Produção de chips no Brasil e a superação do complexo de vira-lata
por Adão Villaverde, Ricardo Reis, Sérgio Bampi e Sergio M. Rezende
Um circuito integrado (CI), também conhecido por chip, consiste de um conjunto de circuitos formados por dispositivos e componentes eletrônicos (transitores, diodos, resistores, etc) fabricados numa pequena pastilha de material semicondutor. Desde os primeiros CIs produzidos comercialmente no início dos anos 1960 até hoje a tecnologia evoluiu vertiginosamente, com a contínua diminuição do tamanho de suas nanoestruturas básicas. Isto possibilitou a existência de uma enorme variedade de chips, usados em telefones celulares, em todos os equipamentos eletrônicos domésticos, industriais, automóveis, tablets, computadores e tantos outros. Em uma visão macroeconômica, deve-se considerar que os chips são cada vez mais fundamentais para o sucesso de ecossistemas como agronegócio, transporte, medicina e saúde, aeroespacial e tantos outros.
Na América Latina, apenas o Brasil tem uma fábrica de chips, a CEITEC, empresa vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ela foi criada em 2008, no governo Lula, e está localizada em Porto Alegre, no eixo de seus ecossistemas científicos e inovativos, onde são formados engenheiros de microeletrônica e cientistas da computação de nível internacional. A empresa teve suas instalações básicas concluídas em 2010 e começou a produção parcial em 2012. Desde então, projetou e produziu CIs comerciais, com engenharia nacional e certificações internacionais no seu nicho de mercado, que se originaram de demandas do governo federal, como chips para cartões de bancos, passaportes, identificação de veículos etc. Entretanto, o governo não concretizou as compras previstas e a CEITEC teve que investir em produtos para o setor privado, conseguindo gradualmente ampliar se faturamento.
Nos últimos anos a CEITEC trabalhou para ampliar seu leque de produtos mais complexos e investiu mirando o longo prazo. Em 2021, empresa já tinha fabricado mais de 162 milhões de chips (http://www.ceitec-sa.com.br), vendidos somente para o setor privado, e estava próxima de atingir seu superavit, quando foi surpreendida por um decreto determinando sua liquidação. A iniciativa da liquidação foi do Ministério da Economia, com a justificativa que a empresa era deficitária. O MCTI, ao qual a empresa era vinculada, aceitou a intervenção pacificamente, sob o argumento que a CEITEC não faria falta pois haviam muitas outras fábricas de chips no país.
De fato, há no país 27 empresas na área de semicondutores, todas associadas à ABISEMI, e beneficiadas pela Lei 11.484 de 2007 que criou incentivos às indústrias de semicondutores e de equipamentos para TV digital. Ocorre que seis delas apenas fazem o design do chip e vinte apenas realizam o empacotamento de chips, uma etapa de menor agregação de valor ao produto e que não gera propriedade intelectual. Empresas internacionais se instalaram no Brasil para encapsular e projetar chips, em segmentos diferentes da estatal CEITEC. Somente esta tem uma fábrica com sala ultra-limpa capaz de executar os sofisticados processos físico-químicos necessários para produzir os chips semicondutores.
Felizmente, no início de 2022, o Tribunal de Contas da União sustou a liquidação da CEITEC, ao reconhecer o pioneirismo da empresa e a falta de justificativas técnicas robustas para a liquidação, além de detectar irregularidades nos procedimentos para avaliar a empresa que levaram à decisão sumaria do Ministério da Economia.
Recentemente, a Ministra de CT&I, Luciana Santos deu entrevistas afirmando que o Governo Lula iria revogar a liquidação da CEITEC e promover sua recuperação, reconhecendo que a retomada resultará de um reposicionamento e estudo de qual será a estratégia do país no campo dos semicondutores e das tecnologias de informação (TI). Suas declarações foram fortemente criticadas por grande jornal do Rio de Janeiro, com base em argumentos equivocados e limitados, numa lógica meramente de industrialização por montagem e empacotamento de chips, sem considerar a importância de semicondutores na macroeconomia atual e futura. A reprimarização e o extrativismo, como modelo econômico-industrial, presidem os argumentos, que desconhecem a complexa e crescente penetração destes dispositivos em TI, em todos os serviços e equipamentos informacionais, sejam os do nosso tempo, sejam os que virão.
Uma das críticas é que a tecnologia da fábrica seria ultrapassada. Mas fato é que a infraestrutura da empresa tem capacidade comprovada para larga diversidade de usos, sendo que a capacidade física do prédio a qualifica à operação com nível de precisão mais refinada ainda, desde que receba novos equipamentos. Cabendo observar que em muitas aplicações de ponta são usados chips com tecnologias fabris mais maduras, como a da CEITEC, que são mais robustas a falhas devido a efeitos de radiação.
Outra incorreção recorrente é fazer comparações com as grandes empresas do setor, como Intel, TSMC e Samsung, que fabricam processadores e memórias no estado da arte. O mercado de chips não se resume a estes segmentos agigantados, e há vários tipos que não necessitam ter dimensões tão reduzidas quanto as de memórias, por exemplo. Isso explica a existência de empresas menores que as proeminentes, produzindo chips como os da CEITEC para diversas aplicações. A empresa ON Semiconductor (http://www.onsemi.com), é um bom exemplo, que possui fábricas similares em vários países.
