Por Maíra Vasconcelos, especial para o Blog
Buenos Aires, 20 de junho, 2012
Depois de desbloqueadas as refinarias, em mais um conflito sindicato versus governo federal, entre hoje e amanhã os argentinos aguardam o reabastecimento de nafta. Após dois dias, a paralisação nacional dos caminhoneiros foi suspensa quando acordado o aumento de 25,5% no salário dos transportadores. São constantes e ininterruptos os reclamos salariais, simplesmente porque a inflação avança a um ritmo de 20% a 24% anual.
Elevar os gastos públicos, com inflação e crescimento do mercado interno, é a política econômica do atual governo da presidente Cristina Kirchner, desde seu primeiro mandato em 2008. Usou em demasia as reservas em dólar, e agora busca medidas para reter esse capital no país. Por isso, as últimas decisões para equilibrar importações e exportações e ainda as travas burocráticas na compra do dólar. O modelo heterodoxo, que gera crescimento, mas também aumento do índice inflacionário, vem sendo adotado desde 2003, quando a Argentina era presidida por Néstor Kirchner.
Com o crescimento constante da inflação, a oposição ao governo kirchnerista utiliza a elevação dos preços como bandeira política. A princípio, a reação oficial foi negar a inflação, apoiando-se nos números divulgados pelo órgão governamental, o Instituto Nacional de Estatística e Sensos (INDEC), que foram e continuam sendo questionados, em comparação com os dados de consultorias privadas.
Na semana passada, em um congresso nacional que reuniu pequenos e médios empresários, economistas e funcionários, representantes do governo admitiram que a inflação é elevada, mas que irá baixar de forma ordenada, e que esse não é o problema do país. A dificuldade foi apontada caso os empresários desejem importar sem exportar, “aí vamos ter problemas, muchachos”, afirmou o secretário de Comércio Interior.
O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do último mês de maio, segundo o INDEC, foi de 0,8%; e de 1,7% segundo consultores privados. O poder de compra dos trabalhadores, em média, mostra certo acompanhamento com um salário mínimo que passou de $ 1800 pesos em 2011, para cerca de $2300, este ano. Em agosto próximo, espera-se um novo anúncio presidencial, com acréscimo de 20% no salário mínimo.
Distintos sindicatos trabalhistas, que têm forte estrutura representativa na Argentina, já anunciaram que esse aumento não é satisfatório. E, dado o poder dos presidentes destas instituições, sendo as principais a Confederação geral do Trabalho (CGT) e a Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), o governo federal enfrenta negociações tensas, sempre com a possibilidade de desabastecimento de algum produto.
As vozes do bairro
Longe dos alarmismos midiáticos orquestrados, principalmente, por Clarín, La Nación, canais de televisão e rádios pertencentes aos dois grupos empresariais, alguns comerciantes do típico bairro portenho de classe média, Villa Crespo, confirmam com ares de normalidade a inegável inflação.
Na cafeteria, na padaria, na lanchonete, na verduleria e na banca de jornal os vendedores de lojas instaladas na Avenida Corrientes, concordam ao afirmar “já houve tempos muito piores”. Mas, “os consumidores reclamam a cada aumento”, dizem eles.
Na padaria “Nuevas Corrientes”, o gerente Carlos Flores contou que a dúzia de medialunas (croissant) passou de $12 a$27 pesos, desde 2008, até os dias atuais. “Na semana passada, reajustamos o valor da medialuna, foi de $ 24 para $ 27 pesos, a dúzia. Os clientes reclamam muito, mas as vendas não diminuíram”, disse Flores, portenho, que trabalha no local há 12 anos.
O tradicional choripan (pão com lingüiça) saltou de $ 5 para $12 pesos, desde 2008 até hoje, segundo o dono da lanchonete “Pancheria”, Hugo Miranchi. Ele usou do humor ao estilo argentino e definiu a inflação como corriqueira, sendo apenas um sobressalto a mais diante do sempre agitado ambiente político-econômico vivido no país.
“É uma história conhecida a inflação. As pessoas reclamam, mas aqui estamos acostumados às surpresas. Ao sair de casa, sabemos que tudo pode acontecer”, afirmou Miranchi, que há sete anos mantém o local de venda de lanches tradicionais, como o cachorro-quente, que seria pancho, em “argentinês”; pão com linguiça e empanadas, parecidas ao pastel assado, no Brasil.
“Temos que criticar, pois a inflação tem um peso importante, e freia o cliente que, às vezes, consome menos”, afirmou o gerente da cafeteria “Aromi”, Pablo Hernández. Ele disse que o café, que em 2008 custava $ 8 pesos, hoje é vendido por $ 13.
Segundo a senhora Nélida Herrera, que há 35 anos, aluga o ponto da banca de jornal, sobre a Avenida Corrientes, o excesso de trabalho não lhe permite acompanhar os números da inflação, que são muito inferiores aos de anos atrás, referindo-se à crise de hiperinflação, no final dos anos 1980. Ela contou que, ciente da alta dos preços, mudou seu modo de consumo.
“Compro com cartão de crédito e busco sempre as ofertas. Esse escândalo é para incomodar a Cristina. São sempre os mesmos que gritam, são os do PRO (partido opositor ao kirchnerismo)”, afirmou Herrera.
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