Especial Terras Raras: Os obstáculos que paralisam o Brasil

Por: Patricia Faermann

O Brasil tem a terceira maior reserva de terras raras no mundo, juntamente com a Rússia, e quer se tornar um dos maiores produtores destes minérios pelos próximos anos. Apesar das pretensões otimistas, essa mineração ainda requer tecnologias, pesquisas de viabilidade e investimentos que bloqueiam os avanços no país.

As chamadas terras raras concentram minerais críticos que são importantes para o uso e desenvolvimento de indústrias de energia limpa, eletrônica e medicina, pelo seu uso na fabricação principalmente de baterias.

Trata-se de um conjunto de minérios pesados e leves de alto valor, em um total de 17 elementos, como o lantânio (La), cério (Ce), praseodímio (Pr), neodímio (Nd), térbio (Tb), disprósio (Dy), entre outros. Se quimicamente parecidos – na tabela periódica estão na mesma fileira -, são aplicados para diferentes usos e funções nas indústrias.

O Brasil só tem menos reservas do que a China, com 44 milhões de toneladas, e o Vietnã, com 22 milhões de toneladas. Juntamente com a Rússia, reservam o terceiro posto, com um aproximado de 21 milhões de toneladas, de acordo o Serviço Geológico dos Estados Unidos, em levantamento produzido no ano passado.

Os números, contudo, não são concetros. Isso porque para se determinar a quantidade de terras raras disponível em um território, é preciso muita investigação e investimentos. E, apesar da concentração, o Brasil hoje não consegue dar sequência à cadeia produtiva que exige essa mineração.

É o que explicou ao GGN o professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Escola Politécnica da USP, Jose Gomes Landgraf, que coordenou o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia de Terras Raras da USP (INCT Terras Raras) e presidiu o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

O cenário das terras raras no Brasil

Enquanto na primeira metade do século XX, o Brasil era considerado um grande produtor mundial de terras raras, hoje a produção é feita a partir de reservas remanescentes de monazita, como na Unidade em Descomissionamento de Buena (UDB), no município de São Francisco de Itabapoana, no Rio de Janeiro.

Avançam, por outro lado, estudos de viabilidade e produção da mineração de terras raras em outras regiões: três em Minas Gerais, um em Goiás, um no Amazonas, e dois na Bahia.

Landgraf explica que da areia monazítica, nos anos 50 e 60 disponível na forma de lama negra nas costas do país, no Rio de Janeiro, Espírito Santo e sul da Bahia, era uma forma mais fácil de se concentrar as terras raras, mas “nós já tiramos tudo o que podia tirar”.

Outra fonte de terras raras são as regiões de antigos vulcões, localizados entre São Paulo e Brasília, principalmente em Minas Gerais. “Poços de Caldas, Araxá, Catalão, são cinco vulcões enfileirados. Esses vulcões tiraram do fundo da terra uma pequena quantidade de terras raras.”

“O que mais tem em todos esse vulcões é fosfato, lá tem várias mineradoras e no meio tem fostado de terras raras. Mas é um teor muito baixo, 4%”, narrou. Neste caso, as mineradoras podem aproveitar o resíduo da mineração de fosfato e de outros minérios, como nióbio, para retirar terras raras.

É o que faz a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), em Araxá, Minas Gerais. “Nesse minério em Araxá, tem 4% de nióbio, a CBMM utiliza, e sobra 96% de resíduo nas suas bacias. Pois bem, naquele rejeito de mineração, que a companhia vem trabalhando há 50 anos, tem 4% de terras raras, mas o teor é baixo e tem outros problemas”, explicou.

Foto: picture alliance / dp

Um dos primeiros empecilhos é que as terras raras concentram os minérios em conjunto, mas não se utiliza a mistura destes minérios nas indústrias, e sim separadamente. E, de acordo com o especialista, a proporção de concentração desses elementos varia, dependendo do local onde se extrai.

