Há cem anos, Viena era a moradia de Hitler, Stalin, Freud e Trotsky

Sugerido por Tamára Baranov

Da BBC 

Viena, 1913: há cem anos, Hitler, Stalin, Freud e Trotsky eram vizinhos
 
Andy Walker

 AFP

Há cem anos, Viena seria o ponto de encontro de personalidades-chave do século 20

Cem anos atrás, a região de Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, serviu de casa para cinco homens que viriam a ter papéis determinantes no século 20: Adolf Hitler, Leon Trotsky, Joseph Tito, Sigmund Freud e Joseph Stalin.

Em janeiro de 1913, um homem cujo passaporte trazia o nome Stavros Papadopoulos desembarcou de um trem vindo da Cracóvia, na Polônia, com um bigode típico dos camponeses e uma mala de madeira, muito simples.

“Eu estava sentado à mesa quando a porta se abriu com uma batida e um homem desconhecido entrou. Ele era baixo, magro, sua pele, escura, coberta por pequenas marcas e cicatrizes… não vi nada em seus olhos que se assemelhasse a simpatia”, relembrou, muitos anos depois, o homem que Papadoulos tinha vindo encontrar na cidade.

Mas a real identidade do forasteiro era outra. Nascido Iosif Vissarionovich Dzhugashvili, o homem recém-chegado à Viena era, na verdade, Joseph Stalin, também conhecido pelos amigos como Koba.

E seu anfitrião, um intelectual dissidente russo, então editor do jornal radical Pravda (A Verdade), chamava-se Leon Trotsky.

Disparidades

Obviamente, nem todos os “quase vizinhos” que viriam a moldar grande parte do século 20 nos anos que se seguiram dividiam as mesmas visões de mundo, e nem todos estavam no mesmo momento de vida.

Stalin e Trotsky, por exemplo, estavam fugindo da Rússia.

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Favorito de Sigmund Freud, Café Landtmann ainda está em operação em Viena

Já o psicanalista Sigmund Freud vivia um momento de exaltação por, de acordo com seus seguidores, abrir os segredos da mente, e estava bem estabelecido na rua Berggasse, onde morava e atendia seus pacientes.

O jovem Josip Broz Tito, que mais tarde viria a ser conhecido como o marechal Tito, líder sangrento da Iugoslávia, trabalhava na fábrica de automóveis Daimler, em Wiener Neustadt, um vilarejo ao sul de Viena, e procurava emprego, dinheiro e diversão.

E havia ainda um jovem de 24 anos do noroeste da Áustria cujos sonhos de estudar pintura na Academia de Belas Artes de Viena haviam sido destruídos duas vezes e que agora vivia numa pensão na rua Meldermannstrasse, próximo ao Danúbio.

Frustrado, o austríaco que viria a transformar a história de maneira terrível se chamava Adolf Hitler.

E reinando sobre todos eles, no Palácio Hofburg estava o já envelhecido imperador Franz Joseph, que detinha o trono austro-húngaro desde o ano das grandes revoluções, 1848.

O arquiduque Franz Ferdinand, designado como seu sucessor, morava no Palácio Belvedere, nas proximidades, e aguardava com ansiedade o momento de tomar o poder. Seu assassinato, em 1914, seria o estopim da Primeira Guerra Mundial.

Império e diversidade

A Viena de 1913 era a capital do Império Austro-Húngaro, que consistia em 15 nações e mais de 50 milhões de habitantes.

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“Embora não fosse exatamente um caldeirão de diversidade, Viena tinha seu próprio tipo de charme cultural, atraindo os mais ambiciosos de todas as partes do império. Menos de metade dos dois milhões de habitantes da cidade eram nativos e cerca de um quarto vinha da Boêmia (região no oeste da República Tcheca) e da Morávia (no leste do mesmo país), então o tcheco era falado ao lado do alemão em muitas ocasiões”, explica Dardis McNamee, editora-chefe do “Vienna Review”, único periódico mensal em inglês da Áustria, e moradora da cidade há 17 anos.

Ela acrescenta que, na época, os súditos austro-húngaros pertenciam a um império onde 12 línguas diferentes eram faladas.

“Oficiais do Exército Austro-Húngaro tinham que estar aptos a dar ordens em 11 línguas além do alemão, e cada uma tinha sua própria versão do hino nacional”, diz.

Cafés e dissidentes

Além disso, outras características tornavam a cidade atraente, entre elas o tipo de governo e os famosos cafés, onde intelectuais de várias origens se encontravam e mantinham calorosos debates.

“A comunidade intelectual vienense era na verdade razoavelmente pequena e todos se conheciam, o que tornava possível um intercâmbio através das fronteiras culturais”, explica Charles Emmerson, autor de 1913: Em Busca do Mundo Antes da Grande Guerra, que também atua como pesquisador sênior no instituto de política externa Chatam House, na Grã-Bretanha.

“Não havia um Estado central muito forte. Ele era na verdade um pouco displicente. Se você quisesse encontrar um lugar para se esconder na Europa onde pudesse conhecer muitas outras pessoas interessantes, Viena era o lugar para se estar”, diz.

Embora todos frequentassem os cafés da cidade e tivessem seus favoritos, ninguém sabe se Hitler esbarrou em Trotsky ou se Tito conheceu Stalin. Mas obras como “Dr. Freud está pronto para recebê-lo agora, senhor Hitler”, uma radionovela de 2007 escrita por Laurence Marks e Maurice Gran, dão uma amostra de como esses encontros poderiam ter se desenrolado.

O que se sabe, de fato, é que a guerra que emergiu no ano seguinte destruiu muito da vida intelectual de Viena, levando à implosão do império anos mais tarde, em 1918, e dando a Hitler, Stalin, Trotsky e Tito papéis cruciais na História.

Redação

5 Comentários

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    1. É…

      Provavelmente o pensamento saiu de lá. A vontade de emergir o “novo homem”, que não estivesse corrompido pelas antigas instituições. Quem sabe quanto levaria Freud para perceber que não eram estas instituições que corrompiam o homem e não era um homem capaz de remodelar uma sociedade. Os que acreditaram que o homem científico detinha todo o conhecimento e a razão para manipular a natureza ao seu bel-prazer se depararam com o resultado destas grandes experiências científificas: centenas de milhões de mortos, produziu-se mais mortos em tempos de “paz” do que vítimas de guerras.

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