Justiça

Caso Marielle: Os detalhes dos encontros entre Ronnie Lessa e os irmãos Brazão

O ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora  Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, relatou à Polícia Federal (PF) ao menos três encontros com os irmãos Brazão para tratar do crime, executado em março de 2018.

Os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, além do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, foram presos preventivamente, neste domingo (24), por ordem do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).

Detido desde março de 2019, Lessa confessou que foi o autor dos tiros que mataram a ex-vereadora carioca pelo Psol e seu motorista. Ele fechou acordo de delação premiada com a PF, homologado recentemente pela Suprema Corte.

Lessa detatou Domingos Brazão e Chiquinho Brazão como os mandantes e contratantes do crime, que tinha como motivação a atuação política de Marielle contra grilagem de terras em áreas de milícia, que seria chefiada pelos Brazão, na Zona Oeste do Rio. “Fato é que eles estavam focados no propósito de executar a vereadora“, diz relatório da PF.

Segundo a corporação, Rivaldo foi quem planejou “meticulosamente” a emboscada e atuou para obstruir as investigações do assassinato.

Em depoimento, Lessa assumiu que o intermediário do contato com os Brazão foi o ex-PM Edmilson de Oliveira, conhecido como Macalé, morto em 2021 em um caso que é investigado como “queima de arquivo“.

O delator deu detalhes de ao menos três encontros com os Brazão, confira:

1º encontro

O primeiro encontro entre Lessa, Macalé e os irmãos Brazão ocorreu no segundo semestre de 2017, nas imediações do hotel Transamérica, na Barra da Tijuca, próximo a residência dos dois políticos.

Nesta reunião, de acordo com a PF, os Brazão “passaram a limpo todo o contexto da demanda” e afirmaram que havia um miliciano atuando como infiltrado no PSOL, para colher informações sobre Marielle.  

Este homem infiltrado havia, inclusive, relatado que a vereadora Marielle Franco estava orientando a população a não aderir a novos loteamentos nas áreas da milícia.

Segundo Lessa, Domingos era o mais “verborrágico” e fez uma única exigência: que o crime “não poderia se originar da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro”, com objetivo afastar a conotação política do crime. 

Conforme narrado por Lessa (…), Domingos ressaltou que tal exigência partiu do então Diretor da Divisão de Homicídios da PCERJ, o Delegado Rivaldo Barbosa, fato que, inicialmente, o tranquilizou ante a notória pactuação da garantia de impunidade da ação que lhe foi encomendada”, diz o relatório da PF.

Neste cenário, Lessa ainda afirmou que aceitou a proposta de matar a a vereadora “ao vislumbrar uma boa oportunidade de negócio e se desgarrar da imagem de ser um mero sicário [matador de aluguel]”. Como recompensa, ele ganharia lotes em um empreendimento imobiliário na Zona Oeste do Rio.

2º encontro

Já um segundo encontro entre os envolvidos no homicídio ocorreu no mesmo local, próximo ao Hotel Transamérica. Nesta reunião, Lessa teria exposto seu incômodo com a orientação de que ele não poderia cercar Marielle a partir da Câmara, o que “prejudicava” a execução do crime.

Na ocasião, Lessa foi orientado de que não poderia passar por cima das ordens do delegado Rivaldo Barbosa.

3º encontro

Já um terceiro encontro ocorreu em abril de 2018, um mês depois do crime. A reunião teria sido convocada pelos Brazão, que  tranquilizou os criminosos, já que o então chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, “estava atuando para defletir a investigação do crime“.

Ao fim do encontro, quando Lessa e Macalé já estavam entrando no carro pra ir embora, Domingos teria dito que arma utilizada no crime, uma submetralhadora HK MP5, devia que ser devolvida.

O ex-PM tinha o costume de se livrar das armas após o cometimento dos crimes e Macalé “tentou demover Domingos da ideia”, mas “Domingos ressaltou que a arma deveria ser recolocada no lugar, sem especificar qual“, diz o relatório da PF.

Com isso, três dias depois da reunião, Lessa e Macalé entregaram a arma a dois milicianos de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, que jogaram as munições em um córrego no local.

