Exclusivo: Planilhas apresentadas por Tacla Durán mostram que Lava Jato omitiu contas de João Santana, por Joaquim de Carvalho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Na nona postagem da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, feita em conjunto pelo Jornal GGN e o DCM, um aprofundamento nos depoimentos de João Santana e Mônica Moura, que mais que marqueteiros do PT estavam a serviço da Odebrecht para angariar presidentes pela América do Sul. A matéria de Joaquim de Carvalho é um mergulho comprovando a mudança de foco na delação e o esquecimento de contas do marqueteiro. As outras matérias da série podem ser vistas aqui.

Na reportagem anterior desta série, destacamos que o trabalho de João Santana e Mônica Moura fazia parte de um pacote que era oferecido pela Odebrecht a candidatos a presidente. A empreiteira se aproximava e oferecia um coquetel saboroso: os marqueteiros que ajudaram o PT a conquistar o poder, o financiamento de campanha e o levantamento de grandes obras que passariam a fazer parte da plataforma dos candidatos. Eleitos, havia a garantia de que as obras seriam construídas, com financiamento do BNDES.

A Lava Jato mudou o foco da delação dos dois: da Odebrecht para Dilma Rousseff e Lula.

Entre os documentos reunidos pela CPMI da JBS, aparecem algumas planilhas constantes dos acordos de delação premiada da Odebrecht e dos publicitários João Santana e Mônica Moura. Seriam as planilhas da contabilidade paralela da empreiteira, disponível no sistema My Web Day, criado e usado pela Odebrecht durante mais de uma década, mas que, hoje, é mantido sob sigilo pelo juiz Sergio Moro.

Nessas planilhas, aparecem pagamentos a João Santana e Mônica Moura feitas em contas da Suíça abertas em nome da offshore (empresa de paraíso fiscal) Shellbill. A soma dos valores depositados é de $ 4.825.000,00. Na mesma planilha, há registros de outras transferências, mas não é possível saber quem é o beneficiário. Por decisão da Justiça, os registros foram tarjados.

Na viagem que os deputados Paulo Pimenta e Wadih Damous fizeram a Madri, na Espanha, onde se encontraram com o advogado Rodrigo Tacla Durán, eles trouxeram na bagagem algumas cópias de planilhas muito parecidas, versões do mesmo sistema de contabilidade. Só que sem tarja.

Confrontando as duas, na parte onde não há tarja, é possível verificar que são quase idênticas. A única diferença é que, nas planilhas obtidas em Madri, os valores são em reais (é grafado o R antes do cifrão). Nas planilhas em poder de Tacla Durán, há contas vinculadas a João Santana e Mônica Moura que foram omitidas no acordo de delação premiada homologado no Brasil.

Como Rodrigo Tacla Durán descobriu essa omissão?

A resposta foi dada aos deputados que integram a CPMI da JBS, no depoimento gravado que prestou. O deputado federal Wadih Damous, que é advogado e já presidiu a seção da OAB no Rio de Janeiro, perguntou a respeito de uma conta aberta pelo Deltora — segundo reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, João Santana omitiu a conta na sua delação a Moro.

Damous — Deltora é vinculada a quem?

Tacla Durán — João Santana. 

Damous — Publicidade João Santana, e a mulher,  Mônica Moura. 

Tacla Durán — Sim.

Damous — E essa conta, Deltora, ela não aparece na delação da Mônica Moura e João Santana?

Tacla Durán — Não que eu tenha tomado conhecimento. Tudo que eu li, no que foi público, não vi nada mencionando.

(…)

Pimenta (Paulo) — E a Shellbill?

Tacla Durán — Shellbill faz parte de uma planilha que me pediram para fazer um estudo e buscar os beneficiários finais. 

Pimenta — E, além da Shellbill, apareceu outra conta nesse estudo da planilha?

Tacla Durán — Sim. A Deltora e mais duas, uma pessoa física e outra pessoa jurídica. 

Pimenta — Era João Santana…

Tacla Durán — Sim, essa conta era de contas vinculadas a pessoa de João Santana. 

Pimenta — Essa planilha envolveu quatro contas.

Tacla Durán — Quatro contas. 

Pimenta — E na delação aparece só a Shellbill.

Tacla Durán — Até hoje eu só vi a Shellbill.

Tacla Durán prestou serviços para a Odebrecht entre 2011 e 2016. Sua atuação se concentrava no Departamento de Operações Estruturadas, o setor da Odebrecht que fazia pagamentos que a empresa não queria vincular à  contabilidade oficial — o que inclui propina. Sua intimidade com o Departamento de Operações Estruturadas era tanta que o apartamento em que o diretor Hilberto Silva morava pertencia a Tacla Durán. O advogado recebia cerca de R$ 10 mil, pagos pela Odebrecht, conforme consta de sua declaração de imposto de renda.

