
Como e por que implantar uma indústria de semicondutores no Brasil
por Murilo Pinheiro
Há mais de 50 anos, foi desenvolvido no Brasil o primeiro circuito integrado da América Latina, realização notável do professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) João Antônio Zuffo. O feito abriu caminho para o surgimento de processadores, máquinas de calcular, supercomputadores e a realidade virtual.
Lamentavelmente, essa vereda não foi percorrida como deveria e hoje o Brasil se vê em situação de grande dependência do mercado externo, importando a maior parte dos semicondutores utilizados no País. Conforme dados da indústria do setor, dos R$ 11 bilhões aplicados ao consumo do item em 2022, apenas 8% foram produzidos internamente. O déficit comercial em eletroeletrônicos ficou em US$ 38,6 bilhões.
Ou seja, estão sendo drenados para outras nações os ganhos potenciais com o gigantesco mercado interno, que registra atualmente em uso 464 milhões de dispositivos digitais, entre computadores, notebooks, tablets e smartphones, segundo estudo do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGVcia).
Além disso, tendo sofrido um processo precoce de desindustrialização, o Brasil precisa urgentemente recuperar o segmento cuja participação no Produto Interno Bruto (PIB) foi reduzida de forma preocupante – especialmente a de transformação, que caiu de 30% em 1980 para 13% na atualidade. Isso demanda assegurar ganhos de produtividade e competitividade, o que implica autonomia na produção de chips, considerados por especialistas o motor da inovação e o catalisador para o desenvolvimento de outras tecnologias.
Ou seja, é mais que tempo de traçar um plano estratégico para que o Brasil tenha condições de desenvolver e produzir o material, e não apenas fazer o seu encapsulamento como ocorre hoje. O desafio é se inserir de forma relevante nas etapas de design do semicondutor e fabricação do wafer (circuito montado na base de silício).
Atingir esse objetivo exige ação conjunta do Estado, do setor empresarial e das universidades, ou seja, fazer a chamada “hélice tríplice” girar adequadamente e com velocidade para que o Brasil possa avançar. Há que se juntar esforços dos atores protagonistas de uma empreitada como essa e assegurar os investimentos, o desenvolvimento tecnológico e a qualificação profissional necessários.
Instrumento fundamental nessa meta é ainda a recuperação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal criada em 2008 para projetar e fabricar circuitos integrados. Tendo entrado em liquidação em 2020, o que foi suspenso pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2022, a empresa ainda se encontra sob estudo de viabilidade para reversão efetiva do processo.
Embora o Brasil detenha capital intelectual e reservas importantes de matéria-prima, não é tarefa simples se inserir num mercado gigante que movimenta, segundo estimativas, U$ 500 bilhões, com impacto em boa parcela do PIB mundial, na ordem de US$ 40 trilhões. Considerados essenciais à segurança econômica das nações, os semicondutores são ainda objeto de sérias disputas geopolíticas.
Apesar do tamanho do desafio, o Brasil precisa enfrentá-lo. Já há interesse por parte da indústria, existem ações governamentais em andamento e também trabalhos nos laboratórios das universidades, mas é urgente organizar essas iniciativas dispersas e torná-las relevantes. É necessário que o objetivo se torne efetivamente um projeto de Estado, com participação decisiva da iniciativa privada.
Os caminhos para tanto serão abordados no seminário que a Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) realiza em São Paulo neste mês com a participação dos representantes das três hélices que precisam girar em harmonia. As questões essenciais em pauta serão as estratégias empreendedoras e os investimentos para estabelecer uma indústria de semicondutores no Brasil, assim como os caminhos para consolidar o domínio da tecnologia necessária.
Representantes das entidades empresariais, das áreas de desenvolvimento, indústria, ciência e tecnologia do governo federal e pesquisadores e educadores em engenharia apresentarão suas respectivas visões da questão e propostas para equacioná-la. A expectativa é que encontrem soluções tanto factíveis quanto criativas, que aproveitem o potencial nacional. Por exemplo, levando em conta a urgência em promover o combate ao aquecimento global e à crise climática, o Brasil pode desenhar uma indústria verde de chips, se valendo de sua matriz energética majoritariamente renovável.
É hora de avançar para garantir uma nação soberana, próspera e com justiça social.
Murilo Pinheiro é presidente da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE) e do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP)
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1) Infelizmente, desde a época da política da reserva de mercado na área de computadores, o fomento à indústria de semicondutores no Brasil não obteve a atenção merecida. Embora perna fundamental para a sustentação do pretendido desenvolvimento de uma indústria competitiva de computadores, a pesquisa nessa área foi subestimada pelos responsáveis pela política científica do país. Em consequência, para muitos, a reserva de mercado passou a ser criticada diante da pouca ou nenhuma competitividade de nossa indústria de computadores. Proliferaram “indústrias” que aproveitando-se dos incentivos e da proteção decorrente da lei de reserva de mercado, apenas maquiavam seus produtos, revendendo-os a preços incompatíveis com o dinamismo da área no exterior. Em virtude disso, jogaram fora o bebê junto com a água suja do banho, e, em 1992, sob a presidência Collor, o sonho de independência tecnológica do país ruiu com muito poucas pessoas lamentando.
2) Faz algum tempo, diante do que agora se percebe como questão crítica e altamente estratégica envolvendo potências como os EUA e a China, expus no GGN o que imagino ser uma prioridade estratégica para o Brasil no que diz respeito à indústria de semicondutores.
Estamos agora muito atrasados para partirmos do zero, mas também não podemos mais acreditar que podemos continuar apenas trocando matéria prima por produtos acabados com grau elevadíssimo de sofisticação tecnológica.
Uma estratégia nessa área deveria se apoiar em medidas de curto, médio e longo prazo. A curto prazo, deveríamos estabelecer as maiores facilidades para a atração das empresas líderes na área: norte-americanas, sul-coreanas, européias, japonesas, chinesas, taiwanesas.
Essas facilidades deveriam ter como contrapartida a exigência desses empresas abrirem, em médio prazo, no Brasil centros de pesquisa e de desenvolvimento para seus produtos.
Para a viabilização subsequente desses centros de pesquisa, as empresas que aqui se instalarem deveriam contribuir para a formação de engenheiros e doutores brasileiros em universidades nos seus respectivos países.
Além disso, um fundo comum deveria ser criado para o fortalecimento das pesquisas nessa área em cerca de duas dezenas de Universidades públicas (Federais e/ou Estaduais).
Essas empresas também deveriam ser estimuladas a estabelecer projetos em parceria, de curta, média e longa duração, com as Universidades brasileiras.
Parte dos engenheiros e doutores formados com o auxílio dessas empresas ao retornarem compriam os quadros científicos dos centros de pesquisa dessas empresas; outra parte passaria a integrar os quadros das universidades escolhidas.
A idéia é que essas empresas participem desses projetos de cooperação com as universidades de maneira “voluntária” como mecanismo de fortalecer suas equipes e seus projetos no país.
O incentivo para essa cooperação “voluntária” deve ser uma mistura muito bem dosada entre prêmios e sanções.
Uma correção: Parte dos engenheiros e doutores formados com o auxílio dessas empresas ao retornarem –comporiam– os quadros científicos dos centros de pesquisa dessas empresas;