No caso dos minérios retirado pela CBMM em Araxá, o fosfato de terras raras é apresentado como cristais de 10 micrometros, o que é menor do que um fio de cabelo. “Esses cristais, por mais que se faça uma moagem, sempre ficam pendurados um cristalzinho de monazita com um cristalzinho de óxido de ferro e de titânio, juntos, e para separar isso só com ácidos fortes. Então se gasta muito dinheiro”.

A conclusão é que, “apesar de ser um minério rico, 4% de terra rara é uma maravilha no mundo inteiro, não é economicamente viável, e a CBMM investiu nisso um tempo e percebeu, agora, que não é viável”.

Landgraf narra que asessorou a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração a vender esse minério de monazita, que vem misturado com o óxido de ferro e de titânio, a uma companhia canadense e recebeu a negativa, pelo custo da separação.

Ele conta que até os anos 90, o Brasil fazia a separação de terras raras, mas que hoje essa tecnologia está perdida. “Até 1990, a INB Indústrias Nucleares Brasileiras fazia a separação. Vendeu tudo para a China. O que separou não tinha mercado no Brasil, ficou estocado, os chineses vieram aqui e compraram e a tecnologia, que a gente saiba, está perdida.”

E há uma terceira fonte que é a argila iônica, muito presente no sul da China. “O sucesso da China como um país produtor de terra rara esteve muito associado a eles poderem processar esse minério que é chamado argila iônica”.

Das três formas citadas pelo pesquisador, a argila é a mais fácil de se retirar -concentrar, no termo técnico- as terras raras de um minério. E é nela que avançam as pesquisas pelo Brasil.

Em Goiás, o projeto em andamento está sob o comando da mineradora Serra Verde, que utiliza um grande depósito de minérios para a obtenção da argila iônica e informa que as técnicas de concentração utilizadas nessa modalidade são de baixo impacto ambiental.

“A Serra Verde é um grande depósito de ETRs de argila iônica, um dos poucos depósitos deste tipo encontrados fora da China. As argilas iônicas podem ser extraídas com técnicas de mineração a céu aberto de baixo custo e processadas usando tecnologias simples, sem produtos químicos perigosos, britagem, moagem ou lixiviação ácida. Como resultado, nossos impactos ambientais são menores do que em outras operações de terras raras”, informa a apresentação da mineradora.

Ainda assim, as dificuldades dessa mineração passam pela viabilidade econômica que envolve, em primeiro lugar, a demanda e consumo atuais, e também pelo custo somado da cadeia produtiva – que inclui a pesquisa e busca do minério, a mineração, a concentração, a separação e a produção do metal.

A demanda de terras raras

O primeiro critério de viabilidade econômica depende da demanda mundial. Enquanto algumas indústrias vêm utilizando cada vez mais estes minérios, outras usam cada vez menos.

É o caso das baterias de computadores, que ao longo de anos provocou um aumento na procura e, consequentemente, no preço das terras raras. Mas que atualmente está em queda, desde que as baterias e discos rígidos – que necessitavam destes minérios para a sua fabricação – não são mais utilizados e foram substituídos por memórias flash.

Ao mesmo tempo, geradores eólicos que utilizam os imãs de terras raras e os carros elétricos tem um potencial de crescimento econômico. Neste último segmento, ainda, há modelos de carros elétricos que não utilizam mais imãs e investigações para a produção de imãs que não necessitam destes minérios.

Diante deste cenário, da mudança tecnológica, as terras raras também correm o risco de se tornarem obsoletas, confirma o pesquisador Landgraf, que trabalha com imãs de terras raras há 40 anos: “Sempre tem esse risco.”

“É um risco. Você pode gastar 50 milhões de dólares em um projeto de mineração em Goiás e o preço da terra rara desabar e ter que fechar a sua mina”, exemplificou o pesquisador.

