Justiça

A guerra interna no TCU e o estranho pedido de arquivamento do caso Moro, por Tânia M. S. Oliveira

A guerra interna no TCU e o estranho pedido de arquivamento do caso Moro: o que esperar das instituições?

por Tânia M. S. Oliveira

No dia 25 de janeiro último, o subprocurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, havia solicitado ao ministro Bruno Dantas que o órgão obtivesse informações junto ao Banco Central e ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sobre os honorários recebidos por Sérgio Moro da empresa Alvarez & Marsal, o que foi rejeitado pelo relator do processo que, ao invés disso, determinou que a Secretária-geral de Controle Externo (Segecex) do próprio TCU buscasse nas bases de dados todas as informações que possam guardar relação com o vínculo estabelecido entre o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro e a consultoria dos Estados Unidos.

Acuado, Moro decidiu revelar na sexta-feira (28/1) quanto recebeu da consultoria em território norte-americano. Em uma live sem a participação de profissionais de imprensa, ao lado de membros do Movimento Brasil Livre (MBL) afirmou que recebeu  R$ 3,7 milhões pelos serviços prestados, o que equivaleria a um salário de US$ 45 mil (R$ 241 mil na cotação atual). Ainda revelou o pagamento de um bônus de US$ 150 mil (R$ 805 mil), do qual teve que devolver R$ 67 mil por não ter cumprido o contrato até o fim.

O pedido de arquivamento na segunda-feira (31) da investigação pelo TCU feita pelo próprio Lucas Furtado foi uma surpresa negativa à sua atuação até aqui. Negativo e – é preciso dizer – muito estranha.

Em primeiro lugar porque o fundamento do pedido de arquivamento não decorre de ter ficado satisfeito com informações em tese prestadas publicamente por Sérgio Moro. Furtado usa a mesma tese da defesa de Moro de que o contrato seria de ordem privada, o que afastaria a competência do Tribunal de Contas da União. Argumento refutado por ele próprio em várias ocasiões anteriores.

Voltando a fita, Lucas Rocha Furtado ofereceu Representação junto ao TCU no dia 1º de fevereiro de 2021 no intuito de que o Tribunal apurasse os prejuízos ocasionados aos cofres públicos pelas operações supostamente ilegais dos membros da Lava Jato de Curitiba e do ex-juiz Sérgio Moro, mediante práticas ilegítimas de revolving door, afetando a empresa Odebrecht S.A. e lawfare, conduzido contra pessoas investigadas nas operações efetivadas no âmbito da chamada  operação Lava Jato.

Naquela Representação apontava como dano ao erário – indiretamente ocasionado aos cofres públicos – a perda de arrecadação tributária decorrente do processo de recuperação judicial da Odebrecht, que foi levada a uma situação pré-falimentar em consequência das investigações da Lava Jato,  evidenciando a necessidade de o TCU verificar se, na ocorrência de transação tributária desfavorável aos cofres públicos federais houve a atuação de forma ilegal e ilegítima de agentes públicos.

Indicava, também, dano decorrente de todo o dinheiro desperdiçado por anos e anos na operação Lava Jato, com o pagamento de remuneração de procuradores, servidores públicos do MPF, horas de trabalho extraordinárias, funções, diárias, passagens, recursos materiais, custos esses todos extensíveis aos órgãos judiciais que tiveram que apreciar processos eivados de nulidade desde o início, em todas as instâncias, até o Supremo Tribunal Federal.

Depois disso Lucas Rocha Furtado solicitou ao relator Bruno Dantas adoção de  diversas medidas, inclusive de caráter duro.

Não é razoável crer que um ano depois da Representação apresentada tenha, de repente, descoberto que estava enganado sobre a competência da Corte de contas para analisar suas sucessivas solicitações, feitas de forma tão fundamenta e enfática, em uma suposta mudança de entendimento que não fora sequer embasada no pedido formulado de arquivamento, o que somente aumentam as especulações sobre os reais motivos do subprocurador.

Segundo noticiado amplamente na imprensa a condução de Lucas Furtado provocou uma guerra interna no Tribunal de Contas envolvendo, inclusive, o outro procurador Júlio Marcelo, publicamente declarado fã de Moro, que tentou ser admitido no processo de investigação  e sofreu uma arguição de suspeição pelo colega.

O pedido de Furtado de arquivamento não vincula a decisão, que  cabe ao ministro Bruno Dantas que precisa, no mínimo, aguardar o resultado de diligências que requereu ao setor de inteligência no âmbito do próprio TCU para auxiliar a investigação.

Em outra ponta Sérgio Moro não afastou as evidências de conflito de interesse em sua atuação. Mesmo que seu salário milionário seja o que revelou na live, é necessário saber quem eram seus clientes na Alvarez & Marsal, qual a natureza do seu trabalho, se era mesmo de consultoria ou tinha um cargo de diretor como consta no site da empresa. Essas perguntas foram feitas ao Ministério Público Federal pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD, para a verificação do cometimento de crime de tráfico de influência.

A sociedade espera resposta das instituições.

Arquivamento sem conclusão ou deixar de abrir investigação diante de tantos elementos indicadores de práticas desviantes não são procedimentos compatíveis com o Estado democrático de Direito. Deixar de investigar os possíveis crimes de Sérgio Moro é compactuar com todos as suas perniciosas ações, que o conduziram à declaração de juiz suspeito pelo Supremo Tribunal Federal.

Tânia M. S Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membro da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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