Caso Escobar: Mensagens revelam modus operandi da PM em queima de arquivo

Policiais executaram sete pessoas para encobrir o assassinato do ex-coordenador de campanha de Ronaldo Caiado

Crédito: Divulgação

A Polícia Civil apresentou um relatório com conversas de 10 policiais militares presos pela morte do empresário Fábio Escobar e outras sete pessoas relacionadas ao caso, em que os executores combinam versões para atrapalhar as investigações dos crimes cometidos em Anápolis, Goiás. 

Os celulares foram apreendidos durante a prisão dos agentes, em outubro de 2023. Após a quebra do sigilo, os investigadores constataram que os PMs criavam falsos confrontos para justificar a execução de sete pessoas e compartilhavam os detalhes falsos do crime em um grupo de WhatsApp. 

Entre os participantes do grupo estavam Glauko Olivio De Oliveira e Thiago Marcelino Machado, presos pela execução de Escobar. 

“Vamos alinhar os pensamentos para todos conversar a mesma língua, para que todos tenham a mesma chance de serem promovidos”, comenta um dos policiais no grupo. 

Segundo a versão dos PMs, três conhecidos de Bruna Vitória Rabelo Tavares teriam provocado um acidente envolvendo a viatura da PM na rodovia BR 060. Em seguida, teriam fugido pela mata e atirado contra os agentes. 

“Nesse segundo relato aí não falamos sobre disparos. Acho que não colocamos disparos mesmo não. Se questionados porque não realizamos, alegamos que prezamos a segurança de terceiros devido o fluxo de transito”.

Colaboração

Nas mensagens os policiais revelam que contavam com a colaboração de uma escrivã da polícia civil, que passava informações sobre a evolução das investigações. 

“Senhores, a escrivã acabou de me ligar e falar que o nosso inquérito vai demorar um pouco mais para ser finalizado. Que o delegado pegou ele hoje para olhar e solicitou varias diligências, inclusive o mapeamento das viaturas”, publicou um PM no grupo.

Outro PM respondeu. “Steve, está redondo. Dá nada. Se der alguma coisa, quem ficar de fora, leva cigarro para os demais.”

No dia 28 de maio de 2022, o inquérito do caso foi arquivado. “Agora é meritória”, comemorou um dos policiais, indicando que logo eles deveriam receber uma promoção por ato de bravura.

“Aleluia”, comemorou outro PM.

Mais execuções

Apesar da aparente resolução do caso, os PMs pareciam não estarem satisfeitos com a matança de Escobar e outras sete pessoas, uma delas grávida de sete meses. 

“Quero confronto, só mais um. Depois nóis para”, publicou um agente.

“O senhor agora dá uma segurada, viu? Dá uma segurada. Anda no sapatinho que o trem não está bom não”, replicou outro policial. 

“O povo estava filmando mesmo. Não dá para vacilar”, comentou um terceiro PM. 

“Dá pra empurrar (matar) também. Uma chacina logo. Pegar logo uns quatro. Aí fica bom”, afirmou outro PM, depois de descobrir a identidade do homem que estaria filmando a operação dos policiais. 

Entenda o caso

Na noite de 23 de junho de 2021, Fábio Escobar tomou um táxi para participar de uma reunião de negócios. Representante comercial, ele estudava comprar uma lavanderia  no bairro Jamil Miguel, em Anápolis. 

Escobar já era do ramo e chegou a comentar com o taxista que estava a caminho de uma vistoria do imóvel. Porém, ao descer do veículo, foi alvejado por quatro tiros. Ele chegou a ser socorrido pelo motorista, mas não resistiu e faleceu assim que chegou ao hospital. 

A morte teve ampla repercussão local, tendo em vista a atuação de Escobar na coordenação da campanha do então senador Ronaldo Caiado (2015-2019), que venceu o pleito pelo Executivo estadual em 2018 e conseguiu se reeleger no ano passado. Este ano, porém, Caiado trocou o DEM pelo União Brasil. 

Filho de José Escobar, além de vereador de Anápolis e integrante do MDB, Fábio optou pela direita em 2018. Mas logo após a posse, o antigo coordenador de campanha passou a criticar Caiado. Em março de 2013, Escobar afirmou que o governador desprezaria pessoas sem estudo, rebatendo que nem todos são filhos de fazendeiro e têm a oportunidade de estudar medicina. Caiado é médico. 