O valor da cadeia produtiva

O custo da cadeia produtiva das terras raras começa com a procura destes minérios. “A área que se acredita que na superfície tem minério, a mineradora precisa fazer furos na terra, 200, 500 furos para ver até onde vai [a quantidade de minério]. Qual é o teor daquela terra rara exige um grande investimento, dezenas de milhões de dólares, para se ter uma ideia de, afinal das contas, quanto de terra rara eu tenho na minha mão.”

Em seguida, a segunda etapa é o custo da concentração, que depende do formato e origem que essa terra rara é minerada, como exposto no início da reportagem.

E após a concentração de terras raras, que é a retirada do minério, obtém-se uma matéria prima, como um óxido de terras raras. Mas para a produção do imã, por exemplo, utiliza-se o neodímio, que é somente um dos 17 elementos que estão misturados.

Por isso, a etapa seguinte, a de separação, é crucial para o êxito da mineração.

“É preciso separar e elas são quimicamente muito parecidas, então separá-las é uma etapa que custa caro também e a que mais agrega valor. Isso é um problema porque os outros consumos de terras raras são pequenos. Então se faz todo esse trabalho para pegar só o neodímio, ou neodímio, o praseodímio e o disprósio, quando estão [no mesmo conjunto de terras raras].”

O professor explica que a separação envolve o uso ácidos fortes, solventes iônicos, por meio de centenas de reatores, em uma “etapa química razoavelmente sofisticada”, que também demanda alto investimento.

Por fim, a separação produz um óxido daquele minério, que ainda precisa ser transformado em metal. “Olhando muito grosseiramente, o produto da separação é, por exemplo, o óxido que tem 99% de óxido de neodímio, que é usado para produzir o metal. Aí vem mais uma etapa, a produção do metal, que é bem parecida com a produção de alumínio”, afirmou.

Pesquisas e domínio de estrangeiras

São por estes custos que os investimentos feitos em terras raras partem de “quem está disposto a correr riscos” e de quem tem recursos para tanto. Essa é a razão pela qual boa parte das pesquisas feitas no Brasil, atualmente, estão sob o comando de mineradoras estrangeiras.

É o caso das operações e estudos em andamento em Minas Gerais e Bahia. Em março de 2023, a australiana Foxfire Metals Ltda anunciava ter descoberto uma grande reserva de terras raras no Vale do Lítio, no norte de Minas.

A empresa australiana detém a posse da pesquisa de mais de 250 mil hectares de área geológica de Minas. A Foxfire explora minérios no Brasil desde 2013, com quase 400 mil hectares em Minas, Bahia, Goiás, Piauí, Mato Grosso, Ceará e Amazônia.

Outra que opera na Bahia é a norte-americana Energy Fuels, especializada em explorar minérios essenciais para a chamada “energia limpa”, como minérios usados em baterias elétricas. Em fevereiro deste ano, o grupo adquiriu 17 direitos minerários de terras raras na Bahia, referentes a mais de 15 mil hectares, por US$ 27,5 milhões.

E o projeto mais avançado de mineração de terras raras, em Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais, está sob o comando da Meteoric Resources, mineradora também australiana especializada em extração de terras raras.

O Projeto Caldeira, como foi denominada a extração no local, já se encontra em fase avançada e com expectativa de início das operações em 2026. A australiana espera investir R$ 1,5 bilhão nos próximos três anos.

Secretário Vitor Saback, o presidente do SGB, Inácio Cavalcante Melo Neto e representantes da Meteoric – Foto: Meteoric Resources

Em visita ao projeto, em agosto do ano passado, o secretário nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, do Ministério de Minas e Energia, Vitor Saback, avaliou que a atividade trará vantagens ao Brasil, incluindo a geração de 500 empregos diretos e 1,5 mil indiretos no sul de Minas.

“O Projeto Caldeira é promissor, assim como tantos outros que temos em estudo no país. Em poucos anos, podemos estar entre os três maiores produtores de terras raras do mundo. Será um movimento importante para reduzir dependência internacional do minério”, afirmou, na ocasião.

