no exemplo de Mendès France na França – obtendo leis delegadas para não ter que submeter ao Congresso cada passo da busca da paz na Indochina.

Em artigo em 1955, sobre Mendès-France, Lacerda dizia que “no mundo inteiro a Democracia sofre um processo de renovação. Cada povo, sobretudo os que têm líderes, isto é, elementos capazes de certa previsão, forceja por ultrapassar um liberalismo já morto, que os sufoca, para salvar a verdadeira liberdade, que, com ele, frequentemente se confunde”. Em 1956 voltou ao tema para defender plenos poderes a Café.

Os militares atuavam desde os anos 50. Na renúncia de Jânio, o triunvirato militar só não assumiu o poder devido ao veto expresso do governo Kennedy.

O Pentágono, corroborado pela CIA, estimulava o golpe. O Departamento de Estado, sob os eflúvios da administração Kennedy, condenou o golpe e fez chegar aos militares a informação de que Kennedy suspenderia toda a ajuda econômica caso houvesse ruptura da ordem democrática.

Depois do golpe, o estratagema para liquidar com os adversários políticos consistia em levantar inquéritos policiais, mesmo que em outras cidades, para propoósitos políticos.

Foi o caso do inquérito policial aberto em Belo Horizonte para investigar problemas com a emissão de papéis da Mannesman, envolvendo o lobista Jorge Serpa Filho.

Lacerda aproveitou-se do inquérito para tentar atingir Walther Moreira Salles.

Posteriormente, Jorge Serpa Filho tornou-se quase uma lenda no Rio de Janeiro, como superlobista. Passaram por suas mãos desde a redação dos editoriais de Roberto Marinho até os discursos de Mário Covas, o tal “choque de capitalismo”, e os discursos de Fernando Collor, seu adversário.

Aqui, um trecho do capítulo:

Ligado a Augusto Frederico Schmidt e San Tiago Dantas, foi influente também antes de 1964. Foi íntimo de JK, de Jango, testemunhou os principais episódios políticos da época.

Por sua influência, ganhou o cargo de diretor financeiro da Mannesmann, que se instalava em Belo Horizonte. Acabou se envolvendo em uma operação de colocação de títulos da empresa no mercado e foi preso em 1965.

A Polícia e o Ministério Público da época julgaram que ele poderia ser o caminho para se atingir politicamente os inimigos do regime.

Ao grupo de Schmidt pertencia, entre outros, o futuro governador do Rio de Janeiro, Negrão de Lima. Também era próximo a Walther.

No dia 7 de julho, apesar da sede da Mannesmann ser em Belo Horizonte, Serpa foi intimado a prestar depoimento à Delegacia de Defraudações da Guanabara. O procurador geral do Estado designou o promotor Newton  de Barros e Vasconcellos[SP1]  para acompanhar pessoalmente o depoimento.

O interrogatório foi acompanhado também pelo superintendente de polícia judiciária, Paulo Sales Guerra[SP2] , que mantinha o secretário de Segurança, coronel Gustavo Borges, informado por meio de seguidos telefonemas, segundo testemunharam os repórteres presentes. Nos corredores, delegados vazavam informações aos repórteres de que Negrão de Lima seria o próximo a ser ouvido.

No depoimento, Serpa estava com seu advogado, Tude da Lima Rocha, assessorado por Reinaldo Reis, ambos seus colegas na Faculdade de Direito.

Delegado e promotor pouco estavam interessados no escândalo da Mannesmann. As quatro laudas de perguntas do delegado Ilo Salgado Bastos eram sobre as ligações de Serpa com Walther Moreira Salles, Negrão de Lima, com ex-auxiliares de Juscelino Kubitschek e João Goulart.

A Polícia queria saber se era verdade que esses personagens recebiam jetons de Cr$ 3 milhões da Mannesmann. E também de onde saiu o dinheiro para a compra do apartamento que Serpa tinha na avenida Atlântica[1].

Serpa não negou suas ligações com Negrão, JK, Jango e os demais, “mas fez questão de botar as coisas no seu devido lugar”.

O advogado Tude classificou como absurdo jurídico a intimação para Serpa depor na Delegacia de Defraudações da Guanabara, sendo que a sede da Mannesmann era em Belo Horizonte. E estranhou as perguntas que “remontam até o desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil”.

Serpa estava sem dormir há três noites e se sentiu mal durante o interrogatório.

