Para recuperar eleitorado, partidos europeus de centro-esquerda fazem guinada à esquerda

"Nossa retórica está altamente carregada com mensagens de esquerda, como a precariedade e as mudanças climáticas. Fizemos isso para nos aproximar dos setores que nos abandonaram”, diz parlamentar recém-eleito do PSOE

Jornal GGN – Os europeus estão insatisfeitos com as respostas dos partidos de centro, especialmente centro-esquerda, que ocuparam os governos nos últimos anos levando as siglas a buscarem o apoio e o discurso mais à esquerda para agradar o eleitorado. A análise é da matéria de Giovanni Legorano, no Wall Street Journal.

A movimento mais recente foi nas eleições para a escolha da nova composição do parlamento na Espanha. O centro-esquerda PSOE, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, conquistou 123 das 350 cadeiras, 85 a mais do que nas últimas eleições, em 2016, se pautando em um discurso mais radical.

Enquanto isso, o Partido Popular (PP), algo equivalente aqui no Brasil ao PSDB, teve o pior resultado em relação às eleições anteriores caindo para apenas 66 vagas, ante as 137 que detinha. Ele perdeu boa parte das vagas no Parlamento para o partido Vox, de extrema-direita, que elegeu 24 deputados (não tinha nenhum), graças principalmente à irritação dos nacionalistas espanhóis com as ambições separatistas da Catalunha.

No Natal, Sánchez elevou o salário mínimo em 20% garantindo uma boa repercussão entre o eleitorado mais pobre. “Sua defesa de impostos maiores para as empresas marca um contraste com o último premiê socialista da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, que há mais de uma década disse que ‘cortar impostos é de esquerda'”, pontua o articulista.

Legorano reflete que, da mesma forma, os partidos de centro-esquerda na Alemanha, Itália e Reino Unido estão tentando atrair eleitores “que se sentirem traídos por políticas centristas que, acreditam, os fizeram mais pobres e ameaçaram a segurança de seus empregos”.

“Parte desse eleitorado migrou para partidos novos, à esquerda e à direita”, completou o analista político. Um dos socialistas que se elegeram para o Parlamento espanhol no domingo, Pau Marí-Klose admitiu que o PSOE “claramente” se virou a esquerda.

“Nossa retórica está altamente carregada com mensagens de esquerda e acrescenta novos temas, como a precariedade e as mudanças climáticas. Fizemos isso para nos aproximar dos setores que nos abandonaram, como os jovens.”

Legorano chama essa guinada de “angústia existencial” dos partidos de centro-esquerda da Europa também refletida dentro do Partido Democrata dos EUA. Na tentativa de ganhar eleitores e responder ao desafio do presidente Donald Trump (Republicano), os Democratas se viram questionando-se se deveriam ou não mirar no centro, ou mais para a esquerda. Quando decidiram por essa segunda alternativa, nas eleições legislativas de 2018, tiveram uma onda de votos conquistados na esquerda.

“Quando a ideia de governo grande caiu em descrédito, ao fim da Guerra Fria, os partidos de centro-esquerda no Ocidente passaram a aceitar cada vez mais a visão econômica de livre mercado, ao mesmo tempo em que buscavam limar as arestas do capitalismo em vez de mudá-lo radicalmente”, remonta Legorano.

“Na Europa, líderes como o britânico Tony Blair e o alemão Gerhard Schröder conduziram a mudança de perspectiva, dos generosos Estados de bem-estar social e da intervenção estatal para a desregulamentação, a privatização e a concorrência. Líderes de centro-esquerda na França, Itália, Espanha e em outros países os seguiram. Com o tempo, os eleitores da classe trabalhadora na Europa passaram a considerar esses partidos como cada vez mais distantes das pessoas comuns. Seus seguidores sentiram-se traídos quando alguns deles, como os socialistas da Espanha e os democratas da Itália, respaldam cortes na seguridade social para escorar as finanças do governo durante a crise financeira”, completou.

Esse cenário é que vai resultar no fenômeno atual de declínio dos partidos tradicionais de centro-esquerda e o aumento dos populistas de extrema-direita e extrema-esquerda ganhando mais espaço “entre eleitores desiludidos, com ataques ao sistema”.

A cientista política da Universidade Livre de Amsterdã, Catherine De Vries, corrobora essa avaliação apontando que o insucesso popular dos governos de partidos de centro-esquerda e levante dos extremos, fizeram alguns desses partidos “retomar seus princípios fundamentais para recuperar eleitores.”

Nas eleições de 2015, por exemplo, o Partido Trabalhista britânico sofreu uma derrota inesperada. A experiência levou a sigla a se tornar uma das primeiras a virar à esquerda para reconquistar apoio.

“Seu líder, Jeremy Corbyn, atraiu milhares de jovens com mensagens contra a austeridade e a guerra. Ele também defende reestatização da água e das ferrovias. Nas eleições de 2017, o Partido Trabalhista conquistou 40% dos votos, ante os 30% de 2015, mas ficou em segundo lugar, abaixo do governante Partido Conservador”, pontua Legorano.

John Martin McDonnell, um dos líderes do Partido Trabalhista britânico declarou recentemente: “O socialismo voltou à agenda”.

Na Alemanha e Itália, os partidos de centro-esquerda que estiveram nos governos implementando políticas econômicas pró-empresas, sofreram reiteradas perdas nas eleições passadas e agora voltam ao discurso original.

Em 2017, o Partido Social-Democrata (SPD) alemão, sofreu seu pior resultado no pós guerra para os Verdes, de tendência esquerdista, e o Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita.

“Na Itália, o Partido Democrático perdeu votos desde 2013 para o Movimento 5 Estrelas, antissistema, e para a Liga, de extrema-direita, que hoje governam juntos o país”, destaca Legorano lembrando que entre as políticas que afastaram os eleitores do Partido Democrático está a reforma da Previdência. “O apoio popular ao Partido Democrático caiu pela metade desde o início de 2014”, completa.

Agora, o recém-eleito líder dos democratas, Nicola Zingaretti, afirmou que analisa uma aliança eleitoral com parlamentares que deixaram o partido no passado por considerá-lo centrista demais. “As forças populistas se saíram melhor do que as progressistas por causa de um anseio por mais justiça”, admitiu Zingaretti em abril.

Redação

2 Comentários

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  1. Olha, eu acho que nem escancarando o óbvio, o PT algum dia vai fazer algum tipo de autocrítica.
    Não se ligaram em 2013. Não se ligaram quando a Dilma chamou o Levy. Continuaram não se ligando quando abraçaram um discurso vitimizatório cômodo e absolutamente fora da realidade.
    A limitação intelectual do PT só se compara a uma outra: a do Bolsonaro. Os dois são absolutamente análogos em obtusidade, prepotência e autossuficiência.

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