México também colocou Exército nas ruas e viu o fracasso

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Mulher carrega bebê na comunidade Vila Kennedy, no Rio – Foto: CARL DE SOUZA – AFP

Jornal GGN – Adotando política comparável ao do atual mandatário Michel Temer com a intervenção federal na Segurança Pública no Rio de Janeiro, o México viveu situação similar, quando o então presidente Felipe Calderón decidiu enviar os soldados às ruas para a expectativa, depois vista como fracassada, de conter a violência.

A parte os contextos e históricos políticos diferentes, a comparação com outros países da América Latina ajudam a entender as consequências e resultados de medidas punitivas para combater a violência. Reportagem do El País recuperou o que o país latino-americano vivenciou após mais de 10 anos com o exército realizando medidas de segurança. 
 
Por CECILIA BALLESTEROS
 
O México também colocou o Exército nas ruas contra o tráfico: a história daquele fracasso
 
Do El País
 
Mais de 11 anos depois de mandar o Exército às ruas para combater o tráfico a violência continua sangrando o país
 

Quando o México acordou, os traficantes e o Exército nas ruas continuavam lá. Quase onze anos após Felipe Calderón decidir em seu décimo dia como presidente, em 10 de dezembro de 2006, enviar 6.500 soldados a sua Michoacán natal para sufocar a violência e a impunidade, o balanço da chamada “guerra contra o tráfico” não pode ser mais desalentador. Quase 200.000 mortos, 23.000 desaparecidos, numerosas denúncias por violações dos direitos humanos, casos emblemáticos como os 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos há quatro anos, o mês de janeiro de 2018 mais violento desde 1991 com mais de 2.000 mortos e cartéis da droga cada vez mais fragmentados e incontroláveis que todos os dias mancham de sangue a geografia mexicana.

A controversa decisão de Calderón, um dos presidentes mais impopulares a sentar-se na cadeira da águia, e na qual muitos viram uma tentativa de se legitimar no poder após uma eleição apertada que venceu por poucos votos, foi como uma pedrada em uma colmeia cujas picadas mortais chegaram a toda a sociedade mexicana. Durante dois meses, quase 20.000 soldados foram recebidos como heróis por uma população cansada de violência e de massacres desde 2005 e de forças de segurança corruptas. O sonho logo acabou: abusos dos militares, que aumentaram em 600% entre 2003 e 2013 de acordo com organizações como a Anistia Internacional, falta de preparação e de um marco legal, efetivos reduzidos para territórios grandes, população rural desalojada e erupção dos chamados grupos de autodefesa em Guerrero, Oaxaca e Michoacán, no sul do país, na realidade, pessoas dispostas a fazer justiça com suas próprias mãos, muitas vezes cumprindo ordens dos traficantes.

O veneno contaminou os seis anos de mandato de Enrique Peña Nieto, do PRI, que ao assumir prometeu mudar essa estratégia, fracassada segundo todos os parâmetros, mas cuja recente e polêmica Lei de Segurança, agora na Suprema Corte de Justiça, questionada por várias ONGs, apesar de pretender dar um respaldo jurídico à ação do militares, causou um profundo mal-estar no interior das Forças Armadas que são enviadas para lutar uma guerra assimétrica para a qual não estão preparadas. Os diferentes candidatos às eleições presidenciais de 1 de julho ainda não se pronunciaram sobre o assunto por imperativo legal, mas o favorito, Andrés Manuel López Obrador, do Movimento de Regenerarão Nacional (MORENA) insinuou uma anistia aos chefes do narcotráfico que causou incômodo.

A insegurança se transformou em uma obsessão aos mexicanos que veem como, apesar da mobilização de mais de 50.000 soldados em suas cidades, a violência continua e penetra em antigos santuários de tranquilidade como a Cidade do México e as regiões turísticas de Cancún e Los Cabos onde já é comum ver tanques e turistas. O Governo de Peña Nieto se orgulha de ter prendido 101 dos 122 chefes mais procurados, entre eles, ano passado, o famoso Joaquín El Chapo Guzmán, chefe do poderoso Cartel de Sinaloa, agora preso nos Estados Unidos após várias fugas e recapturas. “Missão cumprida”, publicou à época o presidente em sua conta no Twitter. Mas como aconteceu com George W. Bush no Iraque, os números e a realidade desmentem o presidente.