Fábio Escobar divulgou ainda que tinha dúvidas em relação às doações legais na campanha do DEM em Anápolis e publicou um vídeo nas redes sociais em que afirmou ter recebido uma tentativa de suborno de R$ 150 mil. A condição era: “ou pega ou morre”. O militante devolveu o dinheiro.

Escobar fez diversas denúncias, amplamente noticiadas pelo site Goiás24horas. Mas, em 2020, o jornalista responsável pelo veículo, Cristiano Silva, foi agredido enquanto apurava uma reportagem crítica ao governo. A agressão sofrida por Silva nunca foi apurada pela polícia ou pelo Ministério Público, levando-o a deixar o Estado em busca de segurança. 

Súplica

Apesar de dizer, nos vídeos, que não se calaria e não tinha medo de fazer denúncias, Fábio Escobar passou a temer pela própria vida depois de participar do velório de Benjamin Beze Júnior, suplente do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), no dia 2 de março de 2020. 

Na ocasião, Escobar percebeu que alguns policiais o encaravam. O ex-coordenador de campanha do DEM também já teria sofrido uma emboscada, quando foi perseguido por PMs e quase foi encurralado em uma rua sem saída. Ele só conseguiu escapar porque um ônibus saiu de uma garagem. 

Fábio, então, enviou uma mensagem para Ronaldo Caiado. Ele disse que não queria morrer e esperava que a vida fosse poupada por ter dois filhos pequenos para criar. Ele também pediu que o governador repassasse a mensagem a Jorge Caiado, primo do governador, temido por ter conhecidos na PM. 

Outras execuções

Para criar a emboscada que daria fim a Fábio Escobar, os envolvidos criaram uma persona, chamada Fernando, além de usar o aparelho roubado de Bruna Vitória Rabelo Tavares para atrair a vítima até o local da execução. 

O companheiro de Bruna Tavares seria um traficante de drogas. O casal estava em um motel quando foi abordado e agredido por dois policiais, um deles reconhecido pelo companheiro. Após o incidente, o casal registrou um boletim de ocorrência. 

Dois meses depois de executar Escobar, os policiais assassinaram Bruna, grávida de sete meses. Horas depois, Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria, todos amigos do casal, também foram assassinados por PMs, que alegaram que houve confronto porque o trio teria matado a gestante. 

A partir da quebra do sigilo das comunicações dos policiais envolvidos no caso, a investigação constatou que os PMs acreditavam ter controle da situação, além de monitorar as quatro novas vítimas em tempo real com um rastreador eletrônico. 

Em janeiro de 2022, uma nova matança. Bruno Chendes, Edivaldo Alves da Luz Júnior e Daniel Douglas de Oliveira Alves, também amigos do casal, foram torturados e mortos pelos policiais, que queriam saber a localização do companheiro de Bruna. 

Primos

O Ministério Público (MP) de Goiás aditou, nesta semana, uma denúncia para incluir Jorge Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), em uma acusação de homicídio cometido contra um ex-coordenador de campanha do líder do Executivo goiano.

Na denúncia inicial do MP, apresentada em dezembro de 2023, Cacai foi acusado de ser “autor intelectual” do crime, executado por policiais militares, dos quais três foram acusados de ter ligação direta com a morte de Escobar. Nesta primeira denúncia, Jorge Caiado chegou a ser citado, mas não foi incluído como acusado na trama.

Agora, no aditamento, a denúncia acusa formalmente o primo de Ronaldo Caiado de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e emboscada. 

“O denunciado JORGE LUIZ RAMOS CAIADO, agindo livre e conscientemente, em comunhão de ações e desígnios com o executor do crime e com os demais denunciados, aderindo previamente à intenção homicida, concorreu de forma eficaz para o crime de homicídio contra a vítima Fábio Alves Escobar Cavalcante, eis que prestou apoio moral ao mentor Carlos César Savastano de Toledo, incentivando e reforçando os seus planos de matar a vítima”, diz o documento do MP.

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Camila Bezerra

Jornalista

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