Tacla Durán disse que recebeu da Odebrecht a tarefa de analisar as planilhas com pagamentos a João Santana e Mônica Moura, e descobriu que havia quatro contas vinculadas a eles. O objetivo da empresa, segundo o advogado, era descobrir algo nas movimentações bancárias de João Santana que pudesse comprometer Dilma Rousseff. Mas ele só conseguiu chegar até certo ponto.

“Quando eu não consegui localizar o beneficiário final das contas e relatei isso ao Hilberto, ele ficou muito chateado, porque, aí sim, ele me colocou que era o pagamento ao João Santana, que era muito importante a gente conseguir isso, porque a ideia da Odebrecht era pressionar a presidente Dilma, através dessa informação, a paralisar as investigações ou coisas nesse sentido”, afirmou o advogado.

Segundo ele, a Odebrecht já tinha feito encomendas muito parecidas, para descobrir o caminho do dinheiro em outros países, comprometer as autoridades e interromper investigações. Na entrevista que deu ao jornal El País, da Espanha, Tacla Durán contou que a empresa usava também outros expedientes para pressionar políticos. Guardava em arquivo fotos de autoridades de países da América Central comemorando eleições com prostitutas, inclusive mulheres levadas do Brasil.

Essas fotos nunca vieram a público, mas Tacla Durán diz que tem cópia de algumas delas, repassadas a ele por diretores da Odebrecht, que também lhe mostraram o chiclete de viagra, igual ao que costumavam dar de presente a autoridades dos países onde essas festas eram realizadas.

Odebrecht mantinha as fotos como trunfo, num jogo arriscado. Segundo Durán, a empresa ajudava os candidatos com dinheiro e serviços de marketing político (João Santana) e precisava de algo para usar em caso de ser passada para trás e ficar sem os projetos que queria realizar. Ou seja, caso fosse excluída do orçamento público, de onde, afinal, vem o dinheiro que enriquecia a empresa e as autoridades.

João Santana e a mulher, Mônica Moura, eram peças dessa engrenagem que funcionou durante décadas. Além de comandar o marketing político, eles eram veículos para a transferência de dinheiro. Tacla Durán soube disso quando analisou as planilhas do My Web Day. Pelas contas de Santana e de Mônica passaram pagamentos a terceiros, até agora não identificados, como um tal Nicolas Sawne Barake.

As declarações e os documentos apresentados por Tacla Durán poderiam ser recebidos com desconfiança. Poderiam ser interpretados como a ação de um investigado em desespero para tentar desqualificar o processo em que é acusado de lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa e, assim, tentar inviabilizar  o trabalho da Justiça.

Mas, quando se olha para o resultado das colaborações prestadas por ele em outros países, a desconfiança diminui ou desaparece: Durán ajudou o Departamento de Justiça dos Estados Unidos com informações que levaram a administração de Barack Obama a viabilizar na Justiça um acordo que resultou na maior multa da história dos Estados Unidos aplicada em um caso estrangeiro de suborno:  2,6 bilhões de dólares.

Isso explica por que Tacla Durán não foi preso em território americano, nos quatro meses que permaneceu lá depois que Sergio Moro decretou sua prisão no Brasil, no dia 5 de julho de 2016. Durán entrava e saía do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, em Wahington, sem que fosse incomodado pela ordem de prisão assinado por Moro. Quando quis sair dos Estados Unidos e ir para a Espanha, passou pela imigração dos dois países sem nenhum problema.

Só foi preso no dia 18 de novembro, dois dias depois de chegar a Madri. Ele tomava café no saguão do Hotel Intercontinental quando policiais o prenderam. Havia um novo mandado de prisão, emitido na véspera, o quarto assinado por Moro contra Tacla Durán. Passou 78 dias no presídio Soto Del Real, um cárcere conhecido na Espanha por abrigar milionários e políticos acusados de crimes de sonegação e corrupção, como o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rosell.

Uma vez preso, teve início o processo de extradição para o Brasil. A Justiça decidiu, em primeira instância, que ele deveria ser entregue às autoridades brasileiras. A Audiência Nacional, através de seu tribunal penal (a última instância), não permitiu. Tacla Durán é espanhol e, por decisão unânime, decidiu que ele não pode ser extraditado ao Brasil, ainda que, filho de espanhol, tenha também cidadania brasileira, por ter nascido em São Paulo.

A decisão da Audiência Nacional faculta ao Brasil a possibilidade de enviar o processo à Espanha para que lá, com base nas leis espanholas, possa ser julgado.  Mas uma condenação na Espanha seria difícil com base nas provas juntadas pela Lava Jato contra ele. É que, na Espanha, delações não são levadas em consideração depois que se descobriu que o expediente foi usado para perseguir adversários, durante a ditadura do generalíssimo Franco.