De fato, muitos ‘think thanks” classificam o México como um dos países mais mortíferos do mundo, também para a imprensa (12 jornalistas mortos somente em 2017, números comparáveis aos da Síria), ao que é preciso acrescentar 63.000 mortos em seus três primeiros anos de mandato (50% a mais do que no mesmo período de Calderón). Enquanto isso, a droga continua fluindo livremente aos Estados Unidos e a estratégia seguida pelo Gabinete de Peña de atacar os cartéis e fragmentá-los, mais do que enfraquecê-los, voltou a agitar a colmeia, com grupos cada vez mais autônomos e, portanto, menos manejáveis e previsíveis. Essa é a razão pela qual muitos no México acreditam que a melhor guerra contra as drogas é fazer as pazes com os chefes do tráfico e deixar seu lucrativo negócio como está, como acontecia nos tempos do velho PRI. Porque, uma vez que você coloca o Exército nas ruas, quem o devolve aos quartéis?

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

9 Comentários

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  1. No Mexico, o exercito estava a disposiçao e a serviço de El Chap

    No Brasil o exercito est+a a serviço e a disposiçao do Bandido Temer.

    Mudam as moscas mas a bosta eh a mesma

  2. A guerra contra as drogas é

    A guerra contra as drogas é uma guerra impossível de se vencer.

    Em algum momento vai ser imperioso que os EUA revisem sua posição com relação a esta guerra.

    O problema é que revisar a posição com relação à guerra contra as drogas significa admitir que não apenas é uma guerra impossível de se vencer, mas que quem a lutou saiu derrotado.

    1. EUA

      Se as drogas fossem produzidas lá nos EUA com certeza eles já tinham legalizado e estariam vendendo para o mundo. Se os EUA pudessem fabricar cocaina sintética já o teriam feito. A luta contra as drogas é a luta de países que não produzem e que perdem dinheiro por conta dessa importação paralela. Brasil apenas segue aos EUA sem discernimento próprio e, pelo que se sabe, Brasil é o segundo maior consumidor, depois dos EUA.

      1. As drogas são proibidas porque assim elas dão mais lucro

        Os EUA poderiam produzir cocaína, assim como produzem maconha, metaanfetamina, LSD e outras drogas proibidas. Acontece que se não fossem proibidas essas drogas teriam preço muito mais baixo, pagariam impostos e teriam provavelmente menos consumidores porque não haveria a glamourização do seu uso.

        a proibição funciona como uma reserva de mercado para o crime e movimenta uma imensa máquinade corrupção policial, judiciária e política. As únicas funções cumprida pela proibição é de garantir lucros bilionários para poucos e ser um instrumento indireto de controle social pela marginalização da população mais pobre e sua associação ao crime.

         

        1. Oi Ruy

          Faz sentido!

          Aqui no Brasil se proíbem certas coisas, mas é deixada uma brecha para a justiça e a polícia “negociar”: Jogo do Bicho, Bingos, dólar paralelo, drogas e etc. Realmente se cria um elevado preço do que é escasso e “proibido”. Acho que por isso tem uma cerveja chamada assim….será que vende mais?

          1. Acho que não é apenas o efeito psicológico

            Acho que não é apenas o efeito psicológico do “fruto proibido”, que na minha opinião acaba atraindo mais consumidores. Há também um efeito econômico muito prático. A proibição reduz a oferta, já que a produção tem que ser clandestina, com mais demanda e menos oferta o preço inevitavelmente sobre.

            Além disso por ser feito à margem da lei o uso da força para impor o poder econômico de certos grupos sobre possíveis fornecedores, acabando com a concorrência à bala e a absoluta falta de poder de barganha dos consumidores faz com que essa “reserva de mercado” para o crime organizado seja uma fonte de lucros extraordinária.

    1. O Exército Colombiano sempre esteve nas ruas

      O Exército Colombiano está nas ruas desde que Marulanda fundou as FARC’s, entretanto apenas agora a Colombia está pacificada. Em outras palavras, se você toma um medicamento prá dor de cabeça e sua cabeça vai parar de doer apenas depois de três dias que você ingeriu o medicamento, tenha certeza de que não foi o medicamento que acabou com sua dor de cabeça.

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