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

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  • Nassif,

    Me permita montar as minhas peças:

    1- Sim, Ronnie Lessa, assim como tantos outros similares a ele, agiam no Rio de Janeiro como sicários a soldo, mas também com ligações orgânicas com grupos políticos e narcomilícias.

    Quem estudar a evolução dos grupos de extermínio no Rio vai entender que, assim como os traficantes, no início incipientes e amadores, esses criminosos assumem uma postura mais "profissional", dada a industrialização, mesmo que precária, dos negócios de morte para os de extorsão (e morte).

    O mesmo, como dissemos, aconteceu com os traficantes, as formas de operação e de busca por rentabilidade ganham mais sofisticação (e violência) ao longo do tempo.

    A questão é que no tráfico e na milícia (e nas narcomilícias), a instabilidade das disputas do varejo (ao contrário da unificação do PCC em SP, ou como o jogo do bicho do Rio) causa muito enfrentamento (entre rivais e a polícia).

    Mas é fato hoje que houve uma "desrregulamentação" total do setor, onde os chamados "donos dos morros" e das áreas, antes vistos com romantismo pela crônica policial, viraram "funcionários" multifunções, cada vez mais jovens (dada a rotatividade fatal de mão-de-obra) e com sede insaciável de poder e dinheiro, como mandam os manuais neoliberais de gestão.

    É isso que explica o fato desses grupos de policiais e simpatizantes, antes vistos como matadores a serviço da "justiça" (Escuderie Le Coq, por exemplo), hoje trabalharem pela melhor oferta ou tocando seus próprios negócios (narcomilícias).

    Antes, na década de 70, matavam por grana, mas isso não era legitimado entre eles, e de certa forma, ajudou a acirrar ânimos e carreiras.

    Então, esses agentes circulam entre vários grupos criminosos, não havendo mais uma "ética", um padrão.

    2- A milícia não tem estofo para elaborar e executar um crime nesta escala de complexidade, com as peças envolvidas todas separadas, a ponto de que não haja como conectá-las, salvo por "delações".

    Há várias perguntas que não são respondidas pelo relatório da PF.

    Sim, o ex-chefe de polícia e seus auxiliares estavam a serviço dos interessados, mas por que prenderam o executor que poderia lhes delatar?

    No fim, se olharmos com calma, as únicas pessoas trazidas ao IP com alguma relevância o foram na época do ex-chefe de polícia e seus auxiliares, e outros poucos, mais adiante, mas todos quase dentro a apuração estadual.

    A PF só pegou carona.

    Se a família Brazão já tinha aprovado a Lei para regularização fundiária em seus locais de interesses, qual o sentido de mandar matar a moça?

    Se havia um "planejamento" do ex-chefe de polícia, inclusive orientando o local mais apropriado para o ataque, por que não simular um assalto, em um alvo tão fácil, em uma situação tão comum no Rio como roubo seguido de morte?

    Que planejamento é esse que assinou o tipo de crime, como uma execução sofisticada, com uma arma quase nunca usada e portanto, mais rastreável (uma HK), ou que ao menos chamaria mais atenção, dada a dificuldade em obtê-la e o preço?

    Basta um fuzil .556 mm, ou uma 9 mm, coisas "corriqueiras" no Rio, fáceis de obter e de adulterar (basta trocar os canos).

    Como a PF dá por encerrado o IP, se há material a ser analisado? Eles já sabem de antemão o que tem ali? Ou as buscas já eram inócuas e mesmo assim foram feitas?

    3- O que me parece, Nassif, com muita tristeza, é ver que a PF se tornou uma coisa (para não dizer nome pior) que vai com quem está com a caneta.

    Seu relatório é uma peça cheia de suposições sem lastros.

    Me parece que as prisões cumprem o mesmo nefasto roteiro da farsa jato: forçar outras delações.

    É claro que o escrutínio das vidas dos irmãos Brazão e do ex-chefe de polícia podem trazer outros fatos, e outros delitos, até ou tão mais graves, e acho que essa a intenção, condená-los por tabela, ou seja, não pelo fato em si, porque as provas são frágeis, até aqui, mas pelo seus históricos.

    E tudo isso só favorece quem, realmente, encomendou a morte da vereadora.

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