Depois que foi recolhido ao presídio Sono Del Real, começou a ser foi ouvido também por autoridades de um país vizinho, o principado de Andorra, onde a Odebrecht concentrou parte de suas operações para corromper autoridades em todo o mundo. No principado, ele ajudou a sepultar a Banca Privada, uma instituição financeira que já tinha fechado depois de ser apontada, em 2014, como banco onde milionários norte-americanos lavaram dinheiro.

Durán era réu num processo por lavagem de dinheiro movido pelo principado, juntamente com Marcelo Odebrecht. Com sua colaboração, passou à condição de testemunha protegida e Marcelo continua processado. Tacla Durán prestará depoimento à CPMI do Congresso Nacional, através de videoconferência, no dia 30 de novembro. É a oportunidade que o Brasil terá de conhecer um pouco mais das estranhas da Odebrecht.

O que a empresa contou, através de seus executivos, já provocou o estrago. O que ela fez pode causar um terremoto ainda maior.

 
2017-11-20 17:03:43 -0200
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Eita, Nassif….. que quanto

    Eita, Nassif….. que quanto mais se remexe nesse lodo, mais fétido ele fica, mais esgoto vaza…….  Parabéns ao GGN e DCM pelo trabalho sério, que penso histórico….. queria que uma produtora séria se dispusesse a fazer um documentário ao fim desse trabalho, narrando a epopéia que deve ter sido juntar todos os testemunhos, documentos, etc. – Um conjunto da obra com as conclusões finais bem claras a todo o brasileiro que quisesse saber da verdade.

    Fica a perplexidade e a indignação, diante do já levantado, com a omissão do Ministério Público Federal, tão pródigo em aceitar denúncias ridículas, parciais, cínicas, sobre qualquer factóide trazido pela grande mídia…..  O fato de estarem pedindo o bloqueio de 24 milhões de reais de Lula e seu filho pelas acusações a eles feitas na operação Zelotes, é uma ignomínia, um ato tão descarado de distorção da verdade, que humilha todo o Ministério Público brasileiro.   E até agora, que eu saiba, nem uma mísera observação sobre os indícios gravíssimos que GGN e DCM levantaram agora, dos desvios de função havidos na Lava Jato…..

    É uma questão de “grife”, provavelmente…… Fosse matéria da Globo, com interesses da Globo, quem sabe a história não seria outra….?

    Cabe a todos nós, por ora, agradecermos o esforço, a coragem, a honestidade do trabalho de vocês! Parabéns!!!! 

  2. Tacla Duran

    Se cuida amigo.

    Os nossos herois de CUritiba, estão ficando bem nervosos

     

    Agora vou ficar sentado esperando um Power Point com o Beato no centro

  3. As jogadas das delações premiadas

    Tudo o que tem movido de fato a Lava Jato de Dallagnol, demais colegas e Moro é condenar e condenar Lula. Se possiel, toda a cupula petista. Muitos não acreditam que o ex-presidente possa ser preso, mas parece ser esse o objetivo maior da Lava Jato. Nem que seja por apenas algumas horas o que ja seria suficiente para mostrar que eles, os super herois do neo-Brasil, condenaram e prenderam um ex-presidente, ninguém menos que o “chefe da quadrilha petista”.

  4. lava jato

    A lava jato sempre funcionou como biruta de aeroporto, era só a Globo apontar, para Sérgio Moro agir. hoje, depois da comprovação dos crimes praticados pela emissora, o encantador de jumentos e sua turma de Curitiba estão vivendo a triste realidade dos “proncovô”. Com o belo trabalho do GGN/DCM, O TACLA DURAN querbrou a BANCA.

  5. A Lava Jato de Curitiba e o

    A Lava Jato de Curitiba e o Golpe de 2016 tiveram e tem como principais objetivos:  

    [1] a destruição da Petrobrás,

    [2] a entrega do Pré-Sal,

    [3] a venda da Eletrobás,

    [4] a destruição do Projeto de Energial Nuclear,

    [5] a submissão do país aos interesses internacionais

    [6] a entrega do Governo brasileiro a uma “elite” financeira colonialista, totalmente irresponsável, inculta, gananciosa e corrupta

  6. “A empreiteira se aproximava

    “A empreiteira se aproximava e oferecia um coquetel saboroso”

    Essa é, na grande maioria das vezes, a lógica da corrupção – sobretudo a corrupção graúda: a iniciativa é do corruptor, raras vezes do corrupto.

    Mas aqui no Brasil o consenso é que você tem de exterminar as moscas, não limpar a sujeira que as atrai.

  7. Essa idéia de um documentario

    Essa idéia de um documentario seria um “tapa de luva” na cara desses enviseirados que acreditam em tudo que é vomitado diáriamente pela Farsa Jato.

    Aliás não se comenta mais do:ultra,mega,power Filme a justiça é para alguns………..

    Me parece que bateu todos os recordes de bilheteria …..Hahahahahahaha

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