No dia 12 de julho de 1965, em editorial, o Jornal do Brasil denunciou Carlos Lacerda pelas torturas infligidas a Serpa. “Estamos diante de uma acusação frontal de sevícias e torturas praticadas com o mesmo teor de perversidade fanática que tem caracterizado a política dos estados totalitários, nazistas ou comunistas.”

Nos meses seguintes, foi submetido até a pau-de-arara nas dependências do Exército. Acabou aderindo à delação premiada e se aproximou do SNI. Dali em diante passou a ser o ghost-writer mais requisitado nos discursos dos militares.

Com base na suposta delação de Serpa, Homero Souza e Silva, amigo e sócio de Walther Moreira Salles, foi intimado a depor na Delegacia de Defraudações.

Nehemias Gueiros apresentou-se como advogado. No interrogatório, queriam saber se Homero havia encontrado Serpa na casa de Walther. Era uma pergunta aparentemente ingênua. Mas antes que respondesse, o delegado baixou o tom da voz e alertou-o:

– Pelo amor de Deus, não cite o nome de seu amigo.

A pergunta havia sido colocada no interrogatório apenas para criar um motivo legal para levar Walther à delegacia e incluí-lo no inquérito.

O inquérito terminou apenas com vazamentos de factoides à imprensa, mas sem nenhuma consequência maior.

Na época, os amigos que visitavam Serpa encontravam um apartamento vazio. Até as cadeiras haviam sido arrestadas no julgamento. Todos os seus bens foram colocados em nome de parentes. No apartamento devassado, restou apenas um quadro de Lula Ayres, em nome de terceiros, e uma estátua de São Miguel.

Qualquer semelhança com a Lava Jato certamente é apenas coincidência.

 

Luis Nassif

28 Comentários

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  1. No Brasil na falta de

    No Brasil na falta de disposição dos militares, a justiça é unica forma da direita impedir governo populares. O PUM (pensamento unico da mídia) do pig, antes, mais do que um traque, era uma bomba. Tanto que explodiu o Brizola e o Lula, elegendo o desconhecido e inexpressivo Collor.

    Hoje em dia, o curral eleitoral da Gafe (Globo, Abril, Folha e Estadão) não funciona. Bem que tentaram, mas agora em 2014, depois do Aécio estrar eleito por 30 segundos, que foi a duração da ligação do Gilmar, foi o dead line para eles. Desistiram das eleições. A não ser que possam escolher quem pode ou não pode disputar. Será assim em 2018. Ciro pode ser a próxima vítima. 

  2. Jorge Serpa é uma dos maiores

    Jorge Serpa é uma dos maiores testemunhas da Historia recente do Brasil, de 1945 até hoje. Lamentavelmente nunca quis escrever suas memorias, que seriam uma enorme contribuição para a Historia do Brasil contemporaneo. Um homem de elevada cultura, sua biblioteca particular de filosofia é das maiores do Pais, de memoria prodigiosa,  mestre da linguagem, escreveu discursos para Juscelino, o discurso da Central do Brasil de Jango, centenas de editoriais do jornal O GLOBO, discursos para o governo militar, fez conexões importantes entre JK e os centros de poder fora do Brasil.

    Serpa foi um dos artifices do Poder no seu sentido mais alto do Brasil entre 1945, é casado com uma neta do Presidente Dutra.  até o Governo Lula. As suas memorias seriam a “delação do Seculo”. Serpa prefere o silencio, é um direito seu.

        1. Seria este?

          Grato, André Araujo, pela correção.

          O Jorge Serpa Filho mencionado no artigo seria este, em foto antiga, que aparece nas fotos de apresentação, no alto da página, não é?

          _MR00244

    1. A personalidade politica de

      A personalidade politica de Carlos Lacerda não dependia do jornal Tribuna da Imprensa e sim de sua atuação como Deputado Federal e um dos lideres da UDN.

  3. Antônio Francisco…este

    Antônio Francisco…este Jorge Serpa da foto de seu comentário creio que não seja o mesmo do post do Nassif….este foi funcionário do Banco do Brasil creio que a vida toda….

    1. Grato, pela correção.

      Olá, Jorge Tissot, ao que parece, no google ainda não constam fotos mais recentes do Jorge Serpa Filho mencionados no texto de Nassif. Onde, aliás, se vê a foto abaixo.