E ao contrário do que dizem os críticos, os investimentos públicos na Ceitec foram muito aquém do que uma fábrica desta complexidade requer, além da chamada curva de maturação necessária que teria que ser cumprida. A tentativa de liquidação foi depreciativa e disruptiva, incongruente com o que são os investimentos e os tempos de retornos destas nos países do Pacífico do Leste, onde se concentra em torno de 85% da produção mundial. Em movimento oposto e estratégico, países como EUA, China, Alemanha e Coreia praticam enormes subsídios públicos para terem manufaturas no setor de semicondutores.
É bom relembrar, que desde que o ensino de pós-graduação foi institucionalizado no país, em 1968, foram formados centenas de milhares de mestres e doutores em todas as áreas da ciência e tecnologia, sendo muitos milhares nas áreas de tecnologias da informação. A maior prova da qualidade dos recursos humanos aqui formados e preparados, foi a busca, por parte de empresas do exterior, por profissionais demitidos na desastrada tentativa de liquidação da empresa, sendo que algumas delas abriram filiais de R&D em Porto Alegre.
Com o sistema de ciência, tecnologia e inovação desenvolvido nas últimas décadas, o país tem plenas condições de superar o complexo de “vira-lata” e enfrentar desafios que exigem conhecimento e recursos humanos qualificados. E com isso fazer o país entrar definitivamente no seleto grupo mundial de Nações que detêm expertise e dominam a produção de chips para mercados novos que resultam de inovações continuadas, em uma época em cada vez mais todo produto de TI acaba em chips. Não recuar, pensar grande e investir com critério, é um dos caminhos para o Brasil crescer e fazer melhor.
Adão Villaverde, Engenheiro e Professor da Escola Politécnica – PUCRS
Ricardo Reis, Professor Titular do Instituto de Informática – UFRGS
Sérgio Bampi, Professor Titular do Instituto de Informática – UFRGS
Sergio M. Rezende, Professor Emérito de Física – UFPE e ex- Ministro da Ciência e Tecnologia (2005 -2010)
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Há todas as condições e vontade politica para catapultar nosso país a um nível de alto desenvolvimento científico tecnológico, incluído os cruciais semi condutores pra modernizar todos os aspectos da sociedade.
Parabéns pelo artigo. É óbvio que tem que se investir na CEITEC. Sem subsídio para uma indústria, por pequena e modesta que seja, de semicondutores, jamais sairemos do Zero. Há muito mercado para semicondutores mesmo utizando litografia mais antiga, 90nm por exemplo. E tem que se ter em mente que uma empresa assim pode alavancar a ciência, criando polos tecnológicos e atraindo jovens para o caminho da pesquisa. Que bom que não conseguiram destruí-la.
O Brasil não tem uma foundry. Já perdeu o trem várias vezes. Até as células solares são importadas e montadas aqui. As plantas são antigas e ultrapassadas e ficam querendo trazer para o Brasil. São essas notícias que são passadas para os que tomam as decisões. A gente não sabe purificar o silícico
O CEITEC não é a única fábrica de chips no Brasil. Há uma fábrica, em Ribeirão das Neves na grande Belo Horizonte, que está fechada por disputa judicial do BNDES e BDMG com os investidores privados que não conseguiram fazer todo o aporte financeiro a que eram obrigados. A Unitec é uma fábrica e uma empresa de projetos de microeletrônica que tem tecnologia da IBM que é mais moderna do que a do CEITEC. Deveríamos transformar a Unitec em empresa pública já que BNDES e BDMG são seus maiores acionistas.
https://revistapesquisa.fapesp.br/o-sonho-do-chip/
Tudo no brasil é muito caro para se produzir devido a Impostos, Lei trabalhista, energia, criar estatal para fabricar qualquer coisa não é a solução, a CEITEC pode até ter períodos em que tenha lucro mas tudo vai depender de quem seja o governante, o estado comprar seus produtos a que preço, o dinheiro do contribuinte não pode ser usado para manter a produção de uma empresa caso ela não tenha o melhor preço.
A solução é o estado gastar menos para reduzir impostos, se fazer uma reforma trabalhista que reduza despesas, sem isso nunca vai dar certo vamos continuar a bancar estatais que só dão prejuízo e impedindo a iniciativa privada de produzir aqui.
Esse tipo de empresa nacional não visa o lucro, a eficiência, e portanto a competitividade. Mas tem como objetivo a capacitação de mão de obra, desenvolvimento de tecnologias que viabilizem mais independência e assim a incubação e nascimento de empresas deste setor tão estratégico no país, pena que o Guedes não se deu ao trabalho de ler o mínimo como eu fiz, mas felizmente ele não conseguiu terminar o serviço.
A interferência política e a morosidade extrema são marca registrada da CEITEC. Entretanto, se ela se tornar mais agressiva e mais eficiente tem alguma chance de decolar.
Apenas um adendo: A Ceitec não é a única empresa que fabrica chips, temos a Chipus e outras, todas privadas.
Acho que quando se diz isso, que só a Ceitec faz chips na américa latina, é com o intuito de justificar a existência dela como estatal.
O Brasil precisa investir em tecnologia. Digo isso pois eu participei do mercado de algo até mais simples, produção de circuitos impressos, que recebem e interconectam esses Chips, e o Brasil, apesar de produzir, faz um apenas os mais simples. Dominar e criar tecnologia na área de semicondutores é necessário e vai ajudar a desenvolver pesquisas e promover desenvolvimento científico.