Brasil tem a tecnologia, mas há ‘gargalos’

Em nota ao GGN, o Ministério de Minas e Energia vê com bons olhos os avanços dessa mineração no país, apesar dos custos e obstáculos expostos pela reportagem.

“O Brasil teve avanços quanto aos recursos em jazimentos primários, em rejeitos de mineração de nióbio e fosfato de rochas alcalinas-carbonatíticas. Mais recentemente, houve a descoberta de ocorrências de terras raras em argilas iônicas, que colocam o Brasil como importante produtor global, em prazo relativamente curto”, afirmou a pasta.

“O Brasil domina a tecnologia e possui capacitação técnica para a pesquisa mineral, extração e beneficiamento (concentração) desses minérios de maneira ambientalmente sustentável”, agregou o Ministério de Minas e Energia.

O pesquisador consultado pelo GGN confirmou a competência nacional: “A gente tem tecnologia para isso, o IPT fez uma série de experiências nesse sentido e na separação tem duas instituições brasileiras que tem muita experiência: no Rio de Janeiro o CETEM [Centro de Tecnologia Mineral], que já trabalhou bastante com a separação das terras raras, e em Minas Gerais, o CDTN, é um Centro de Tecnologia Nuclear, que também trabalha há décadas com isso. A USP já teve também bastante competência, mas parou de atuar quando a China tomou conta do mercado em 1990.”

Landgraf elogiou uma iniciativa, de 15 anos atrás do governo federal, de criar redes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Terras Raras para a comunicação dos diferentes setores, pesquisa e representantes industriais que envolvem todas as cadeias produtivas das terras raras.

Foi uma boa ideia juntar as pessoas. Porque cada um ficava no seu ‘pedacinho’, sem olhar para o outro, então criaram 100 redes de institutos e uma delas é das terras raras, que reúne hoje 8 instituições de pesquisa focadas na cadeia produtiva: mineração, concentração, em diferentes instituições. Nesses últimos seis anos, a gente tem feito reuniões de todo o grupo, compartilhamento, tem sido uma experiência muito rica.”

Dessas instituições, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina destacam-se pela produção de imã; o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] faz a liga necessária para o imã e o óxido para produzir o neodímio metálico; o CETEM e CDTN concentraram-se na separação e na mineração; a Universidade do Amazonas, que trabalha com a reciclagem; e o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia de Terras Raras da USP, que atua na interlocução e coordenando a rede.

Contudo, para Jose Landgraf, que atua diretamente na área das pesquisas desses minérios e assessorou companhias e mineradoras ao longo das últimas décadas, tornar o país um produtor global ainda demanda sanar obstáculos da própria cadeia produtiva.

Isso porque além dos obstáculos financeiros e mesmo que o Brasil detenha tecnologia, a etapa de separação das terras raras é “o grande gargalo” do país.

“Mas e a separação? Quem é que vai ser a empresa que vai ter a coragem de se meter na separação de terras raras no Brasil? Será que alguém mais pode entrar nessa jogada? Será que é o caso de ter uma empresa estatal fazendo isso? Porque é o gargalo, não vai ter cadeia produtiva de terras raras no Brasil se não tiver a separação“, levantou o questionamento.

Atualmente, mesmo com todo esse potencial e reservas, o Brasil importa imãs de terras raras, 100% do produto final, não existe a fabricação local destes imãs.

E interessa a exportação das terras raras antes da separação?, questionei o professor.

Claro que interessa. Essas mineradoras [estrangeiras] querem fazer isso. A mineradora não quer outra coisa, ela quer concentrar e vender o concentrado. É isso que ela quer.

A resposta foi a confirmação de que o Brasil, com todo o potencial existente, reproduz nas terras raras a lógica de participação econômica primária, como exportador de commodities, desperdiçando significativos valores tecnológicos acumulados há anos.

Ao GGN, a pasta afirmou que “tem trabalhado para atrair investimentos nacionais e internacionais para o fomento da atividade mineral”.

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