       _MR00244

  4. Os brasileiros vão ser

    Os brasileiros vão ser pegados de surpresa. A atual situação é insustentável. O verdadeiro golpe, sem adjetivos, está por vir, quando se esgotarem os subterfúgios. Em 1968, Lacerda foi surpreendido com um golpe nacionalista, contrário às suas pretensões entreguistas. Foi preso e depois morreu. Só se espera que os militares sejam nacionalistas, como foram os de 1964. Apesar de seus crimes, eram nacionalistas. Melhor que os entreguistas atuais.

  5. Ainda que não esteja

    Ainda que não esteja relacionado com o comentário,peço vênia ao Editor do Blog para explicar o fim do meu desassossego,que a dias me atormenta.A dúvida esfarelava meus miolos para fazer-me lembrar a verossimilhança do “Padrinho”,ora na chefia de Estado de um Governo de um País do Cone Sul,com um personagem que não me lembravam quem,por mais esforço que fizesse.Puxei pela boa memória,dei asas as minhas elucubrações,estiquei até onde pude minhas lembranças,não encontrei respostas.Como num estalo,olho na minha estante de livros,a maioria deles herdada do Meu Pai,apesar de suas constantes observações de que inteligência não se herda,e cultura não é Montepio,na parte de baixo guardo alguns DVD’S de filmes que me marcaram para sempre.Dentre eles estão a Saga dos Corleones,na belíssima trilogia maestrada por Francis Ford Coppola,O Podereso Chefão,I,II e III.Ainda que minha preferência recaísse na Parte I,fui direto na Parte III,para o término da minha dúvida.Mal coloquei o filme para passar,vi que meu desassossego era questão de minutos.E assim foi,quando na telinha apareceu a figura do mafioso Don Altobelo,a conspirar contra Michael Corleone.O mesmo risinho cinico,sem mostrar os dentes,o cabelo retelhado por uma meia careca,os ternos bem dalhados,suspensório a segurar a calça,uma figura asquerosa,sem tirar nem por.Don Altobelo,por ironia do destino,deve uma morte doce.Morreu comendo guloseimas envenenadas.A única,unissonamente,diferença entre o “Padrinho” e Don Altobelo,era que esse último não era dado ao uso de mesoclise.

  6. Um grande jornalista desse

    Um grande jornalista desse País Tropical,que jamais foi abençoado por Deus,perguntaria aos seus perplexos botões,eu pergunto a mim mesmo: O que leva figuras como Carlos Heitor Cony,Zuenir Ventura,Ferreira Gullar,Ignacio Loyola Brandão,dentreoutros,a apoiar o governo do Padrinho.Dei uma relida em “Senilidade” de Ítalo Svevo.Encontrei algumas explicações.

  7. Perigosa ameaça

    Na medida que o sistema capitalista mundial prossegue em permanente crise desde final de 2007, sem encontrar saídas, com risco de piora geral, o desespero das elites internas e externas de se salvarem a qualquer custo, vai aumentando. Poderão deixar de lado as preocupações para com as aparências civilizadas.

    Por outro lado, a tácita cumplicidade de nosso povo para com o arbítrio na concretização do escandaloso golpe contra Dilma/PT, bem como na implacável e cruel tentativa de destruição de Lula/PT, enfraquece perigosamente o quadro geral da debilitada democracia brasileira.  

    Se os homens de respeito e integridade moral não saírem em campo aberto denunciando toda a truculência judiciária e midiática desses últimos anos, o jogo imposto pelos golpistas poderá ficar cada vez mais pesado. Poderá ficar além do imaginável. Acima das leis e dos direitos humanos. 

  8. Alias e bem a

    Alias e bem a propósito,discordo frontalmente a quem atribui esse golpe como jurídico/parlamentar/midiático.Ledo engano.Ele é essencialmente um golpe midiático.Os demais atores,são coadjuvantes que outra coisa não fazem,senão obedecer.Sendo eu generoso,quando muito se omitem.Por medo,óbvio.

  9. sinal de alerta

    Advogados são impedidos de ver presos suspeitos de preparar atos de terror

    a ditadura chegou. capitalismo de crise. arquitetura do caos. Lei Anti-terrorismo de Dilma. tirania financeira global. Estado de exceção permanente. condomínios fechados com milícia particular e guetos sob lei marcial.

    enquanto isto, a Esquerda brasileira prossegue com seu Alzheimer político, com sua Síndrome do Crepúsculo, com seus distúrbios de pânico. todos hipnotizados por eleições municipais. haja Rivotril. e desta vez não vai ter exílio em Paris, não…

    bem vindos a era da desintegração.

    .

  10. Ciro será a próxima

    E tantos outros que apareçam. 

    O Brasil precisa se livrar desses golpistas para viver em paz. 

    E encontrar seus próximos líderes.

  11. Precisa se definir

    “O Pentágono, corroborado pela CIA, estimulava o golpe. O Departamento de Estado, sob os eflúvios da administração Kennedy, condenou o golpe e fez chegar aos militares a informação de que Kennedy suspenderia toda a ajuda econômica caso houvesse ruptura da ordem democrática”.

    Num dos posts do xadrez, Nassif afirma peremptóriamente que os EUA não participaram do golpe de 1964.

    Agora neste, escreve o parágrafo acima.

    Afinal Nassif, os EUA participaram ou não do golpe?

    Quanto a segunda parte do parágrafo, é um disparate.

    A CIA estimula o golpe e o Departamento de Estado condena?

    Na verdade o que ocorreu, é que o golpe planejado não saiu da forma que os EUA queriam quando os gorilas se tornaram ditadores, e que mereceu um comentário de Lyndon Johnson, mais ou menos assim: o militares brasileiros enlouqueceram.

    Depois outra, o documentário “O Dia que Durou 21 anos” retrata o fato consumado.

    Querer ir contra, não tem o menor sentido jornalístico. Ou então Nassif apresente fatos que desminta essas informações.

      1. Meu filho

        Não tem confusão nenhuma.

        Desde Getúlio os EUA vem se movimentando para dar o golpe.

        Ou o ato “tresloucado” (naquelas condições políticas) de Jânio de condecorar Che Guevara não fez acirrar mais os ânimos golpistas?

        Estão tudo no mesmo contexto.

        Juscelino nadou de braçadas no seu governo?

        A pergunta permanece.

        Afinal, Nassif, os EUA apoiou ou não o golpe de 1964?

  12. A falta da alternância no poder leva ao golpe

    A falta da alternância no poder leva ao golpe.

    Prejudicados, os perdedores das eleições lançam tudo o que podem contra um governo sem estratégia de defesa jurídica e midiática

    Pela incompetência da falta de ataque paga-se o preço da inoperância: impeachment com falsos argumentos

    Com todos os ganhos que o Brasil teve nestes anos Lula-Dilma dificilmente a direita recuperaria o poder, nenhum governo estadual do PSDB serve de modelo ou exemplo a ser seguido para o governo federal, foi preciso o apoio irrestrito do Judiciário parcialista e do legislativo corrupto e com o aval/ajuda da inteligência americana para a subida do Temer ao poder

    Crescimento de um país como o Brasil? imperdoável…

    A mídia direitista só fez o papel dela, assim como os brancos nas passeatas, ou vocês acham que todos os escravocratas,  brasileiros sumiram do Brasil e foram para Miami?

     E não foi por falta de aviso, quem lê livros de história já sabia da pedra cantada

     

    http://apublica.org/2012/11/bispo-seus-tubaroes/

    http://apublica.org/tag/trabalho-escravo/

    http://port.pravda.ru/news/mundo/23-06-2005/8128-0/

    http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Por-que-Aecio-perdeu-em-casa-/4/32128

    http://reporterbrasil.org.br/2010/12/conhe-a-os-escravocratas/

    http://www.conversaafiada.com.br/brasil/gaspari-poe-acucar-em-golpes-1964-e-2016

    http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/07/lista-revela-29-integrantes-do-governo-dilma-espionados-pelos-eua.html

    https://leonardoboff.wordpress.com/2014/10/11/dados-governos-fhcpsdb-e-lula-dilmapt-por-hildegard-angel-jornalista/

    http://blogdojuca.uol.com.br/2015/03/o-panelaco-da-barriga-cheia-e-do-odio/

  13. René Armand Dreifuss

    Relendo o clássico “1964 – A conquista do Estado”, de René Armand Dreifuss, é assustadora a quantidade de vezes que nos pegamos achando que estamos lendo um livro sobre a história atual do país.

    1. Não só este, mas a biografia

      Não só este, mas a biografia de Getúlio Vargas em 3 livros e as “Memórias” de Gregório Bezerra, são assustadoramente atuais…

  14. Correção

    Em vez de “Serpa estava sem dormir há três noites e se sentiu mal durante o interrogatório.”, o correto é “Serpa estava sem dormir HAVIA três noites e se sentiu mal durante o interrogatório.”

  15. Lacerda tinha uma particular

    Lacerda tinha uma particular perseguição a meu pai. Quase inesplicável, talvez por vaidade intelectual.

     

     

     

     

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